Acórdão nº 1216/22.4T8VRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1.

  1. G.

    , residente no Lugar …, em Montalegre, propôs um processo especial para acordo de pagamento, pedindo que fosse promovida a sua tramitação.

    Alegou para o efeito, em síntese, encontrar-se numa situação económica difícil, enfrentando sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, (nomeadamente, por falta de liquidez), não estando, porém, ainda insolvente.

    Juntou uma declaração, assinada por si e por um credor, certificando a comum intenção de encetarem negociações, tendentes à aprovação de um plano de pagamento que viabilizasse a respectiva recuperação económica.

    1.1.2.

    Foi proferido despacho, nomeando administradora judicial provisória e ordenando a citação dos credores identificados e dos demais interessados, para que reclamassem eventuais créditos.

    1.1.3.

    Em Junho de 2022, A. J.

    apresentou uma reclamação de créditos, pedindo que lhe fosse reconhecido um crédito de € 170.361,10 (sendo € 145.000,00 a título de capital e € 25.361,10 a título de juros de mora).

    Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo emprestado diversas quantias em dinheiro a X - Empresa de Trabalho Temporário, Limitada, no valor global de € 145.000,00, emitiu aquela para seu pagamento uma letra de igual valor, avalizada por diversas pessoas singulares, nomeadamente a aqui Devedora (B. G.).

    Mais alegou que, não tendo sido a mesma paga no seu vencimento, instaurou em 31 de Janeiro de 2022 uma acção executiva para sua cobrança (que, com o n.º 928/22.7T8VNF, corre termos pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, Juiz 3), nela demandando a dita Avalista (B. G.), que, citada, não deduziu oposição, assim reconhecendo a dívida.

    Juntou a referida letra de câmbio, onde ele próprio surge como sacador, tendo aquela como data de emissão 15 de Maio de 2017, como data de vencimento 15 de Setembro de 2017, como valor € 145.000,00.

    1.1.4.

    A Administradora Judicial Provisória apresentou a lista provisória de créditos, dela constando como credor A. J. (com um crédito de € 170.361,10, tendo como fundamento a falta de pagamento de dívida avalizada pela Devedora, sem garantias nem condições, e como natureza comum).

    1.1.5.

    Y - Comércio de Equipamentos de Frio e Ar Condicionado, Limitada (na qualidade de credora reclamante e igualmente constante da dita lista) impugnou a lista provisória de créditos, pedindo que se excluísse da mesma o crédito reclamado por A. J..

    Alegou para o efeito, em síntese, que não só desconhecia se a assinatura imputada à Devedora (no aval que lhe é assacado) lhe pertencia, como já se encontraria prescrita a alegada dívida cambiária reclamada, uma vez que, quando o foi, tinham decorrido mais de três anos sobre a data do seu vencimento.

    Mais alegou não poder o título de crédito em causa valer como mero quirógrafo, por o Reclamante (A. J.) não ter alegado quaisquer factos relativos a uma eventual relação subjacente ao aval invocado, ou que a Devedora (B. G.) se tivesse querido obrigar com ele enquanto fiadora.

    1.1.6.

    Foi proferido despacho, ordenando a notificação da impugnação apresentada à Devedora (B. G.), aos demais credores e à Administradora Judicial Provisória, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Notifique o teor das impugnações que antecedem à insolvente, aos respectivos credores e à Senhora Administradora da Insolvência para se pronunciarem no prazo de cinco dias.

    (…)» 1.1.7.

    Quer a Administradora da Insolvência, quer o credor A. J. vieram responder à impugnação do crédito deste.

    1.1.7.1.

    A Administradora da Insolvência pediu que a impugnação fosse julgada procedente.

    Alegou para o efeito, em síntese, ter de facto ocorrido a prescrição da letra de câmbio junta aos autos para fundamentar o crédito de A. J., uma vez que foi judicialmente exigida quando já tinham decorrido três anos sobre a sua data de emissão.

    1.1.7.2.

  2. J.

    pediu que a impugnação fosse julgada improcedente.

    Alegou para o efeito, em síntese: não ter a credora Y - Comércio de Equipamentos de Frio e Ar Condicionado, Limitada, legitimidade para invocar a prescrição de um crédito que não foi reclamado contra si, aproveitando a mesma apenas à Devedora (B. G.); não poder esta invocar a dita prescrição, já que na prévia acção executiva intentada contra si não o fez, estando agora precludido esse seu direito, sob pena de violação do princípio da certeza jurídica e a estabilidade do caso julgado; e ter sido a letra apresentada à execução como mero quirógrafo, tendo ele própria invocado a relação material subjacente no seu requerimento executivo, não relevando por isso a alegada prescrição da obrigação cambiária.

    1.1.8.

    Foi proferido despacho, ordenando o desentranhamento da resposta apresentada e julgando procedente a impugnação, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) O art.º 222.º-D, n.º3 apenas prevê impugnação de créditos e não resposta por parte dos credores à informação prestada pelo AI.

    Pelo exposto, proceda ao desentranhamento dos requerimentos em epígrafe.

    Sem custas, atenta a simplicidade do incidente.

    Notifique.

    *Os credores deduziram, atempadamente, impugnação da lista de credores reconhecidos e créditos reconhecidos, nos termos do art.º 222.º-D do CIRE.

    Considerando que a Sr.ª Administradora Judicial partilha da posição do credor Y, julgo tal impugnação procedente.

    (…) Notifique.»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o credor reclamante A. J.

    interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se reconhecesse a nulidade da decisão recorrida, sendo a mesma revogada e substituída por outra, admitindo a sua resposta e proferindo decisão que a considerasse.

    Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): I - Objeto do Recurso.

    1 - O presente recurso tem por objeto o douto despacho proferido no dia 28/07/2022 e notificado ao ora credor, na pessoa da sua mandatária, em 29/07/2022, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.

    II - DA MATÉRIA DE DIREITO: DA RESPOSTA À IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CRÉDITOS APRESENTADA PELO ORA RECORRENTE, CUJO DESENTRANHAMENTO FOI ORDENADO PELO TRIBUNAL A QUO:

  3. DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS.

    2 - Entende o ora recorrente que o Tribunal a quo opera uma incorreta interpretação daquele normativo (222º-D, nº3 do CIRE), mas também, com esta decisão, viola o disposto no artigo 3º, nº3, no artigo 620º, no artigo 628º e nos artigos 580º e 581º, todos eles do Código de Processo Civil – aplicáveis por remissão do artigo 17º do C.I.R.E..

  4. O SENTIDO COM QUE, NO ENTENDER DA RECORRENTE, AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO JURÍDICO DA DECISÃO DEVIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS.

    3 - Conforme facilmente se pode constatar, foi este mesmo Tribunal que ordenou, mediante o despacho de 14/07/2022, a notificação do teor das impugnações (da lista provisória de créditos) aos credores, à devedora (designada “insolvente” naquele despacho) e à Administradora Judicial Provisória (designada “Senhora Administradora da Insolvência”) para que estes, querendo, se pronunciassem quanto às mesmas.

    4 - Deste despacho nenhum interveniente processual apresentou recurso ou qualquer reclamação.

    5 - Ou seja, este despacho transitou em julgado e produz os efeitos do caso julgado no âmbito do processo em foi proferido, pois tem força obrigatória dentro do processo - artigo 620º do Código de Processo Civil.

    6 - Neste sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 381/08.8TBPTL-I.G1, 18-03-2021, cujo excerto se encontra transcrito supra.

    7 - Foi no seguimento deste despacho que o ora recorrente apresentou a sua resposta à impugnação da lista de créditos apresentada pela credora Y.

    8 - Sucede, contudo, que o Tribunal a quo veio proferir o despacho ora recorrido, essencialmente “dando o dito por não dito” - escolhendo ignorar completamente o teor do despacho que anteriormente proferira -, instigado pelo requerimento apresentado pela credora Y.

    9 - Quanto a este ponto, cumpre referir que, pese embora o artigo 222º-D, nº3 não preveja expressamente a resposta à impugnação da lista de créditos apresentada, nada impede o juiz de determinar que essa resposta seja aceitável.

    10 - Isto porque o juiz tem o dever de gestão processual (artigo 6º do C.P.C.) e porque o processo se deve pautar pelo direito ao contraditório, de parte a parte (artigo 3º do C.P.C.).

    11 - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-10-2021, processo 63/13.9TBMDR.G2.S1, sumaria de forma hábil o que está aqui em causa: “IV. O trânsito em julgado confere à decisão carácter definitivo, tornando-a insusceptível de substituição ou modificação por qualquer tribunal. V. A verificação do caso julgado formal, formado com o trânsito em julgado da decisão, impossibilita a reapreciação da mesma questão em posterior decisão.” 12 - Assim, facilmente se pode constatar que este novo despacho é um ofensa ostensiva à autoridade e força do caso julgado no âmbito do próprio processo, para além de coartar o direito ao contraditório do ora recorrente - em violação das normas previstas nos artigos 3º, 620º, 620º e 580º e 581º, todos do C.P.C..

    13 - Impõe-se, destarte, a revogação do despacho ora em crise, devendo o mesmo ser substituído por outro que, admitindo e apreciando de forma plena a resposta à impugnação da lista de créditos apresentada pelo ora recorrente, decida essa impugnação em conformidade, o que se requer.

    Sem prescindir, III- DA MATÉRIA DE DIREITO: DA IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO DO CRÉDITO DO ORA RECORRENTE:

  5. AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: 14 - Não obstante a matéria exposta supra, ao conceder provimento à impugnação da lista de créditos apresentada pela credora Y (a qual, como é bom de ver, apenas coloca em crise o crédito do ora recorrente), o...

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