Acórdão nº 626/22 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 626/2022

Processo n.º 841/2021

Plenário

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. R elatório

1. O Primeiro-Ministro requereu, ao abrigo da competência que lhe é conferida pela alínea c) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das disposições normativas constantes do n.º 1 e do n.º 6 do artigo 2.º da Lei n.º 46/2021, de 13 de julho; e dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 47/2021, de 23 de julho, e, a título consequente, por conexão instrumental, também a norma constante do artigo 1.º desta última lei.

2. O fundamento do pedido radica na desconformidade das normas mencionadas com o disposto no n.º 1 do artigo 111.º, conjugado com as alíneas d) e e) do artigo 199.º, ambos da CRP.

Em termos mais específicos, o pedido de declaração de inconstitucionalidade encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição parcial, sem destaques e sem notas de rodapé):

«I. A estrutura complexa do requerimento

O presente pedido de fiscalização de constitucionalidade reveste natureza complexa, ao sindicar normas distintas que figuram em leis parlamentares diferentes, complexidade que se justifica pela circunstância de as mesmas disposições assumirem um objeto e fins parcialmente idênticos, serem dirigidas à mesma categoria funcional genérica de destinatários (professores do ensino básico e secundário de estabelecimentos escolares públicos), enfermarem do mesmo tipo de inconstitucionalidade e terem sido publicadas em sequência cronológica e numérica no decurso do mesmo mês.

A sobredita natureza complexa do pedido, que se justifica por razões de economia processual e de urgência na decisão, não obsta ao seu conhecimento pelo Tribunal Constitucional, de acordo com a jurisprudência deste órgão vertida sobre a matéria, tal como dispõe o Acórdão n.º 105/86 desse mesmo Tribunal.

II. Factualidade relevante e questão de ordem

A. Enquadramento normativo da Lei n.º 46/2021, de 13 de julho

A Lei n.º 46/2021, de 13 de julho, impugnada neste requerimento, atento o disposto no seu artigo 1.º, desdobra-se em dois eixos, a saber:

a) Determinação ao Governo do encargo de abertura de um concurso de vinculação extraordinária de docentes das componentes técnico- artísticas do ensino artístico especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de ensino;

b) Estipulação ao mesmo órgão, da obrigação de dar início a um processo negocial com as estruturas sindicais, para aprovação de um regime específico de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais.

Concretizando o objeto definido no artigo l.º desta lei, o artigo 2.º prescreve nos seus n.ºs 1 e 2 a abertura, no prazo de 30 dias posteriores à publicação do mesmo ato legislativo, de um procedimento concursal para a vinculação extraordinária de docentes das componentes técnico-artísticas do ensino artístico especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de ensino, determinando algumas condições para a fixação das vagas a prover.

O n.º 5 do mesmo preceito legal prescreve, por seu turno, a aplicação do regime transitório constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.- 15/2018, de 7 de março, na sua redação atual [diploma que aprova o regime específico de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado da música e da dança) no tocante às condições de integração na carreira do pessoal docente recrutado na sequência do referido procedimento.

O n.º 6 do mesmo artigo 2.º determina a abertura, até ao final do ano letivo de 2020/2021, de um processo de negociação com as associações sindicais, tendente à aprovação de um regime específico de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, sendo que o artigo 3.º deste diploma impõe que, até à entrada em vigor do novo regime específico de seleção e recrutamento, seja aplicável, com as devidas adaptações, aos docentes por ele abrangidos, o regime de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado da música e da dança constante do Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, na sua redação atual.

Finalmente, o artigo 4.º determina que o Governo proceda à regulamentação da lei em exame no prazo de 30 dias subsequentes à sua publicação, tornando obrigatória a sua negociação com as estruturas sindicais.

Importa ter presente que a motivação do legislador parlamentar se encontra sintetizada na exposição justificativa introdutória do projeto legislativo que esteve na base da Lei n.º 46/2021, de 13 de julho (Projeto de Lei n.º 660/XIV/2.º, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português), que toma em consideração a circunstância de:

a) 0 ensino artístico especializado das artes visuais e dos audiovisuais ser, no entendimento dos proponentes, assegurado por docentes contratados para lecionar as disciplinas de técnicas especiais que, na sua maioria, se mantêm com contratos anuais, preenchendo necessidades permanentes das respetivas escolas;

b) O Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, ter aprovado um concurso extraordinário de vinculação de docentes dessas áreas, sem que tenha ocorrido, posteriormente, mais nenhum concurso idêntico e não tendo sido criado um regime específico de recrutamento e seleção para os docentes do ensino artístico especializado nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, o que favoreceria a precariedade laboral de dezenas de docentes das artes visuais e dos audiovisuais, "que, em vez de integrarem a carreira, apenas veem, ano após ano, o seu contrato a ser renovado. Em muitos casos, estes docentes já somam três contratos sucessivos em horário completo, tendo assim sido reconduzidos nos últimos anos letivos”.

Com relevância para a apreciação das questões de constitucionalidade que são suscitadas neste requerimento, a moldura legal subjacente à aprovação da Lei n.º 46/2021, de 13 de julho, bem como as opções materiais nela vertidas, poderá ser sintetizada do seguinte modo:

a) O artigo 62.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), comete diretamente ao Governo a aprovação da legislação complementar de desenvolvimento, designadamente no domínio das carreiras do pessoal docente e de outros profissionais da educação (cf. n.º 1, alínea c) dessa Lei);

b) De acordo com o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, ao abrigo do desenvolvimento da Lei de Bases do sistema educativo, "o ingresso na carreira docente faz-se mediante concurso destinado ao provimento de lugar do quadro de entre docentes que satisfaçam os requisitos de admissão a que se refere o artigo 22.º do mesmo diploma;

c) No domínio da docência do ensino artístico especializado - áreas das Artes Visuais e dos Audiovisuais, da Dança e da Música - o Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, veio aprovar o regime específico de seleção e recrutamento do pessoal docente do ensino artístico especializado da música e da dança;

d) O referido diploma foi emitido ao abrigo do disposto no artigo 24.º do ECD, nos termos do qual a regulamentação dos concursos deve ser operada por decreto-lei;

e) O Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que regula o regime de concursos;

f) Em conformidade com o disposto no artigo 28.º do ECD, no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual, e nos artigos 4.º e 8.º do Regime de Seleção e Recrutamento de Docentes do Ensino Artístico Especializado da Música e da Dança, publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, na sua redação atual, a dotação das vagas a preencher pelos concursos previstos e regulados neste âmbito é fixada por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da educação;

g) É então na esteira destes últimos preceitos legais que se configura a regulamentação prevista no artigo 4.º da Lei n.º 46/2021, de 13 de julho, o respetivo objeto e o seu alcance (cf. o artigo 2.º, n.º 4 do mesmo diploma).

10º

Considera o Primeiro-Ministro que tanto a norma do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 46/2021, de 13 de julho, que impõe ao Governo a abertura de um concurso para a vinculação extraordinária de docentes das componentes técnico-artísticas do ensino artístico no prazo de 30 dias contados a partir da data de entrada em vigor da referida lei, como a norma do n.º 6 do mesmo artigo que dita ao Executivo a obrigação de, até ao final do ano letivo de 2020/2021, iniciar negociações com os sindicatos, tendo por fim a aprovação de um regime específico de seleção e recrutamento de docentes dessa categoria funcional, suscitam dúvidas pertinentes de constitucionalidade, assentes na violação do princípio da separação de poderes e do núcleo de competências administrativas reservadas ao Governo.

B. Enquadramento da Lei n.º 47/2021, de 23 de julho

11º

A Lei n.º 47/2021, de 23 de julho, resultou da iniciativa parlamentar do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (Projeto de Lei n.º 761/XIV/2), e tem por objeto, de acordo com o seu artigo 1.º, vincular o Governo à abertura de um processo negocial com as estruturas sindicais para a revisão do regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual, que estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário.

12º

Com efeito, estabelece o artigo l.º...

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