Acórdão nº 22/20.5 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFREDERICO MACEDO BRANCO
Data da Resolução02 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório M....., M.....

e A....., com os demais sinais nos Autos, vieram apresentar Ação Administrativa Comum, contra o Estado Português, peticionando a condenação deste no pagamento, nomeadamente, de (i) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais normais, para cada autor, pela duração do processo nº2933/03.3TBCSC, e respetivos apensos, não inferir a €750 por cada ano de atraso, num total de €9.750 para cada, no valor global de €29.250; (ii) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais especiais, para cada autor, pela duração do processo nº2933/03.3TBCSC, e respetivos apensos, não inferir a €1.250 por cada ano de atraso, num total de €16.250 para cada, no valor global de €48.750); (iii) Uma indemnização de 1.500€ por cada ano de duração do presente processo sobre a morosidade, agora instaurado, após o decurso de dois anos, até ao seu termo, também a título de danos morais; (iv) Condenar-se o Estado Português a pagar os honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos em quantia a fixar equitativamente conforme consta desta petição inicial (artigo 383º) ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados, incluindo os honorários da liquidação de honorários ou outras.

Os Autores, inconformados com a Sentença proferida no TAF de Sintra em 20 de junho de 2022 que decidiu “a) Julgar procedente a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, da jurisdição administrativa para conhecer do pedido indemnizatório dos danos sofridos pelos Autores durante seis anos e vinte e um dias resultantes de alegados erros judiciários incorridos pelo juiz do processo n.º 2933/03.3TBCSC nas decisões judiciais de prorrogação do prazo de apresentação nos autos de um documento por parte do primitivo cabeça de casal daquele processo de inventário, e, (…) b) Julgar procedente a exceção de prescrição do direito dos Autores (…)”, vieram em 18 de agosto de 2022 recorrer para esta instância, tendo concluído: “1 – Do pedido e causa de pedir formulado pelos Recorrentes resulta que o facto ilícito em causa é o atraso que o processo levou até ser concluído, fruto de um conjunto de fatores, entre os quais o modo como o processo foi tramitado ou os períodos em que esteve injustificadamente parado, estando em causa a chamada faute du et de servisse, não estando em causa indicar a legalidade de um concreto ato da tramitação processual, mas antes o resultado global das escolhas e meios disponíveis no processo em causa, que levaram a que o processo se arrastasse por 16 anos! 2 - É entendimento pacífico que neste tipo de responsabilidade do Estado, nem sequer é necessário demonstrar os concretos momentos em que o processo esteve sem tramitação, dado que é suficiente que o mesmo ultrapasse o prazo razoável, desde que tal não resulte do comportamento da parte lesada! 3 - Incumbe ao Estado Português, por força da conjugação dos artigos 20º, nº 4 CRP, 6º, nº1 CEDH, art. 2º do CPC, criar os meios necessários para que a justiça portuguesa seja rápida e eficaz, de modo a responder às expectativas das pessoas.

4 - Assim, ao não agir em conformidade, seja pela criação de postos de trabalho, seja pela alteração legislativa, no sentido da agilização processual, ou pela falta de meios técnicos, o Estado Português, omitiu comportamentos, que provocaram danos gravosos na esfera dos Recorrentes.

5 – Sendo este o busílis da questão, e não a apreciação do mérito das concretas tomadas de decisão judicial no decurso do processo.

6 – Os Recorrentes não se podem afastar da concreta análise de toda a tramitação desenvolvida no processo, pois tal é crucial para determinar o grau da culpa e da ilicitude, bem como determinar se a mesma é imputada às partes ou ao Estado, ou até a um colaborador da justiça, sem que isso implique ter de levantar questões de erro judiciário, pois nada disso está em causa.

7 - O art. 1º, al g) do ETAF confere aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência para a apreciação de litígios que tenham por objeto “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletiva e de direito publico, incluindo na resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.

8 - Não se extrai dos articulados dos Recorrentes qualquer dano que tenha em referencial de causalidade quaisquer “decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto”, sendo apenas relevante saber desde quando o Tribunal estava ou devia estar em condições para decidir o litigo e não o fez.

9 - É na inercia que os Recorrentes entendem existir ao longo do processo de inventário, desinteressando-se da imputação de qualquer erro judiciário que possa ter sido cometido, antes sustentando em decisões favoráveis, ancorando aí a responsabilidade do Recorrido.

10 - Por se tratar de um caso de morosidade processual, bem como da mera omissão ou retardamento da prática de atos processuais, a responsabilidade civil em, causa enquadra-se no artigo 7º do RRCEEP, sendo a jurisdição administrativa a competente.

11 - Quem faz a interpretação autêntica da Convenção é o Tribunal Europeu e não os tribunais nacionais, pelo que vejamos a interpretação do TEDH, no que concerne à finitude do processo.

12 - A Convenção garante um controlo jurisdicional efetivo dos direitos nela consagrados, sendo, portanto, o modelo mais perfeito dessa garantia. Os Estados que violam os direitos consagrados na Convenção ou nos seus Protocolos são, efetivamente, sancionados. Os direitos são protegidos de uma forma efetiva. A Convenção visa proteger direitos “não teóricos ou ilusórios, mas concretos e efetivos”.

13 - O artº 6º, nº 1, da Convenção confere ao requerente o direito a que a sua causa seja julgada por um tribunal. As limitações como a prescrição não devem prejudicar a própria essência do direito, devendo ainda haver uma relação de proporcionalidade entre os meios empregues e os fins em vista. (Acórdão T.P. e K.M. c. Reino Unido, de 10/05/2001, considerando 97) 14 - Interpretação diferente seria absurda porque impedia os autores prejudicados de se queixaram da violação do prazo razoável quando tivessem a noção de que o processo se arrastou já demais, ou obrigava-os a instaurar diversas ações ao longo da duração anormal de um processo, o que seria absurdo e violaria o princípio superior da boa administração da justiça! 15 - Conforme supra referido, no que concerne à violação de direitos consagrados na CEDH, devem seguir-se as diretrizes do TEDH, que no caso do artigo 6º da CEDH, entende ser necessário analisar a duração global do processo, o comportamento das partes, a complexidade do litígio.

16 - Sendo lógico que tal apreciação apenas faz sentido depois do processo findo, e não no decurso do mesmo… 17 - Por outro lado, defender o contrário, é permitir um estado de incerteza e insegurança jurídicas, obrigando o lesado a intentar sucessivas ações de responsabilidade civil, ou ampliações do pedido, tornando a ação e responsabilização insuficiente e excessivamente morosa e complexa, subvertendo a ratio da mesma.

18 - Esta problemática foi definitivamente dirimida pelo Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção alargada) de 10 de janeiro de 2017, Gascogne Sack Deutschland GmbH e Gascogne contra o Tribunal de Justiça da União Europeia, que nos considerandos 42 e 43, 46, 47 e 48, destacando-se o considerando 47, de acordo com, o qual 47 - Assim, no caso específico de uma ação de indemnização que visa a reparação de um dano alegadamente sofrido devido a uma eventual inobservância do prazo razoável de julgamento, o início da contagem do prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia deve corresponder à data de adoção da decisão que ponha termo ao prazo de julgamento controvertido. Com efeito, essa data constitui uma data certa, fixada com base em critérios objetivos. A referida data garante o respeito pelo princípio da segurança jurídica e permite a proteção dos direitos das demandantes.

19 - Sendo que a nível dos Tribunais nacionais, se perfilha o mesmo entendimento, citando-se que todos os referidos nestas alegações, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/12/2020, processo n.º 995/19.0BESNT-S1, no qual se concluiu do modo seguinte: “No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na justiça, o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do art. 498º do Código Civil, apenas começa a contar após a conclusão do processo.” 20 – No caso concreto, o processo findou em 20 de Fevereiro de 2019 e a ação foi interposta em 7 de Janeiro de 2020, sem que tivesse transcorrido o prazo de três anos aludido no art. 498º do Código Civil, pelo que não ocorre a exceção de prescrição.

21 – Devendo o despacho Saneador Sentença ser revogado e substituído por outro que julgue improcedentes as exceções de incompetência material e de prescrição e determine o prosseguimento dos autos até final.

22 - Mostrando-se violado o disposto nos artigos 6º, nº 1 da CEDH, 20º, nº 1 e 4 da CRP, 1º, g) ETAF e 7º Lei 67/2007 de 31 de Dezembro. JUSTIÇA!!!” O Estado Português/Ministério Público veio apresentar contra-alegações de Recurso em 13 de outubro de 2022, tendo então concluído: “1.ª – Insurgem-se os Recorrentes contra o saneador-sentença que julgou a procedente a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, da jurisdição administrativa para conhecer do pedido indemnizatório dos danos sofridos pelos Autores resultantes de alegados erros judiciários incorridos pelo juiz do processo n.º 2933/03.3TBCSC nas decisões judiciais de prorrogação do prazo de apresentação nos autos de um documento por parte do primitivo cabeça-de-casal daquele processo de inventário.

  1. – Nesta parte, o...

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