Acórdão nº 0118/10.1BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução03 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – Z…………………..

, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF de Penafiel), acção contra o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., igualmente com os sinais dos autos, na qual pediu a condenação daquele no pagamento da quantia de €40.000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida da quantia de €35.000,00 a título de danos não patrimoniais a título de responsabilidade civil extracontratual por danos emergentes de acto médico.

2 – Por sentença de 6 de Julho de 2020, foi a acção julgada parcialmente procedente e o Réu condenado ao pagamento à A. de danos patrimoniais, no montante de €40.000,00 (quarenta mil Euros), e danos não patrimoniais, no montante de € 20.000,00 (vinte mil Euros), acrescidos de juros de mora.

3 – Inconformado, o R. recorreu daquela decisão para o TCA Norte, que, por acórdão de 5 de Março de 2021, concedeu provimento ao recurso, alterou a matéria de facto e absolveu o R. do pedido.

4 – Inconformada com esta decisão, a A. apresentou recurso de revista para esta Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 21 de Outubro de 2021.

5 - A Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] I. O presente recurso - revista excecional nos termos do disposto no art. 150.º do CPTA - vem interposto do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, que julgou a Apelação interposta pelo ora Recorrido procedente, e, em consequência, introduziu alterações à factualidade julgada provada e revogou a parte decisória da sentença, absolvendo aquele do pedido formulado pela Autora.

  1. Em primeira linha, a aqui Recorrente pretende a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo sobre a seguinte questão: Da importância central e transversal ao erro de julgamento do TCA do Norte, no acórdão recorrido, quer no âmbito da interpretação das normas aplicáveis, seja à míngua de factos que permitissem as conclusões que alcançou.

  2. Afirma-se a página 42 do Acórdão Recorrido que: nas Conclusões, o Recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando as concretas partes da matéria de facto que impugna, devendo indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna.

  3. Por sua vez, na página 45 do Acórdão, o Tribunal Recorrido refere que: quanto à matéria das alíneas KK e LL da fundamentação de facto, apesar de, na motivação de recurso e nas conclusões XVII e XVIII, o aqui Recorrido, não indicar expressamente qual a resposta que, na sua perspetiva, atenta a prova produzida, deve recair sobre essa concreta facticidade que a 1ª instância julgou provada, crê o Tribunal, (página 46), estar em condições de poder concluir que ele cumpriu aquele ónus, ainda que de forma assaz deficiente.

  4. Daí, a ora Recorrente, colocar esta questão para efeitos de apreciação por este Tribunal: - Quando o Recorrente não cumpra com o ónus de indicar expressamente qual a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve recair sobre a matéria que impugna, cumprindo, antes, de forma assaz deficiente, o ónus impugnatório previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 640.º do C.P.Civil,( anterior 685.º), é legítimo que o Tribunal recorrido aceite como válida tal impugnação com o argumento de que a mesma está implícita nas alegações de recurso apresentadas, em vez de rejeitar o recurso quanto à matéria de facto em questão? VI. Entende a Recorrente que é possível a apreciação desta questão por este Venerando Tribunal, (neste sentido, vide Ac. do STA, proc n.º 02383/07.2BELSB, de 25.09.2019, in site da dgsi) e que a resposta tem de ser, manifestamente, negativa.

  5. Sendo que, ao proceder da forma como procedeu, o Tribunal recorrido fez uma interpretação errada do disposto no art. 640.º, n.º 1, alínea c) do C.P.Civil, o que consubstancia um entendimento errado e insustentável.

  6. Trata-se, pois, de um erro grosseiro e manifesto cometido pelo Tribunal recorrido na apreciação e valoração da prova, facto que é sindicável nos termos da lei, extravasando a questão atrás colocada os limites da situação singular da Recorrente face à possibilidade da sua repetição num número indeterminado de casos presentes e futuros, reclamando uma interpretação pacificadora e uniforme pelo Supremo Tribunal Administrativo, revestindo-se de importância jurídica fundamental, mantendo interesse e atualidade, no que aos recursos em matéria de facto respeita.

  7. No sentido defendido pela Recorrente, vide Ac. do TRC, de 04-05.2016, proc. n.º 721/13.8TACLD.C1JTRC e Ac. do TRG, proc n.º 123/11.0TBCBT.G1, de 28.06.2018, publicados em dgsi.pt.

  8. Em segunda linha, a Recorrente pretende que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie sobre as flagrantes contradições e afirmações constantes do Acórdão recorrido, contra a ciência médica atual, no que à impugnação da facticidade julgada provada nas alíneas V, W, Y, JJ, KK, LL e WW e da julgada não provada no que aos pontos 3 e 4 respeita.

  9. Entende a Recorrente que esta questão - possibilidade de controle do modo como o TCA interpreta e aplica as regras jurídicas respeitantes à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância – é passível de ser apreciada por este Supremo Tribunal (vide neste sentido Acórdão que supra se citou na Conclusão VI).

  10. Tendo o Tribunal recorrido incorrido num erro de julgamento, ao não considerar, assim, as condutas das enfermeiras parteiras e da médica obstetra, funcionárias do Recorrido, como sendo violadoras das leges artis.

  11. As contradições a que iremos aludir foram a sustentação para a decisão da matéria de facto, que o Tribunal recorrido, transversalmente, levou a cabo nestes autos, com base em depoimentos de testemunhas, em concreto, e maioritariamente, das testemunhas Y………………. e X…………….., para alterar a matéria de facto atrás elencada.

  12. Testemunhas que, repetidamente, o douto Acórdão recorrido refere terem sido as únicas pessoas que estiveram presentes no parto da Recorrente, além da própria, sendo a testemunha Y………………, à data, formanda da outra testemunha e X……………….., ambas enfermeiras do Recorrido.

  13. Nele se referindo que: · a testemunha Y……………… que a mesma não tinha memória deste concreto parto, pese embora tenha confirmado pelos registos clínicos ter sido ela quem fez o parto à Autora, (página 47); · a testemunha X……………., afirmou não se lembrar deste parto em concreto, nem da Autora, (páginas 48 e 62); · a testemunha W………………….

    , médica obstetra e ginecologista que interveio no parto da Autora, referiu não se lembrar da Autora, do caso concreto, sequer do específico parto, objeto dos presentes autos, (página 51).

  14. Dúvidas não há de que estas testemunhas prestaram, então, um depoimento genérico e abstrato, (ainda para mais não sustentado na ciência médica atual, como veremos) e, ainda assim, valorado pelo Tribunal recorrido, (pág. 52), desvalorizando as declarações da Recorrente com argumento de que aquelas foram, para além desta, as únicas presentes no parto, olvidando-se que, nenhuma delas tinha do parto qualquer memória.

  15. Andou mal, no entender da Recorrente, o TCA do Norte quando, ao invés do Tribunal de 1ª instância, não valorou a documentação clínica da Autora existente nos autos, bem como os vários pareceres médicos aí juntos, incluindo o do Conselho Médico Legal, e, ainda, a recomendação da Organização Mundial de Saúde já de 1996, relativa ao Manual de Assistência ao Parto, (World Health Organization, Maternal and Newborn Health/Safe Motherhood Unit. Care in normal birth: a practical guide. Geneve: WHO; 1996), citada em tantos trabalhos científicos, assim como o Projeto de Maternidade com Qualidade dos Enfermeiros Portugueses.

  16. O Tribunal Recorrido fez completa tábua rasa de tais elementos, baseando-se, outrossim, em meros depoimentos abstratos e genéricos, que aquelas testemunhas declararam em tribunal não seguir, desconhecendo até, as orientações constantes da dita Recomendação da OMS que apenas aceita o uso da episiotomia em três situações: · sofrimento fetal; · progresso insuficiente do parto; · e lesão iminente do 3.º grau do períneo; (in Revisão Sistemática, Epsiotomia seletiva: avanços baseados em evidências, de Cynthia Coelho Medeiros de Carvalho, Alex Sandro Rolland Souza Olímpio, Barbosa Moraes Filho, disponível na internet in: http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2010/v38n5/a008.pdf).

  17. Lendo o Acórdão recorrido, ouvindo os depoimentos daquelas testemunhas, e correndo os registos clínicos de fio a pavio, não se encontra qualquer uma destas razões como estando na base da episiotomia realizada à Autora ou qualquer outra que seja.

    Aliás, nenhuma das intervenientes no parto soube informar por que razão foi efetuada à Recorrente a episiotomia, e sobre a respetiva necessidade de a fazer.

  18. Ao contrário, na sentença de primeira instância (pág. 32) afirmou-se que: ...

    mormente da prova documental, pericial e testemunhal não demonstrou existir fundamento para a realização da episiotomia, não tendo a aluna da especialidade que executou o parto e a formadora que o monitorizou ou qualquer outro médico do Réu, indicado de forma clara e fundamentada, a justificação para a realização da referida intervenção no parto em causa, nem foi encontrada qualquer evidência de tal fundamento nos registos médicos.

  19. Por isso, no entender da Recorrente só resta uma razão (não válida porque não aceite pela ciência médica há décadas) para terem feito à Autora a episiotomia, que foi a de abreviar o período expulsivo, para conseguirem o parto rápido como afirmaram aquelas testemunhas ter sido o da Autora, (para o que adicionaram, ainda, a administração da ocitocina- sem consentimento da Autora- pelas 8.30h, a qual provocou a alteração de 4/5 cm para 10 cm de dilatação, no período que apenas mediou aquela hora e a hora do parto (09.43h), quando a Autora entre as 3.25h e as 8.30h – sem ocitocina, tinha apenas 1 cm de...

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