Acórdão nº 02739/08.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução26 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, …, interpôs recurso de revista (excecional), dirigido ao acórdão, do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), datado de 3 de fevereiro de 2022, que concedeu provimento a recurso jurisdicional (E, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgou improcedente a impugnação e manteve a liquidação visada.) de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, julgando procedente impugnação judicial, apresentada contra liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do exercício de 2005, no valor de € 942.987,59.

A recorrente (rte) alegou e concluiu: « A. O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo TCA Norte que concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária, julgando improcedente a impugnação deduzida pela Recorrente contra a liquidação de IRC referente ao ano de 2005.

  1. Cabia ao Tribunal apreciar e decidir – com relevância para efeitos do presente recurso – se a Recorrente poderia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, por ser uma associação de municípios que não exerce qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola.

  2. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não podia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC por (supostamente) exercer uma atividade de natureza comercial – a “venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas e privadas”.

  3. A presente revista visa submeter à apreciação deste Ilustre Tribunal, nos termos do artigo 285.º do CPPT, a questão de saber o que deve entender-se por atividade comercial, para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – em especial se se deve considerar arredada a qualificação como comercial de uma atividade que não seja exercida com o propósito de obtenção e distribuição de lucros.

  4. Resulta clara e inequívoca a importância fundamental da análise desta questão nesta sede, mormente em face da sua inquestionável relevância jurídica e social.

  5. Afigura-se, ademais, evidente que a apreciação do presente recurso se apresenta como essencial para a melhor aplicação do direito.

  6. No entender da Recorrente, o Tribunal recorrido errou no modo como interpretou a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

  7. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, estão isentas de IRC – para o que aqui releva – as associações de municípios que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.

    I. Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, “são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de caráter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.

  8. Note-se, no entanto, que, como o próprio Tribunal a quo reconhece não é qualquer venda ou prestação de serviços que configura uma atividade comercial para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

  9. Com efeito, o Tribunal a quo qualifica a atividade de “recolha e tratamento de resíduos” – atividade que também consiste na prestação de um serviço – como uma “atividade de caráter público” (por contraposição às supostas atividades de natureza comercial desenvolvidas pela Recorrente).

    L. Afigura-se portanto premente esclarecer – para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – o que distingue uma venda ou uma prestação de serviços com natureza comercial de uma venda ou prestação de serviços que não revista essa natureza.

  10. De acordo com o Supremo Tribunal Administrativo, “[o] conceito de operações económicas de carácter empresarial é integrado por factos e circunstâncias da vida real, sujeitos à formulação de um juízo expresso no binómio provado/não provado, designadamente • o propósito de obtenção de lucros e sua distribuição pelos sócios; • o exercício de actividades em concorrência com agentes económicos privados; • a livre fixação dos preços dos serviços que presta, em regime de mercado; • a participação em concursos públicos, em igualdade de circunstâncias com agentes económicos privados” (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.º 419/12.4BEPRT).

  11. Ademais, o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, o qual, em vários preceitos que consagram isenções, confere relevância ao destino dos resultados da atividade em causa assim como à (in)existência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados da exploração das atividades em causa.

  12. Da análise dos artigos 10.º e 11.º do Código do IRC conclui-se que o legislador pretendeu isentar de imposto as entidades que levassem a cabo determinadas atividades – que o legislador entendeu que seriam de incentivar, atenta a sua vocação para satisfazer interesses públicos – contanto que os resultados desta atividade fossem afetos à prossecução dessas atividades e não à acumulação de capital ou à distribuição de lucros.

  13. Esta é também a lógica subjacente à alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º: a ratio legis que subjaz à norma aponta no sentido de que as associações de municípios deverão usufruir da isenção de IRC, na medida em que exerçam, exclusivamente, atividades subordinadas à prossecução do interesse público.

  14. Se se entende que a isenção se justifica pela prossecução do interesse público, então não se vislumbra razão para que uma associação – ainda que exerça uma atividade comercial, industrial ou agrícola – não a possa aplicar na medida em que afete a totalidade dos seus resultados à prossecução dessa finalidade; nessa hipótese, não poderão essas atividades deixar de se considerar também subordinadas à prossecução do interesse público e não poderão as associações ser negativamente discriminadas em face dos municípios.

  15. Assim, não parecem restar dúvidas de que a ratio do preceito em causa impõe que se atenda ao destino dos proveitos auferidos, assim como à (in)existência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados da exploração das atividades em causa.

  16. A Recorrente é uma associação de municípios que se dedica à realização de um serviço público – a gestão, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos – que é da competência dos Municípios (cf. alíneas f) e g) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho) e que estes decidiram levar a cabo sob a forma associativa, por forma a aproveitarem sinergias e, assim, aumentarem a sua eficiência; é este o seu escopo, a sua finalidade e a sua vocação.

  17. A atividade da Recorrente não é, de todo, orientada para a obtenção de lucro – muito menos para a sua distribuição –, mas antes para a prestação de um serviço público – a gestão, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos; este é o seu fim, e não um meio para a obtenção de lucro.

  18. A Recorrente exerce toda a sua atividade de forma totalmente desinteressada e altruísta, afetando a...

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