Acórdão nº 136/22.7BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução02 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório K...

e L...

, intentaram ação arbitral no Tribunal Arbitral do Desporto, contra a Federação Portuguesa de Futebol, mais tendo indicado como contrainteressada a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, peticionando a revogação da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (CD da FPF), de 18.04.2022, no âmbito do Processo Disciplinar n.° 69-21/22, ao qual foi apenso o P. n.º 70-21/22, que condenou o primeiro Demandante numa infração disciplinar, p. e p. pelo art. 145.º, n.º 1, alínea b) [Agressões], do RD LPFP21, tendo-lhe sido aplicada uma pena de sanção de suspensão de 23 (vinte e três) dias e, acessoriamente, uma pena de multa no montante de €2.870 (dois mil oitocentos e setenta euros) e, o segundo Demandante, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 131.º, n.º 1 [Agressões] do RD LPFP21, na sanção de 68 (sessenta e oito) dias de suspensão e em multa no valor de € 1.910 (mil novecentos e dez euros).

Por acórdão de 26.07.2022, proferido no P. n.º 24/2022, o Tribunal Arbitral de Desporto (TAD) anulou «a decisão final de condenação proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol no que respeita ao Demandante K..., absolvendo-o, e mantendo a condenação aplicada ao Demandante L...

.» Não se conformando com o assim decidido veio a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) interpor o presente recurso jurisdicional, no qual concluiu, em sede de alegações de recurso, como se segue - cfr. fls. 46 e ss., do SITAF: «(…) 1.

A Recorrente vem apresentar recurso da decisão proferida pelo Colégio Arbitral no âmbito do processo de ação Arbitral necessária n.º 24/2022, que declarou procedente a ação interposta pelo ora Recorrido e determinou a revogação do acórdão de 18 de abril de 2022, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção Profissional, na parte em que se decidiu aplicar ao Recorrido as sanções de multa e de suspensão pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. b) [Agressões], do RD da LPFP.

  1. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existem erros graves de julgamento da matéria de facto, bem como na interpretação e aplicação do Direito.

  2. A factualidade considerada não provada pelo Tribunal a quo, resulta de toda a prova documental junta aos autos, assenta no Relatório de árbitro de fls. 7, na gravação das imagens do jogo a fls. 52, na imagem de fls. 71 e também no depoimento prestado, em sede disciplinar, pelo Senhor Prof. Doutor J..., a fls. 289.

  3. Atentos os elementos probatórios melhor identificados em sede de Alegações, deve ser dado como provado que: "

    1. O Recorrido K...] aproximou-se, tentando encostar o seu peito, ao delegado ao jogo H..., momento em que lhe dá um pisão/calcadela, causando dor.

    2. O Recorrido K..., agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas, porém, não se absteve de as praticar".

  4. Para que se preencha o tipo da infração sub judice [art.º 145.º, n. º 1 alínea b) RDLPFP], necessário se torna que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa: (i) um jogador; (ii) cometa uma agressão; (iii) que não determine lesão de especial gravidade: (iv) contra delegados ao jogo de outros clubes.

  5. Os bens e interesses jurídicos protegidos estão além da integridade física e/ou saúde dos agentes desportivos, centrando-se igualmente na imagem e credibilidade das competições e na prevenção de fenómenos de violência no desporto.

  6. Como acima se explanou, resulta de toda a prova junta aos autos que o Recorrido K...] aproxima-se, tentando encostar o seu peito, ao delegado ao jogo H..., momento em que lhe dá um pisão/calcadela, cauando dor.

  7. Fundamental no ilícito em causa, do ponto de vista objetivo, é verificar o conceito de "agressão", nomeadamente se o mesmo é compatível ou se mostra preenchido com a matéria apurada (dar um pisão/ calcadela).

  8. Atenta a factualidade que deve ser dada como provada, não temos qualquer dúvida que, devido à intensidade da conduta mantida pelo Recorrido que com a sua chuteira, com pitões de alumínio, dá um pisão no tornozelo do delegado da equipa adversária, provocando-lhe um traumatismo, pratica um comportamento disciplinarmente censurável, que não pode deixar de ser qualificado como agressão, por se mostrar suscetível de pôr em causa a integridade física do visado, como efetivamente pôs.

  9. Assim, atendendo à prova produzida nos presentes autos, e atendendo ao modo como é executada a ação que voluntária e deliberadamente tomou, é de qualificar objetiva e subjetivamente a conduta do Recorrido enquanto agressão/ofensa corporal, para com o delegado ao jogo da equipa adversária.

  10. E, fazendo-o de forma voluntária, livre, consciente e deliberada, sabendo da ilicitude do seu comportamento, está, consequentemente, também reunido o elemento subjetivo da infração pela qual foi condenado pelo CD da Recorrente, tendo atuado dolosamente, dado que o Recorrido quis atingir o visado, mesmo sabendo que ofenderia os valores desportivos e que não poderia adotar a conduta mantida sem incorrer na prática de infração disciplinar.

  11. Assim, o Acórdão recorrido merece a maior censura e deve ser revogado, sendo substituído por outro que reconheça a legalidade e acerto da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina, mantendo, pois, as sanções aplicadas ao Recorrido.

    (…).» Também L...

    interpôs recurso, no qual concluiu, em sede de alegações de recurso, nos seguintes termos - cfr. fls. 25 e ss., do SITAF: «(…) -I- A. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 26 de Junho de 2022 do TAD, que confirmou a condenação do Recorrente L..., pela prática de uma infracção disciplinar p. e p. nos termos do disposto no art. 131.°-1, ex vi art. 168-1, ambos do RDLPFP, aplicando-lhe a sanção de suspensão em 68 (sessenta e oito) dias e a sanção de multa em € 1.910,00 (mil novecentos e dez euros).

    B.

    Não pode o Recorrente conformar-se com o sentido e teor do acórdão proferido por duas ordens de razões fundamentais: em primeiro lugar existe erro manifesto na apreciação da prova; e, além do mais, a actuação do arguido não preenche materialmente o tipo legal do ilícito disciplinar de “agressões” p. e p. pelo art. 131.°-1 do RD.

    -II- C.

    Reportam-se estes autos ao sucedido no final do jogo n.° 12201 realizado em 11-02-2022 no Estádio do Dragão entre a Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD e a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, a contar para a 22.

    a jornada da “Liga Portugal Bwin”.

    D.

    Após o apito final ocorreu, no relvado do Estádio do Dragão, uma altercação generalizada entre o staff e jogadores de ambas as equipas, tendo sido, justamente, no meio dessa confusão que, apercebendo-se que o jogador G... tentava chegar junto de P... e de H..., o Recorrente se colocou à frente deste esticando os braços de modo a afastá-lo, empurrando-o para fora daquela zona - o que logrou conseguir! E.

    Sendo precisamente isso - e apenas isso! - que resulta das imagens televisivas do encontro juntas aos autos do processo disciplinar, concretamente, minutos 00:00:13 a 00:00:18 do ficheiro vídeo a fls. 71 do processo apenso ('‘vídeo 1 ,mp4”).

    F.

    Tudo o que, em consciência, o Recorrente pretendia era afastar o jogador da equipa adversária do epicentro dos desacatos, assim evitando que o conflito escalasse.

    G.

    Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não interpretou como se impunha a dinâmica dos acontecimentos, nem valorou rigorosamente a prova produzida em sede de audiência disciplinar.

    H.

    A verdade é que a prova produzida - designadamente as imagens juntas aos autos a fls. 71 do processo apenso (ficheiro vídeo “vídeo l.mp4”) e as declarações tomadas ao Demandante em sede de audiência disciplinar - não permite suportar a demonstração da factualidade ínsita nos pontos 6 in fine e 7 da matéria provada. Tendo o Tribunal incorrido em manifesto erro na apreciação da prova.

    I.

    Qualificar como agressão o gesto que o Recorrente fez de empurrar o jogador da equipa visitante para fora daquela zona, impedindo-o de se envolver nos confrontos já gerados, é absolutamente ilógico, desajustado e contrário à ratio da norma e aos valores que com a mesma se pretende salvaguardar.

    J.

    A realidade é que o Recorrente não exerceu qualquer tipo de violência sobre o jogador G..., não podendo o mero toque com as mãos no corpo daquele jogador (ainda que se apelide tal conduta de “empurrão”) ser tido como integrador do elemento típico exigido pela infracção de agressão, p. e p. no art. 131.°-1 do RD.

    K.

    Desde logo por não se tratar de uma verdadeira agressão no sentido jurídico-disciplinar do termo - não tendo havido o emprego de força excessiva ou brutalidade - mas tão só de uma mera casualidade decorrente da altercação que se gerou no final do jogo.

    L.

    Certo é que, o conceito de agressão para efeitos do RD - ou ofensa à integridade física no ordenamento jurídico-penal - implica um “mau trato” através do qual o atingido é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante (PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, 1,2.a ed., anotação ao art. 143.°, p. 305).

    M.

    Exigindo assim um determinado resultado: a ofensa do corpo ou da saúde de outra pessoa - não se podendo considerar existente uma ofensa ao corpo ou à saúde, onde a lesão seja insignificante ou irrelevante.

    N.

    Da concreta configuração do contacto físico - tal qual como ele vem objectivamente descrito na matéria assente do acórdão recorrido [isto é, empurrão e colocação de mão no pescoço] - que foi de intensidade insignificante e sem quaisquer consequências (relevantes) para o corpo ou para a saúde do visado - resulta não ser a conduta do Recorrente suficiente para preencher materialmente o tipo legal do ilícito disciplinar de “agressões” p. e p. pelo art. 131.°-1 do RD.

    O.

    E, mesmo...

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