Acórdão nº 129/18.9JAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução25 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, n.º 129/18.9JAPTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 2, foi submetido a julgamento, com a intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA, melhor identificado nos autos, pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º, n.º 1, do Código Penal.

1.2. Realizado o julgamento foi proferida sentença, em 17/05/2022, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(...), decide-se julgar procedente a acusação e o pedido de indemnização civil, e, em consequência:

  1. Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 274.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão; b) Mais se decide suspender a pena de prisão aplicada na alínea a), na sua execução, pelo período de dois anos e um mês, subordinada a regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP – cfr. artigos 53.º e 54.º, ambos do Código Penal, com a sujeição do arguido à seguinte regra de conduta: avaliação da condição física e psíquica do arguido, com vista à estabilização emocional e comportamental do mesmo; c) Condenar o arguido em custas criminais, que se fixam em 2 (duas) UC de taxa de justiça (art.º 513.º, n.º 1 do C. P. Penal; e art.º 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III a esta anexa).

    (...).» 1.3. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões: «48. O presente recurso tem como objeto os factos dados como provados e não provados na douta sentença proferida nos presentes autos e que condenou o recorrente na pena de dois anos e um mês de prisão, suspensa pelo período de dois anos e um mês.

    1. A douta sentença estriba-se, nas suas motivações de facto, na reconstituição levada a cabo pela Polícia Judiciária e no depoimento da testemunha BB.

    2. Em julgamento (e também na fase instrutória) o arguido sempre sustentou que tem um conhecimento rudimentar da língua portuguesa e, por força disso, foram nomeados tradutores nessas duas fases processuais, conforme os autos comprovam.

    3. Esse conhecimento rudimentar da língua portuguesa foi uma das questões centrais do julgamento, decisiva para aferir se o arguido assimilou perfeitamente o alcance da reconstituição que foi levada a cabo, sentindo-se, ou não, devidamente esclarecido e informado numa língua que fosse da sua total compreensão.

    4. Dúvidas que se adensaram com o depoimento do inspetor-chefe da PJ CC, que disse que a comunicação com o arguido se processou em “inglês, português, penso que foi uma conversação assim desse género. Português, por vezes quando ele não percebia tentava-se o inglês”. Declarações que afetam seriamente a credibilidade da diligência.

    5. Por outro lado, a testemunha BB enredou-se num mar de contradições, sendo o seu depoimento descredibilizado na sua quase totalidade pelo depoimento de DD, ....

    6. Sucede que na douta sentença, nos factos dados como provados e como não provados, nada consta relativamente a estas questões fulcrais do processo e decisivas para a defesa do arguido.

    7. Não nos dizem os factos provados e não provados, designadamente: i) Se o arguido tem um suficiente conhecimento da língua portuguesa que lhe permitisse entender tudo o que lhe foi dito na reconstituição levada a cabo pela PJ.

      ii) Se o arguido e a testemunha BB estavam zangados (e porquê).

      iii) Se foi o arguido ou a testemunha BB a avisar os bombeiros da ocorrência do incêndio.

      iv) Se a testemunha BB dialogou ou não, por duas vezes, com os bombeiros, tendo mentido caso tal tenha ocorrido.

      v) Se a testemunha BB telefonou para os bombeiros.

      vi) Se a testemunha BB denunciou o arguido à GNR.

      vii) Se o arguido padece de algum défice cognitivo, conforme foi referido pelo inspetor-chefe da PJ CC.

    8. Ao mostrar-se omissa, quer nos factos dados como provados, quer nos factos dados como não provados, em relação a questões que reputamos de fulcrais, a douta sentença a quo limitada o direito da defesa do arguido, na medida em fica restringido o âmbito do recurso, porquanto tais factos não constam da matéria de facto (provada ou não provada), tornando-se naquela parte insindicáveis.

    9. A jurisprudência ensina-nos que: “Não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa” (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12 de março de 2019).

    10. E que: “A questão da exigência de enumeração dos factos provados e não provados não pode ser vista como uma mera formalidade formal, trata-se sim de uma garantia, designadamente para os sujeitos processuais, de que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos da acusação e da defesa, e indagou e apreciou todos os factos. (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12 de março de 2019).

    11. “A impugnação da matéria de facto não pode extravasar os limites vertidos na sentença ou acórdão e que, em obediência ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma, hão-de ser enumerados na sentença, sob pena de nulidade”. (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de abril de 2016) 60. Doutrinalmente, é sustentado: “É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas.” (cfr. Sérgio Poças, in REVISTA JULGAR, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, 2007, pg 24 e sgs).

    12. Assim, a sentença enferma de nulidade, por não tomar posição e elencar nos factos provados, ou nos não provados, alguns factos que foram trazidos ao conhecimento do tribunal em sede de julgamento, com manifesta relevância para a decisão da causa – cf. artigos 339.º, n.º 4, 368.º, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2 do Código de Processo Penal – impondo-se extrair daí as necessárias consequências.

      TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL E COSTUMADA JUSTIÇA» 1.4. O Ministério Público, na 1ª instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, formulando, nessa conformidade, a final, as seguintes conclusões: «1. Alega o recorrente que a sentença é nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto no art. 379º, nº1 al. a) do Código de Processo Penal, por não conter as menções a que alude o art. 374º, nº 2 do referido diploma.

    13. Não lhe assiste qualquer razão, porquanto o Tribunal a quo indagou e pronunciou-se sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa 3. Com efeito, pese embora o arguido não tenha apresentado contestação (ou seja, uma peça processual com tal designação), detecta-se nos autos um requerimento probatório, denominado “adicionamento de testemunha”, no qual, para além do mais, apontou como causa provável do incêndio as linhas eléctricas da EDP, alegando ainda que no dia em apreço deslocou-se a casa de um seu conhecido, para verificar a habitação (EE), requerendo a respectiva inquirição, e bem assim de outras duas testemunhas.

    14. Analisada a douta sentença, decorre do respectivo relatório que tal peça processual foi assumida pelo Tribunal como uma contestação, tendo a factualidade alegada sido considerada, vindo a ser dada como não provada.

    15. Os factos entendidos pelo arguido como factos relevantes para a sua defesa e a boa decisão da causa foram levados em conta pelo Tribunal, constando do elenco dos factos dados como não provados, não estando a sentença ora em crise ferida com o aludido vício previsto na al. a) do art. 379º, nº 1 do Código de Processo Penal.

    16. Alegou ainda o arguido que o Tribunal não se pronunciou sobre questões essenciais por si suscitadas no decurso do julgamento, designadamente sobre o grau de conhecimento da língua portuguesa por banda do arguido, se o mesmo padece de défice cognitivo, se o arguido e a testemunha BB estavam zangados um com o outro, se foi esta testemunha que chamou os Bombeiros e denunciou o arguido à GNR., concluindo que a sentença enferma da nulidade prevista na al. c) do art. 379º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal 7. Mais uma vez não lhe assiste razão.

    17. No que concerne ao grau de conhecimento da língua portuguesa por banda do arguido, decorre da fundamentação da sentença que o Tribunal valorou positivamente a reconstituição levada a cabo pela Polícia Judiciária, inferindo-se que o arguido compreendeu o alcance e sentido das questões que lhe foram colocadas.

    18. No que concerne às restantes “questões”, que o recorrente considera fulcrais e não foram objecto de pronúncia, afigura-se-nos que estão antes relacionadas com a apreciação da prova produzida que o Tribunal é livre de fazer, salvo disposição legal em contrário, de acordo com o disposto no art. 127º do Código de Processo Penal, sendo certo...

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