Acórdão nº 386/19.3JAPDL.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 386/19.3JAPDL.L2.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

Em primeira instância, o arguido AA foi julgado, em tribunal coletivo, no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (Juízo Central Criminal ..., Juiz ...), e condenado nos seguintes termos: «A) Condenar o arguido AA: 1- na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime de abuso sexual de criança agravado, p.p. pelos artos.171º, nº.1 e 177º, nº.1, al.a), todos do CP (sendo vítima a BB); 2- na pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática de cada um dos 3 (três) crimes de abuso sexual de criança agravado, p.p. pelos artos.171º, nº.2 e 177º, nº.1, al.a), todos do CP (sendo vítima a BB); 3- na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão pela prática do crime de coação agravada, consumada, p.p. pelos artos.154º, nºs.1 e 2 e 155º, nº.1, al.a), todos do CP (sendo vítima a BB); 4- na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica, p.p. pelo artº.152º, nºs.1, al.a) e 2 do CP (sendo vítima a CC); 5- na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica, p.p. pelo arto.152º, nºs.1, al.d) e 2 do CP (sendo vítima a BB); 6-na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica, p.p. pelo arto.152º, nºs.1, al.d) e 2 do CP (sendo vítima a DD); e 7- na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica, p.p. pelo arto.152º, nºs.1, al.d) e 2 do CP (sendo vítima a EE); 8- Em cúmulo jurídico fixar a pena única (numa moldura abstrata de cúmulo que vai de 7 a 25 anos de prisão) em 16 (dezasseis) anos e 2 (dois) meses de prisão; B) Condenar o arguido AA às penas acessórias de de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou proibição privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores e proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores pelo período de 16 (dezasseis) anos e 2 (dois) meses – artigos 69º-B e 69º-C, ambos do Código Penal; C) Condenar o arguido AA a pagar a cada uma das ofendidas BB, EE e DD, a título da reparação a que se reporta o artigo 82º-A do Código de Processo Penal, o montante de € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros); D) Julgar procedente por provado o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante CC contra o arguido/demandado AA e, em consequência, condená-lo no pagamento àquela da quantia de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal civil vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização cível e vincendos, até efetivo e integral pagamento; E) Absolver o arguido AA do demais que lhe vinha imputado.» 2.

O arguido, inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 09.06.2022, decidiu: «i. declarar verificado, no acórdão recorrido, o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão quanto ao crime de violência doméstica [previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea d) e nº 2 do Código Penal] em que figura como vítima EE [originariamente incluído no objecto do processo no 95/13....]; ii. determinar a separação de processos, passando a ser instruído e julgado em separado o processo relativo à apreciação da prática pelo arguido AA de um crime de violência doméstica [previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea d) e nº 2 do Código Penal] em que figura como vítima EE, bem como da indemnização eventualmente a atribuir nos termos do artigo 16º da Lei nº 130/2015, de 04 de Setembro; iii. determinar, nos termos do artigo 426º do Código de Processo Penal, o reenvio para novo julgamento do processo relativo à apreciação da prática pelo arguido AA de um crime de violência doméstica [previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea d) e nº 2 do Código Penal] em que figura como vítima EE; iv. determinar a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto (provada e não provada) nos termos acima identificados em D); v. condenar o arguido AA a. na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 171º e pela alínea a) do nº 1 do: a. na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 171º e pela alínea a) do nº 1 do artigo 177º , ambos do Código Penal (sendo vítima BB); b. na pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática de cada um de 3 (três) crimes de abuso sexual de criança agravado, cada um previsto e punido pelo nº 2 do artigo 171º e pela alínea a) do nº 1 do artigo 177º 177º, ambos do Código Penal (sendo vítima a BB); vi. confirmar a condenação do arguido AA aplicada em 1ª instância a. na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, pela prática do crime de coação agravada, previsto e punido pelos nº 1 e 2 do artigo154º, e pela alínea a) do nº 1 do artigo 155º, ambos do Código Penal (sendo vítima a BB); b. na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a), e 2, do Código Penal (sendo vítima a CC); c. na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea d), e 2, do Código Penal (sendo vítima a BB); d. na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea d), e 2, do Código Penal (sendo vítima a DD); vii. em cúmulo jurídico das penas referidas em v. e vi., condenar o AA na pena única de 13 (treze) anos de prisão; viii. condenar o arguido AA nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, e de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, em ambos os casos pelo período de 13 (treze) anos [artigos 69º-B e 69º-C, ambos do Código Penal]; ix. manter, no remanescente, a decisão recorrida.» 3.

Inconformado com a decisão, interpõe agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nos seguintes termos: «1 – Ao invés do sustentado no aresto ora proferido, o Tribunal “a quo” não descurou o poder-dever de investigar todos os factos necessários à prolação de uma decisão.

2 – Sucede, todavia, que terminada a produção da prova o Tribunal considerou assente factualidade insuficiente para o preenchimento da hipótese legal da norma que prevê e pune o crime de violência doméstica, no que se refere à ofendida EE.

3 – Perante tal vício, ressalvado o respeito devido por opinião diversa, não cabe novo reenvio do processo para julgamento, antes que se julgue não verificados os elementos objetivo e subjetivo do crime em questão e, em consequência, dele se absolva o Recorrente.

4 – Por outro lado, cremos que as penas parcelares ora determinadas e a pena única de treze anos de prisão aplicada ainda excedem as necessidades de prevenção geral e especial e prejudicam a ressocialização do Recorrente.

5 – Com efeito, no caso vertente haveria de considerar que o Recorrente tem 45 anos de idade (tinha 35/36 à data dos factos), 6 – Confessou a generalidade dos factos que lhe eram imputados no apenso A, o que sempre revelará ter interiorizado o desvalor e gravidade da sua conduta.

7 – Pediu desculpa à ofendida BB e manifestou arrependimento (minutos 25:40 e seguintes do segundo ficheiro do depoimento da ofendida, n.º 2 do CD da prova), 8 – O arguido não possui quaisquer antecedentes criminais.

9 – As necessidades de prevenção geral são elevadas, mas as exigências de prevenção especial serão hoje forçosamente diminutas.

10 – Com efeito, decorreram já nove anos desde a prática dos crimes, o arguido encontrava-se inserido familiar, social e profissionalmente, mantém-se abstinente e frequentou, por sua livre iniciativa, programa psicoterapêutico para controlo de raiva, não havendo registo que tenha praticado qualquer outro ilícito penal desde então.

11 – O grau de ilicitude do facto – atenta a pluridimensionalidade das ofensas e os seus expectáveis reflexos na vida das ofendidas – e a culpa do arguido assumem particular relevo.

12 – Ante tudo quanto supra se expôs, mormente, a culpa, o grau de ilicitude e as condições pessoais do arguido, bem como a conduta anterior e posterior ao crime, as penas parcelares aplicadas excederam as necessidades de prevenção geral e especial, prejudicando a possibilidade de reinserção do Recorrente.

13 – Assim, ao Recorrente deveriam ter sido aplicadas as penas parcelares de – um ano e sete meses anos de prisão pela prática do crime de abuso sexual de criança agravado por reporte à ofendida BB; – cinco anos de prisão pela prática de cada um dos três crimes de abuso sexual de criança agravado por reporte à ofendida BB; – um ano e dois meses de prisão pela prática do crime de coação agravada por reporte à ofendida BB; – três anos e três meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica por reporte à ofendida CC; – dois anos e nove meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica por reporte à ofendida BB; e – dois anos e quatro meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica por reporte à ofendida DD.

14 – Por tudo o aduzido, ponderadas a ilicitude global do facto e as exigências de prevenção requeridas, cremos que uma pena situada próxima do primeiro terço da moldura penal abstrata aplicável ao concurso (mínimo de cinco anos e máximo de vinte e cinco anos), ainda realizará, de forma suficiente, as finalidades da punição e garantirá a possibilidade de reinserção do...

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