Acórdão nº 073/22.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução19 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo1. – Relatório Z………, LDA.

, com os sinais dos autos, notificado da Decisão Arbitral proferida no Processo 348/2021-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrida a DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, não se conformando com o seu conteúdo, vem dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, 3 e 4 do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em oposição com a Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 203/2020-T, no que respeita à questão de saber se o princípio da especialização dos exercícios, estabelecido no artigo 18.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), se aplica à tributação de despesas não documentadas nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do mesmo Código.

Inconformado, o recorrente Z……….., LDA.

, formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões: - DOS PRESSUPOSTOS DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE DECISÕES JURISDICIONAIS PREVISTO NO ARTIGO 25.º, N.º 2, DO RJAT A) Nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, as decisões recorrida e fundamento estão em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito: o princípio da especialização dos exercícios, estabelecido no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, aplica-se à tributação de despesas não documentadas nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do mesmo Código? B) Não obstante a decisão arbitral fundamento e a decisão arbitral recorrida se tenham debruçado ambas sobre tal questão jurídica – discutindo-se em ambos os casos a legalidade de liquidações de imposto que determinaram a tributação autónoma em certo exercício de alegadas despesas não documentadas de exercícios anteriores –, as mesmas alcançaram soluções jurídicas diametralmente opostas, materializadas, num caso, na aplicabilidade do princípio da especialização dos exercícios e consequente anulação dos atos tributários de liquidação (decisão arbitral fundamento) e, no outro, na inaplicabilidade de tal princípio e consequente manutenção na ordem jurídica dos atos tributários de liquidação (decisão arbitral recorrida); C) Encontram-se preenchidos todos os pressupostos de que depende a admissão do presente recurso, a saber: (i) trânsito em julgado da decisão fundamento; (ii) prolação das decisões em processos distintos; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) existência de um quadro legislativo substancialmente idêntico; (v) necessidade de decisões opostas expressas, e (vi) dissonância da decisão recorrida com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo; D) Segundo a Recorrente pôde apurar junto do Centro de Arbitragem Administrativa, a decisão arbitral fundamento, não tendo sido objeto de interposição de recurso, transitou em julgado em dezembro de 2020 – cfr. documento n.º 2; E) A decisão arbitral recorrida foi proferida por tribunal arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo n.º 348/2021-T. Diversamente, a decisão arbitral fundamento foi proferida por tribunal arbitral, igualmente constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 203/2020-T; F) O cenário jurídico-normativo subjacente às decisões arbitrais recorrida e fundamento é substancialmente idêntico, discutindo-se em ambos os casos se, dando-se por provada a existência de despesas não documentadas – circunstância julgada demonstrada tanto na decisão arbitral recorrida como na decisão arbitral fundamento –, a sua tributação deverá respeitar o princípio da especialização dos exercícios ou poderá, ao invés, ser realizada pela Autoridade Tributária no exercício em que é verificada, mesmo que a putativa despesa se reporte a exercício anterior; G) Em ambas as decisões – recorrida e fundamento – os tribunais arbitrais aplicaram a mesma disposição legal – o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, na redação conferida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro – à luz de um mesmo princípio jurídico – o princípio da especialização dos exercícios, ínsito no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC e constante deste diploma legal desde a sua aprovação. Neste contexto, é manifesta a total identidade do quadro legislativo subjacente às decisões arbitrais recorrida e fundamento; H) A decisão arbitral recorrida pronuncia-se expressamente pela inaplicabilidade do princípio da especialização dos exercícios na tributação de despesas não documentadas. Contrariamente, sustenta a decisão arbitral fundamento, igualmente de forma expressa, a aplicabilidade desse princípio na tributação das referidas despesas. As duas decisões jurisdicionais em presença são, assim, expressamente opostas, sendo certo que, caso o Douto Tribunal a quo tivesse adotado no âmbito da decisão recorrida a posição assumida em sede da decisão fundamento, o sentido decisório perfilhado teria sido diametralmente oposto, já que teria nesse caso concluído necessariamente pela ilegalidade das liquidações sub judice, conducente da respetiva anulação; I) Tanto quanto a Recorrente conseguiu apurar, inexiste qualquer pronúncia desse Douto Tribunal ad quem sobre a matéria de direito em referência, i.e., sobre a aplicabilidade do princípio da especialização dos exercícios no âmbito da tributação de despesas não documentadas, inexistindo assim uma jurisprudência consolidada sobre o tema em referência que obste à admissibilidade do presente recurso; J) Tudo ponderado, está, assim, inequivocamente demonstrada a existência de oposição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, bem como o preenchimento de todos pressupostos legais necessários à admissão do presente recurso jurisdicional; K) Em consequência, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue verificada a referida oposição entre as decisões arbitrais em apreço, com os inerentes efeitos legais.

― DA INFRAÇÃO IMPUTADA À DECISÃO RECORRIDA L) No âmbito da decisão arbitral recorrida, o Douto Tribunal a quo entendeu não padecerem de ilegalidade os atos tributários contestados, tendo considerado verificada a existência de despesas não documentadas e julgado legítima a sua tributação no exercício de 2017 independentemente do apuramento momento da sua realização, tudo por entender inaplicável o princípio da especialização dos exercícios; M) Discorda a Recorrente do sentido decisório propalado pelo Douto Tribunal a quo, assente em manifesto erro de julgamento na interpretação das normas legais aplicadas, entendendo que o mesmo consubstancia uma interpretação dos artigos 18.º, n.º 1, e 88.º, n.º 1, do CIRC, inadmissível à luz dos princípios interpretativos vigentes no ordenamento jurídico português.

― DO ERRO DE JULGAMENTO PATENTE NA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA N) O princípio da especialização dos exercícios, plasmado no artigo 18.º do CIRC, estipula que as componentes positivas e negativas do lucro tributável sejam imputadas ao período a que digam respeito; O) Tal princípio encontra-se intimamente ligado ao princípio da anualidade dos tributos, o qual tem assento no artigo 8.º do CIRC, que estipula que «[o] IRC […] é devido por cada período de tributação»; P) Por outro lado, o princípio da especialização dos exercícios contribui para a tributação das empresas de acordo com o seu rendimento real, visando cumprir o propósito constitucional estabelecido no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”); Q) Neste contexto, qualquer exceção ao princípio da especialização dos exercícios é suscetível de bulir não só com tal princípio mas também com os princípios da anualidade e da tributação do rendimento real, devendo nessa medida a sua admissibilidade legal e constitucional ser sindicada à luz destes princípios; R) De acordo com a tese sufragada pelo Douto Tribunal a quo, o princípio da especialização dos exercícios não tem aplicação perante despesas sujeitas a tributação autónoma, «na medida em que se desconhece a natureza e causa das transações correspondentes»; S) Assim, parece entender o Douto Tribunal a quo que a ratio subjacente à tributação das despesas não documentadas obsta à aplicação do princípio da especialização dos exercícios, pese embora não indique qualquer norma legal que justifique semelhante conclusão; T) Sucede que, como bem se assinala na decisão arbitral fundamento, o artigo 23.º-A, n.º 1, do CIRC contém uma classificação expressa das tributações autónomas como um tipo de tributação em IRC, o que tem naturalmente como consequência a aplicabilidade àquelas dos princípios e regras que regem este imposto; U) Por outro lado, como demonstra o estatuído no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, o legislador tributário atribui relevância ao princípio da especialização dos exercícios no âmbito das tributações autónomas, estabelecendo uma conexão expressa entre o facto tributário subjacente a essas despesas e o eventual agravamento da tributação por verificação de prejuízos fiscais nesse exercício; V) Tal sucede porque, como o Tribunal Constitucional expressamente assinalou no Acórdão n.º 395/2017, «[a]pesar de o IRC e as tributações autónomas incidirem sobre factos tributários diversos ─ o rendimento das pessoas coletivas, no primeiro caso; despesas e encargos de diferentes tipos, no segundo –, há entre as duas espécies de imposto uma relação de dependência funcional»; W) Em consequência, não pode senão concluir-se pela manifesta aplicabilidade do princípio da especialização dos exercícios, enquanto princípio-regra subjacente à tributação do rendimento das pessoas coletivas, em sede de tributação autónoma de despesas não documentadas; X) Como lapidarmente concluiu o Douto Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 554/2017-T, «enquanto tributação em sede de...

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