Acórdão nº 23/21.6PJAMD-D.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelRUI GONÇALVES
Data da Resolução26 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO 1.1.

Inconformado com o despacho de 24-jun.-2022, da Senhora Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Instrução Criminal da Amadora, que decidiu, no que ao caso releva: «(…) Inexiste nulidade alguma na realização da busca, em situação de flagrante delito, seja ao estabelecimento comercial do arguido, seja ao seu veículo automóvel, o que se decide.

” (…) «Nesta conformidade, o arguido aguardará os ulteriores termos processuais na situação de prisão preventiva.

Tudo nos termos dos artigos 191º a 194, 196º, 202º, nº 1, als. a), b), c) e e), 203º, nº 2, al. b) e 204º, als. a), b) e c), todos do C.P.P..» [cf. p. 34 dos presentes autos (vol. 1.º) — Referência Citius: 138394173).

MC__, solteiro, comerciante, nascido em 10-dez.-1974, natural de São Tomé e Príncipe, com domicílio quando em liberdade na Av. G, Amadora.

Interpôs em 25-jul.-2022, o presente recurso que motivou formulando as seguintes Conclusões: «I.

A nulidade da busca e apreensão efetuadas no espaço reservado do estabelecimento comercial sito na Av. G, Amadora.

«1.

Resulta dos autos que foi realizada uma busca e apreensão de objetos no estabelecimento comercial denominado Equador, sito na Av. G, Amadora, no dia 23 de junho de 2022.

«2.

A referida busca é, salvo melhor entendimento, nula.

«3.

O arguido entende que o local concreto onde foi encontrado o produto estupefaciente não se trata de um espaço de livre acesso ao público (para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 174.º do C.P.P. a contrario) e que tal busca não podia ser realizada ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 5 do Artigo 174.º do C.P.P.

«4. Por um lado, as fotografias do estabelecimento comercial juntas pelo arguido em sede de interrogatório mostram que a máquina de café onde foi encontrado o produto estupefaciente encontra-se num espaço reservado, onde os clientes não têm acesso e, como tal, a respetiva busca e apreensão carecia de autorização judicial - o que não sucedeu na referida data (ao contrário do já sucedido, conforme resulta de fls. 1660).

«5. Por outro lado, é nosso entendimento que a leitura conjugada do n.º 1 do Artigo 256.º com alínea c) do n.º 3 do Artigo 174.º, ambos do C.P.P. não permitia a realização de busca no estabelecimento comercial sito na Av. G, Amadora.

«6. Em primeiro lugar, ressalta do n.º 1 do artigo 174.º do C.P.P. que “quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista”.

«7. O n.º 2 do mesmo artigo diz-nos que “Quando houver indícios de que os objetos referidos no número anterior, ou o arguido, ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca”.

«8. Assim, os objetos em causa deverão dizer respeito tão só e apenas à pessoa que foi detida, pois é sobre ela que recaem as principais suspeitas.

«9. Contrariamente, o OPC realizou uma busca a um estabelecimento gerido por uma pessoa que foi indicada como vendedor de estupefaciente daquela que foi detida.

«10. Entendemos que a alínea c) do n.º 5 do artigo 174.º deverá ser interpretada e aplicada no sentido de ser permitida a realização de uma busca para a obtenção de objetos que estejam relacionados com o crime em apreço, mas que sejam diretamente relativos à pessoa que foi detida e não a qualquer outro interveniente no alegado — o que não aconteceu.

«11. A busca e apreensão realizadas no estabelecimento comercial sito na Av. G, Amadora nos termos constantes dos autos corresponde a uma intromissão ilegal na correspondência, que determinada a sua nulidade (nos termos do disposto no n.º 8 do Artigo 32.º da C.R.P.).

«12. Segundo o disposto nos n.ºs 1 e 3 do Artigo 126.º do C.P.P., tal meio de prova não pode ser utilizado.

«13. A busca e apreensão estabelecimento comercial sito na Av. G, Amadora, sem que tivesse ordem judicial para o efeito, existe uma violação dos artigos 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, 32.º n.º 8, e 34.º da C.RP., e dos artigos 126.º, n.º 3, 174.º, n.º 5, alínea c), ambos do C.P.P.

«14. Por conseguinte, mesma deverá ser declarada nula — o que deverá levar à revogação do despacho recorrido no que à prisão preventiva diz respeito, devendo o arguido aguardar os ulteriores termos processuais à mesma medida de coação a que se encontrava sujeito ou sujeito às medidas de coação de proibição de frequentar as imediações do estabelecimento comercial que gere ou, em derradeira hipótese, à proibição de frequentar a cidade da Amadora (Concelho do local que é concretamente indicado como espaço de venda).

«Se assim não se entender, «II. A desconformidade da decisão face aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de coação de prisão preventiva fixada ao Recorrente.

«15. O arguido compreende que o Tribunal a quo tenha entendido que “O perigo de continuação da atividade criminosa é por demais evidente”.

«16. Julgamos, contudo, que os factos pelos quais o arguido se encontra indiciado e os elementos probatórios que constam dos autos permitem a aplicação de outra medida de coação menos lesiva da liberdade do arguido e que satisfaz as exigências cautelares que se fazem sentir.

«17. A MMª. Juiz de Instrução Criminal que resulta dos autos, a título indiciário, que o arguido se dedica à venda de produto estupefaciente.

«18. Essa venda encontra-se perfeitamente delimitada, quer no modo de execução, quer no local de execução.

«19. Os factos indiciariamente imputados ao arguido refletem uma venda direta ao consumidor, venda essa que é concretamente realizada no estabelecimento comercial sito na Av. G onde os toxicodependentes se dirigem, sem que exista qualquer contacto prévio.

«20. Apelando ao princípio da proporcionalidade, acreditamos que, ficando o arguido impedido de frequentar o estabelecimento comercial que geria, a continuação da atividade criminosa mostra-se impossível, era ali (e apenas ali) que os consumidores se dirigiam.

«21. Cumpre ainda referir que a artéria onde se situa o estabelecimento comercial do arguido é controlada por CCTV 24 horas por dia — o que permitiria um controlo instantâneo do arguido (o que, na verdade, já sucedeu, pois as imagens constantes do processo são dá extraídas).

«22. Pelo que também poderia o arguido ficar proibido de frequentar a cidade da Amadora, pois reside em Queluz.

«23. Se assim não se entender, o arguido considera que o Tribunal a quo procedeu a uma interpretação contrária ao espírito das normas constantes do n.º 3 do Artigo 193.º e Artigo 201.º, ambos do C.P.P., tendo procedido a uma incorreta aplicação.

«24. O Tribunal deve prevalência à medida de OPHVE sempre que estiver em causa a aplicação de medida de coação privativa da liberdade e sempre que com tal medida seja possível acautelar os perigos constantes do Artigo 204.º do C.P.P.

«25. Certo é que a atividade delituosa do arguido que lhe é imputada resume-se à alegada venda produto estupefaciente diretamente ao consumidor final, num espaço específico e distante da sua residência.

«26. Inexiste qualquer prova que indique o arguido vendesse a partir da sua residência (que, como já se referiu, é distante do local nevrálgico de tráfico).

«27. Isto é: a conduta criminalmente relevante para efeitos de preenchimento do tipo do crime de tráfico de estupefacientes é, única e exclusivamente, a venda a terceiros, consumidores, numa concreta área da cidade da Amadora.

«28. Pelo que consideramos ser de concluir que a conduta ilícita do ora recorrente esgota-se no referido tipo de venda e que tal conduta poderá ser acautelada mediante a aplicação da medida de coação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica.

«29. Pelo que os Artigos 193º e 204.º do C.P.P. não foram devidamente interpretados e aplicados.

«30. Ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 193º, n.º 1 a 3, 196º, 198º, 200º, 201º, 202º e 204º, todos do C.P.P., incorrendo em erro de interpretação dos referidos normativos e em erro de subsunção dos mesmos ao caso concreto.

«31. Por todo o exposto, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por douto acórdão que determine: «A) A declaração de nulidade da busca e apreensão efetuadas no espaço reservado do estabelecimento comercial sito na Av. G, Amadora no dia 23 de junho de 2022, ficando o arguido a aguardar os ulteriores termos processuais à mesma medida de coação a que se encontrava sujeito ou sujeito às medidas de coação de proibição de frequentar as imediações do estabelecimento comercial que gere ou, em derradeira hipótese, à proibição de frequentar a cidade da Amadora (Concelho do local que é concretamente indicado como espaço de venda).

«Se assim não se entender, «B) A aplicação da medida de coação de termo de identidade e residência ao arguido MC__, cumulada com proibição de frequentar as imediações do estabelecimento comercial que gere ou, em derradeira hipótese, à proibição de frequentar a cidade da Amadora (Concelho do local que é concretamente indicado como espaço de venda).

C) A aplicação da medida de coação de termo de identidade e residência ao arguido MC__ cumulada a obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica.

([1]).

*** 1.2. No Tribunal de 1.ª instância, por despacho de 05-ago.-2022, inserido nos autos a fls. 2 (vol. 1.º) ([2]), foi admitido o recurso, sendo este o próprio, tempestivamente interposto por quem tem legitimidade e interesse em agir, recebido com efeito, modo e momento de subida corretos, nada obstando ao conhecimento do seu objeto.

*** 1.3. Na primeira instância, em 08-ago.-2022, houve resposta do Ministério Público ao referido recurso, que remata do seguinte modo: «Nestes termos, conclui-se: «1) Não ter sido violada qualquer disposição legal; «2) O MMº Juiz ter efetuado uma correta apreciação dos requisitos e aplicabilidade do disposto nos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT