Acórdão nº 681/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 681/2022

Processo n.º 1235/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., SA (doravante, A., SA) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14 de outubro de 2021, pedindo a fiscalização do disposto nos artigos 9º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, nos artigos 2º, 3º e 4º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, e no artigo 1º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, com fundamento em violação do princípio da legalidade tributária artigos 103º, n.ºs 2 e 3, e 165º, alínea i), ambos da Constituição da República Portuguesa, o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa) e o princípio da tributação das empresas pelo lucro real (artigo 104º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

2. A recorrente apresentou impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa contra os atos de liquidação (1.ª e 2.ª prestação) de “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM) relativa ao ano de 2016, que foi julgada improcedente por sentença de 28 de agosto de 2020.

Desta sentença A., SA interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que confirmou integralmente a decisão de 1.ª instância pelo acórdão de 14 de outubro de 2021 ora recorrido.

3. O recurso do aresto para o Tribunal Constitucional foi interposto nos seguintes termos:

“(...) notificada do douto Acórdão que negou provimento ao recurso interposto de Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, vem, ao abrigo dos artigos 6º, 70º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 71º, n.º 1, 72º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 75º, n.º 1, 75º-A, n.ºs 1 e 2, e 76º, n.º 1, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), interpor recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que o Acórdão em causa aplicou normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei aludida).

As normas em causa são os artigos 9º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, os artigos 2º, 3º e 4º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, e o artigo 1º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio.

No entendimento da Recorrente, estas normas violam o Princípio Constitucional da Legalidade Tributária, constante dos artigos 103º, n.ºs 2 e 3, e 165º, alínea i), da Constituição da República Portuguesa. Para além disso, violam também o Princípio da Igualdade Tributária. Este Princípio é uma decorrência do Princípio geral da Igualdade, vertido no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, e é concretizado quer pelo Sub-Princípio da Capacidade Contributiva quer pelo Princípio da Tributação das Empresas Segundo o Lucro Real. Este último encontra-se plasmado no artigo 104º, n.º 2, da Constituição.

A questão da inconstitucionalidade dos artigos em causa foi suscitada pela Recorrente na petição inicial que deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa, designadamente nos artigos 140º a 397º.

Para além disso, a mesma matéria é tratada nas alegações de recurso apresentadas neste Tribunal Central Administrativo - Sul, concretamente nas páginas 2 a 28 e nas conclusões A a R. .”

4. O recurso foi admitido e os autos recebidos no Tribunal Constitucional.

Depois de notificada para o efeito, a recorrente apresentou alegações concluindo do seguinte modo:

“A. Ao contrário do que resulta do Acórdão recorrido, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida.

B. Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei — constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado - e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres).

C. Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até "mais" no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações ("SIRCA"), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio - a taxa do SIRCA.

D. Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona - desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar -, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada.

E. Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis.

F. Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito pelo estipulado na alínea i) do artigo 165º da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.º 3 do artigo 103º da Constituição, inexigível).

G. Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que não só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.º 215/2012 quer a Portaria n.º 200/2013).

H. A inconstitucionalidade da TSAM verifícâ-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade - artigo 13º da Constituição).

I. Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar.

J. Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão - forem enquadrados nessa obrigação de participação.

K. Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um supermercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos.

L. Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída.

M. No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT