Acórdão nº 2805/20.7T9SNT.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução27 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Nos presentes autos, que correram termos no Juízo Local Criminal de Sintra, em que é Arg.

[1], AA, com os restantes sinais dos autos, em 26/11/2021, foi proferido sentença, que decidiu nos seguintes termos: “… Em face dos fundamentos expostos, julgo a acusação procedente e, em consequência, a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na execução por igual período; b) Julgar integralmente procedente o pedido de indemnização civil deduzida pela EDP Distribuição Energia, S.A., com a atual designação de E-Redes – Distribuição de Eletricidade, SA, contra o arguido AA, condenando-o a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 59 265, 09 (cinquenta e nove mil, duzentos e sessenta e cinco euros e nove cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4%, desde a notificação para contestar, até efetivo e integral pagamento; * Custas cíveis e criminais, pelo arguido (artigos 527.º, do CPC e 513.º, do CPP).

…”.

* Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso o Arg.

, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões: “… I. O contrato de fornecimento de energia foi celebrado com a sociedade ..., Lda e não com o Arguido.

  1. A sociedade ..., Lda. não foi constituída Arguida, não tendo o Tribunal a quo fundamentado na sentença a sua motivação quanto a esta matéria III. O Tribunal a quo, não demonstrou ou considerou provado quem realizou a derivação fraudulenta, nem tão pouco que alguém a mando do Arguido o tenha feito.

  2. Não existindo nenhuma presunção de culpa, o arguido teria de ser absolvido; V. Ficou cabalmente demonstrado pelo depoimento da testemunha BB, no dia 10.11.2021, no minuto 03’30’’ que um homem médio sem conhecimentos eletrotécnicos não conseguiria executar a fraude, não sendo viável que o Arguido, pasteleiro, com a 4ª classe, 77 anos e com graves problemas de saúde a tivesse efetuado.

  3. Não foi o Arguido quem beneficiou da energia elétrica, mas sim a sociedade ...,Lda.

  4. Considera o Recorrente que, a sociedade não foi constituída Arguida pois à data dos factos inexistia previsão legal para que as pessoas coletivas criminalizadas pelo tipo de ilícito em apreço, mas apenas após a entrada da Lei 94/2021 de 21 de Dezembro de 2021, a qual alterou o artigo 11., nº 2 do Código Penal neste sentido.

  5. Inexistindo essa possibilidade de constituir a sociedade como Arguida, a única possibilidade do Tribunal seria demonstrar o que foi o Arguido ou alguém a seu mando a executar de derivação fraudulenta o que não logrou fazer.

  6. Por outro lado, sem possibilidade de constituir a sociedade como Arguida, tão pouco poderia o Tribunal a quo promover uma automática desconsideração da pessoa coletiva, responsabilizando criminalmente o Arguido, pela violação de um dever de vigilância e fiscalização perante a sociedade.

  7. Assim, considera o Recorrente que os pontos 3. 4., 5. da sentença foram incorretamente julgados, uma vez que não só sociedade não foi, nem podia ter sido constituída arguida, como também pelo facto de não ter sido apurado quem executou a derivação fraudulenta, ou o alguém terá atuado em nome do Arguido, o que resulta de toda a prova documental, bem como dos depoimentos das testemunhas BB e CC.

  8. Quanto à não determinação da data dos factos, a mesma apresenta-se como questão insanável nos presentes autos, isto porque o Tribunal a quo não concretizou data em que o facto ilícito teria sido perpetrado.

  9. Se por um lado o primeiro reflexo de tal indeterminação é no apuramento do quantum indemnizatório, o segundo será na qualificação do tipo e fixação do valor da indemnização.

  10. Considera o Arguido que, o Tribunal a quo ao não ter se pronunciado de todo sobre esta matéria, omitiu elemento nuclear da sentença, o qual prejudica os pontos 3., 4., 7, da sentença.

  11. Importa reter ainda que, da prova testemunhal que foi colocada à disposição do Tribunal a aquo em sede de julgamento, destacam-se os depoimentos da testemunha BB (25’42’’), bem como de PP (18’06’’), que referem não saber quando é que fraude foi realizada.

  12. Acontece, porém, e contraditoriamente aos referidos depoimentos, veio a testemunha AP no seu depoimento (06’38’’) referir, assertivamente que, o período que o Arguido esteve em fraude foi entre Agosto de 2015 e Novembro de 2019.

  13. Assim, e relevada a manifesta incongruência, cumpre-se ainda referir o seguinte: XVII. O M.P. ou a denunciante tinha conhecimento da alegada data da prática dos factos, uma vez que a testemunha AP, funcionária da lesada tinha esse conhecimento.

  14. Ora, ao optar por não balizar concretamente o hiato temporal da fraude, o M.P. prejudicou por um lado a defesa do Arguido e por outra toda sentença que se baseia numa factualidade não concretizada.

  15. Pelo que, encontram-se prejudicados os pontos 3.e 4 da sentença, sendo que os mesmos não poderiam ter sido dados como provados ou resultarem numa condenação.

  16. A testemunha CC trazido no seu depoimento (05’50’’), referiu que, era trabalhadora da sociedade há 26 anos, que o quadro elétrico do estabelecimento teria sido apenas intervencionado uma vez em 2017/2018, na sequência de incêndio, tendo sido nesse momento que foram substituídas todas as lâmpadas do estabelecimento por lâmpadas LED, por sugestão dos eletricistas pela testemunha contratados, pois segundo referiram iria permitir uma maior poupança na energia elétrica.

  17. Referiu ainda que, o Arguido não se encontrava no estabelecimento pois estava acamado na sequência de pós cirurgia.

  18. Sucede que, a supra mencionada factualidade não foi dada como provada, nem como não provada pelo Tribunal a quo.

  19. Considera o Recorrente que, tal matéria é fundamental para boa decisão da causa e descoberta da verdade material, uma vez que não só demonstra que o quadro elétrico foi apenas intervencionado uma vez em 26 anos, como também que no momento da intervenção o mesmo estava no hospital na sequência de intervenção cirúrgica.

  20. Ou seja, comprova que o Arguido não poderia executar nem ordenar a fraude.

  21. Contudo, a verdade é que o Tribunal a quo, não considerou tal factualidade nem como provada, nem como não provada, motivo pelo qual a sentença enferma de nulidade, vide artigos 339º,368º, 374º e 379º do Código de Processo Penal.

  22. No que concerne ao iter racional levado a cabo pelo Tribunal a quo, em particular no último parágrafo da motivação, este refere que o Arguido, na qualidade de gerente não poderia ignorar a existência de uma ligação fraudulenta.

  23. Quanto a esta matéria, é de extrema relevância o depoimento da testemunha PP que à pergunta ao minuto 16’41’’ se sem equipamentos e a olho nu se consegue identificar, a pergunta especifica é essa a resposta foi “a olho nu, a olhar para um sitio não estou a ver onde está a querer chegar (…) a pergunta que estou a fazer à testemunha é se a olho nu, um homem sem conhecimentos eletrotécnicos consegue identificar a fraude” Não.” XXVIII. À mesma pergunta vertida na conclusão anterior, foi oferecida igualmente a mesma resposta (“não”), pela testemunha BB , minuto 28’24’’.

  24. Assim, verifica-se que a alegada fraude estava oculta e não visível a olho nu.

  25. Pelo que, a motivação do Tribunal onde o gerente efetivo da empresa, ora Arguido, não podia ignorar a existência da fraude “…pela evidência do dispositivo encontrado na vistoria” (vide motivação do tribunal último parágrafo) XXXI. Ora, nenhum dispositivo foi encontrado na vistoria, pelo que a motivação do Tribunal incorre num grosseiro erro até porque, a suposta ligação fraudulenta não era aparente, mas sim oculta.

  26. Em conclusão, não existe segurança nenhuma na conclusão de que o Arguido sabia, ou não podia ignorar a existência de tal derivação fraudulenta.

  27. Ao dar como provado o ponto 7. da sentença, designadamente quanto à fixação do valor de energia elétrica não contabilizada em € 47.647,13, o Tribunal a quo, não só qualificou o tipo de ilícito criminal em apreço, como também fixou parte do quantum indemnizatório com base tal valor.

  28. No entanto considera o Arguido que, o Tribunal nunca poderia ter dado comprovado o referido ponto 7. uma vez que a testemunha AP no seu depoimento, por um lado refere limitou-se aplicar o fator de correção instantemente apurado (minuto 17’24’’), sendo que o mesmo e que mesmo poderia variar imediatamente.

  29. Com maior importância, referiu ainda a testemunha no minuto 24’23, e na sequência da pergunta do mandatário do Arguido “A minha pergunta é simples, sabe quanto é que foi de energia estrangulada? Ou desviada naquela altura?,” a resposta da mesma foi “Isso ninguém sabe”.

    XXXVI .Assim, considera o Arguido que o montante apurado e dado como provado no ponto 7. da sentença não só baseou-se numa estimativa, e não num valor realmente desviado.

  30. Igualmente, concluiu-se pelo depoimento (da testemunha Eng.º …) que este aplicou o coeficiente de correção encontrada instantaneamente no dia seguinte ao da fiscalização, ainda que ponderado, nos consumos referentes aos dias de 26 de Novembro a 27 de Dezembro, com as oscilações do histórico mensal.

  31. Esta testemunha, que não viu a instalação, nem qualquer dispositivo, nem apurou o coeficiente de correção, mas sim a aplicação do mesmo a um histórico registado antes do desvio e comparado com o consumo de Dezembro, omitiu o simples facto de que todas as testemunhas que o antecederam disseram que o coeficiente apurado, é um coeficiente resultante de uma medição instantânea (no momento da vistoria) e que apenas foi verificado no momento da fiscalização.

  32. Pelo que, a testemunha PS, AAP foram perentórios ao afirmar que tal coeficiente estaria dependente dos equipamentos ligados no momento, bem como de quais não estariam a ser...

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