Acórdão nº 533/20.2PBTMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução25 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO 1. Por sentença de 23/3/2022 foi AA, nascido a …/…/1965, condenado pela prática, em 12 de novembro de 2020, em autoria material, de um crime de burla, previsto no artigo 217.º, § 1.º do Código Penal (CP), na pena de 120 dias de multa à razão diária de 6€

  1. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (1) (transcrição): «(…) 2º. Deve julgar-se que existe contradição insanável na fundamentação da Douta Sentença recorrida, quando diz “Factos Não Provados: Nenhuns” e, no parágrafo sexto, refere que a cônjuge de BB, CC, já não conseguia reconhecia reconhecer o arguido, menção igualmente ausente do elenco dos “Factos Provados”, pelo que 3º. Esta situação está prevista no artº. 410º. nº. 2 b) do C.P.P., e expressamente e nos termos do disposto no artº. 412º. nº. 3 a) se impugna a decisão, sendo que nos termos da alínea c) do mesmo dispositivo legal, para os efeitos do disposto no nº. 6, se esclarece que CC prestou depoimento na Audiência de Julgamento do dia 7 de Março de 2022, estando o mesmo registado na Acta com a Referência nº. …, gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática “H@bilus Media Studio”, contadores 00.00.55 a 00.05.43, o que se indica ao abrigo do disposto no artº. 431º. a) e b) do C.P.P

    4º. Mesmo que assim não se entenda, o que se invoca sem conceder, deve julgar-se, salvo sempre melhor entendimento de Vossas Excelências, que existia um acordo entre a “DD” e a Junta de Freguesia, conforme se pode ler na fundamentação da Douta Sentença recorrida: (…) 5º. Os depoimentos de EE e de BB, ambos prestados na sessão de Julgamento de dia 7 de Março, registados na Acta com a Referência nº. …, depoimentos gravados através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática “H@bilus Media Studio”, encontram-se, o do primeiro nos contadores 00.00.56 a 00.09.50 e 00.00.01 a 00.04.10, e o do segundo nos contadores 00.00.52 a 00.11.56, 6º. Que tal acordo configura um negócio entre as duas entidades referidas, a “DD” e a Junta de Freguesia; 7º. Atestado por documentos particulares, sujeitos ao regime legal previsto nos artºs. 373º. e ss. do Código Civil, ou seja, em relação aos quais é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao seu conteúdo, quer essas convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele - artº. 394º. nº. 1 do C. Civil; 8º. E que, uma vez que esta proibição se aplica ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores - artº. 394º. nº. 2 do C. Civil, sendo precisamente aquilo que a “DD” e a Junta de Freguesia invocaram perante o Tribunal, uma simulação, como se lê na Fundamentação da, porém Douta, Sentença de que ora se recorre, 9º. Ou seja, a prova por testemunhas é proibida por Lei neste caso; 10º. Além disso, as Guias de Remessa nºs. …, … e …, todas de 12 de Novembro de 2020, foram emitidas em nome da Junta de Freguesia referida supra, assim como a Factura nº. … relativa às mesmas, 11º. E EE (Presidente da Junta de Freguesia ) a fls. 13 dos autos declarou que não desejava procedimento criminal contra o arguido ora recorrente

    12º. Pelo que, apesar de BB, da “DD”, ter declarado que desejava procedimento criminal contra o arguido ora recorrente, nos parece, humildemente, que o mesmo carecia de legitimidade para apresentar a respectiva queixa; 13º. Assim, deve pois, salvo sempre melhor opinião de Vossas Excelências, julgar-se que existe erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artº. 410º. nº. 2 c ) do C.P.P., impondo estes concretos depoimentos decisão diversa da recorrida, que deve ser revogada e substituída por outra em conformidade, nos termos do disposto no artº. 412º. nº. 3 a) e b) do C.P.P. e artº. 431º. a) e b) do C.P.P., em que se absolva o arguido do crime de burla de que vinha acusado, uma vez que 14º. Se deve dar como provado que existiu um negócio simulado entre a “DD” e a Junta de Freguesia; 15º. Que nos termos da Lei - artº. 394º. do C. Civil - os simuladores não podem invocar a simulação perante o Tribunal, e que o negócio simulado não admite prova testemunhal, 16º. Pelo que não poderão servir como fundamento para condenar o arguido os depoimentos de nenhuma testemunha, sob pena de se estar a usar prova proibida; 17º. E, por outro lado, se terá de ter em consideração que os documentos particulares que serviram de suporte ao negócio, ou seja, as Guias de Remessa nºs. …, … e …, todas de 12 de Novembro de 2020, foram emitidas em nome da Junta de Freguesia referida supra, assim como a Factura nº. … relativa às mesmas, 18º. E EE ( Presidente da Junta de Freguesia ) a fls. 13 dos autos declarou que não desejava procedimento criminal contra o arguido ora recorrente

    19º. Pelo que, apesar de BB, da “DD”, ter declarado que desejava procedimento criminal contra o arguido ora recorrente, nos parece, humildemente, que o mesmo carecia de legitimidade para apresentar a respectiva queixa; 20º. Sendo forçoso concluir, parece-nos, que o arguido ora recorrente terá que ser absolvido do crime de burla que lhe é imputado, também por esta via

    21º. Mesmo que nenhum dos argumentos supra procedesse, o que se invoca sem conceder e à cautela, por dever de patrocínio, sempre se deveria ter em conta que também existe, a nosso ver, uma errada apreciação da prova produzida em relação ao seguinte: o arguido, ora recorrente, concluíu o trabalho comunitário na Junta de Freguesia no final do mês de Maio de 2020 - ponto 7 dos Factos Provados; 22º. Ora, se no dia 12 de Novembro de 2020, o que se invoca sem conceder, o arguido se tivesse deslocado ao referido estabelecimento, adquirido os mencionados bens e dito que eram para aplicar nas reparações que a Junta de Freguesia estava a realizar e que seriam pagos por aquela, cfr. Pontos 8 e 9 dos Factos Provados, 23º. Não se consegue, com o devido respeito por opinião contrária, descortinar onde estaria o “erro ou engano”, previstos no artº. 217º. nº. 1 do Código Penal, “sobre factos que astuciosamente provocou”, 24º. Uma vez que, tendo deixado de prestar trabalho comunitário para a Junta de Freguesia em Maio e existindo o confessado acordo verbal entre a Junta de Freguesia e a “DD”, relativamente aos funcionários da Junta, 25º. Dificilmente se compreende, ou melhor, não se compreende de todo, como é que, em Novembro, passados seis meses do final da prestação de trabalho comunitário pelo arguido à Junta de Freguesia, a “DD” ainda entregaria material ao arguido por conta de tal acordo

    26º. Tal decorre, pensamos, das regras da experiência comum

    27º. E, faltando a astúcia, ou “os factos que astuciosamente provocou”, melhor dizendo, falta um elemento do tipo legal do crime, pelo que o arguido terá, pensamos, que ser absolvido da prática do mesmo, 28º. Uma vez que existiu erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artº. 410º. nº. 2 c ) do C.P.P., impõe-se decisão diversa da recorrida, que deve ser revogada e substituída por outra em conformidade, nos termos do disposto no artº. 412º. nº. 3 a) e b) do C.P.P. e artº. 431º. a) e b) do C.P.P., em que se absolva o arguido do crime de burla de que vinha acusado.» 3. O recurso foi admitido e o Ministério Público respondeu à motivação apresentada, sustentando não se verificar nenhum dos apontados vícios à sentença recorrida, nem vulneração do in dubio pro reo

  2. Neste Tribunal Superior o Ministério Público, na vista a que alude o artigo 416.° do CPP, secundando a posição já assumida na 1.ª instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. 5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi...

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