Acórdão nº 0249/14.9BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução26 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações O Representante da Fazenda Pública vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial interposta pela A………… LDA, com os demais sinais dos autos, contra as liquidações de IVA do ano de 2009 a 2011, no global de €13.349,51.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 103 a 117 do SITAF; a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta, sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação adicional de IVA, dos períodos de 2009-03T a 2011-12T, com fundamento em vício de violação de lei, porquanto, no seu entender, a operação ora em causa, não obstante constituir uma operação sujeita a IVA nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 4.º do CIVA, beneficia da isenção de IVA prevista no n.º 29 do art.º 9.º do mesmo Código; b) De acordo com o n.º 2 do art.º 4.º do CIVA, certos serviços gratuitos prestados por sujeitos passivos do imposto são considerados prestações de serviços a título oneroso, ficando, portanto, sujeitos a IVA, como é o caso das "prestações de serviços a título gratuito efetuadas pela empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do seu pessoal, ou em geral para fins alheios à mesma", previstas na al. b) daquela disposição; c) Sendo que, quando se determine que uma determinada operação está sujeita a IVA por se encontrarem verificados os pressupostos de incidência, cabe avaliar se a mesma pode (ou não) beneficiar de uma isenção prevista no CIVA; d) No caso sob apreciação, entendeu o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que a utilização, em exclusivo e a título gratuito (decorrente de comodato verbal), pela sociedade B............, SA de o edifício que é propriedade da impugnante deve ser qualificada, para os efeitos previstos no n.º 29 do art.º 9.º do CIVA, como uma locação de bens imóveis; e) Porém, ressalvado o devido respeito, que é muito, entende a Fazenda Pública que o Julgador, ao assim o entender, incorreu em erro de julgamento, mormente, em errónea interpretação do determinado no art.º 9.º, n.º 29 do CIVA; f) Com efeito, o n.º 29 do art.º 9.º do CIVA, à semelhança do estabelecido na alínea l) do n.º 1 do art.º 135.º da Directiva 2006/112/CE, de 28/11 (doravante Directiva IVA), determina que estão isentas de IVA a locação de bens imóveis, salvo as situações descritas nas alíneas a) a e); g) Note-se que não é definido na Directiva IVA, nem no CIVA, o que deve entender-se por «locação de bens imóveis», nem há uma remissão para os direitos nacionais, pelo que o preenchimento desse conceito deverá ser efectuado tendo em conta a jurisprudência do TJUE (sendo o IVA um imposto de origem comunitária, impõe-se a regra do primado do direito comunitário sobre o direito interno); h) Pois, enfatiza-se, as normas que na Directiva IVA prevejam isenções de imposto, por constituírem excepções ao princípio geral de tributação das transmissões de bens e prestações de serviços preconizadas pelo IVA, devem ser objecto de uma “interpretação estrita”, o que significa que se devem interpretar estritamente em harmonia com o sentido literal dos preceitos (cfr. acórdãos caso Bulthuis-Griffioen, Proc. C-453/93, e caso Klüger, Proc. C-141/00); i) O Tribunal de Justiça definiu em numerosos acórdãos a locação de bens imóveis, na acepção desta disposição, como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (cfr. Acórdãos caso Goed Wonen, Proc. C-326/99 e caso Walderdorff, Proc. C-451/06); j) Assim, segundo a jurisprudência comunitária dimanada do TJUE, o conceito de "locação de bens imóveis" reporta-se à cedência do gozo temporário de um espaço imobiliário mediante retribuição; k) Decorre daqui que constituem características típicas do contrato de locação a obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa ao locatário; o carácter temporário do gozo da coisa; e a obrigação de pagamento de retribuição pelo locatário ao locador em contrapartida do gozo temporário da coisa, constituindo-se, por isso, a locação como um contrato oneroso; l) Estas características do contrato de locação constituem os seus elementos essenciais. Tal significa que a não verificação de algum destes elementos implique que não se esteja na presença de um contrato que possa ser qualificado como locação de imóvel; m) Ora, verifica-se que o conceito de “locação de bens imóveis” que é dado pelo TJUE é muito próximo da noção de locação que é dada pelo Código Civil português, no seu art.º 1022.º; n) Por sua vez, o comodato, previsto no art.º 1129.º do Código Civil, consiste no “contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.”; o) Do que resulta que o comodato, diversamente da locação, não é um contrato sinalagmático, já que à obrigação de disponibilização da coisa pelo comodante não corresponde qualquer contrapartida pelo comodatário, ou seja, inexistem, a cargo do comodatário, quaisquer prestações que constituam o equivalente ou o correspectivo da atribuição efectuada pelo comodante; p) No caso sob apreciação, verifica-se que, na operação em questão nos autos – utilização, em exclusivo por parte de um terceiro de um edifício que é propriedade da impugnante -, está em causa a cedência do gozo de um edifício que é propriedade da impugnante a favor de um terceiro sem que fosse estipulado qualquer prazo de duração, nem convencionada qualquer prestação que constitua o equivalente ou correspectivo daquela atribuição pelo comodante; q) Daqui emerge que tal operação não preenche, na sua íntegra, as características típicas do contrato de locação de bens imóveis, a saber: cedência do gozo de uma coisa, com carácter temporário e mediante retribuição; r) De facto, não obstante a operação ora em questão conferir o direito de gozar a coisa, constata-se que não se encontra verificado o elemento essencial “carácter temporário”, porquanto não foi estipulado qualquer prazo de duração para a cedência do gozo da coisa, tratando-se, por isso, de um comodato celebrado por tempo indeterminado; s) Atente-se que, como é mencionado na douta sentença (cfr. fls. 14 da mesma), da prova testemunhal produzida resultou que “(…) a motivação subjacente [da operação] não era apenas a guarda e conservação, mas, também, de preparar a ulterior fusão. Não tendo esta ocorrido até à data, permanece por demonstrar qual o interesse que tem a Impugnante em manter por todos estes anos um imóvel, sem o rentabilizar, suportando os custos de amortização, IMI, etc.”, o que, atento o disposto no n.º 1 do art.º 1137.º do Código Civil, significa que, na falta de interpelação do comodante para esse efeito, ainda não se constituiu, por parte da comodatária, a obrigação de restituir o imóvel que lhe foi emprestado, posto que não findou o uso por que foi determinada tal cedência; t) De igual modo, não se encontra verificado o elemento “mediante retribuição”, uma vez que não foi convencionado qualquer tipo de retribuição ou pagamento de qualquer contrapartida pela comodatária que constitua o equivalente ou correspectivo daquela atribuição pelo comodante, ou seja, a cedência do gozo do imóvel ora em causa nos autos foi concedida a título gratuito; u) Portanto, reitera-se, a operação em causa nos autos não preenche, na sua íntegra, as características típicas do contrato de locação de bens imóveis, mormente os elementos “carácter temporário” e “mediante retribuição”: v) Pelo que, tendo em conta as características fundamentais que um contrato de locação deve conter, não apresentando a operação de cedência gratuita do imóvel aqui em análise tais características, a mesma não poderia beneficiar da isenção prevista pelo n.º 29 do art.º 9º do CIVA; w) Mal andou, assim, a douta sentença ora sindicada ao equiparar tal operação a uma locação de bens imóveis para efeitos de isenção de imposto ínsita no art.º 9.º, n.º 29 do CIVA; x) Pois, salvo melhor douta opinião, entende a Fazenda Pública que a utilização graciosa e em exclusivo por parte de um terceiro de um imóvel que é propriedade da impugnante, como o que está em causa nos autos, não constitui uma locação de bens imóveis, na acepção do disposto no art.º 9.º, n.º 29 do CIVA, pelo que não se encontra abrangida pela isenção aí prevista; y) Acresce, ainda, referir que, embora tal cedência graciosa do gozo da coisa confira ao destinatário o direito de ocupar um imóvel, de forma a assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina, certo é que o contrato de comodato, contrariamente ao que sucede no contrato de locação, não é oponível ao terceiro que venha a adquirir o referido edifício; z) Posto que, inexiste no comodato qualquer norma que, à semelhança do art.º 1057.º na locação, preveja a transmissão da posição do comodante para um terceiro adquirente da coisa; aa) Com efeito, o direito do comodatário só vale perante o comodante e não perante terceiros, nomeadamente perante terceiros que venham a adquirir o prédio, pelo que nesta situação o terceiro adquirente do prédio objecto desse contrato pode exigir a sua entrega à comodatária, o que, por força do disposto no art.º 1057.º do Código Civil, já não ocorre na locação de imóveis; bb) Ademais, não podemos olvidar que a isenção, em sede de tributação em IVA, da locação de bens imóveis se prende com razões de simplificação, pois, conforme bem refere Emanuel Vidal Lima, tributar tais operações de locação implicaria introduzir no sistema do IVA um número muito elevado de sujeitos passivos quando é conhecido que grande parte dos senhorios são particulares, que não teriam um “mínimo de organização” necessária para responder às obrigações acessórias...

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