Acórdão nº 1124/19T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução27 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Central Criminal de Portimão - J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 1124/19.6T9EVR, foram os arguidos A.N.O. – Sistemas de Informática e Serviços, Ldª, NIPC nº 503 182 710, com sede na Travessa Alferes Malheiro, 105, Porto; AA, casado, nascido no dia .../.../1961 empresário, natural da freguesia ..., concelho ..., filho de BB e de CC, titular do cartão de cidadão nº ..., residente na Rua ..., ... ... e DD, estado civil, nascido no dia .../.../1977, engenheiro informático, natural da freguesia ..., concelho ..., filho de EE e de FF, titular do cartão de cidadão nº ...25, residente na Rua ..., ... ..., condenados da seguinte forma: - O arguido AA, pela prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, p.p. pelos artigos 11º, nº 7, 12º, 26º, 372º, nº 2 e 374º-A, nº 4, do Cód. Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, com execução suspensa por igual período de tempo, subordinada ao dever de pagamento da quantia de dois mil euros a favor do corpo de bombeiros voluntários da respetiva área de residência; - A sociedade A.N.O. – Sistemas de Informática e Serviços, Ldª, pela prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 11º, nºs 2, al. a), 4, 7, 9, al. a) e 372º, nº 2, do Cód. Penal, na pena de cem dias de multa à taxa diária de cento e cinquenta euros, o que perfaz a quantia total de quinze mil euros; - O arguido DD pela prática, em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p.p. pelos artigos 26º, 372º, nº 1 e 386º, nº 1, al. b), do Cód. Penal, na pena de dois anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo, subordinada ao dever de pagamento da quantia de mil euros a favor do corpo de bombeiros voluntários da respetiva área de residência.

Mais foi declarada perdida a favor do Estado a vantagem obtida pela prática dos crimes, no valor de oitocentos e oitenta e cinco euros, e, não sendo possível a sua apreensão, condenados os arguidos solidariamente no pagamento de tal quantia.

*Inconformados com tal decisão, vieram os arguidos AA e A.N.O. – Sistemas de Informática e Serviços, Ldª interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “A. Vêm os Recorrentes condenados em co-autoria, pela prática de um crime de recebimento indevido de vantagem p.p. pelos artigos 11º, , 12º, 26º, 373º, n.º 2 e 374º-A, n.º 4 do Cód. Penal e cujas penas aplicadas, são, de pena de prisão de um ano e meio e seis meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada ao pagamento da quantia de dois mil euros ao corpo de Bombeiros Voluntários da sua área de residência, para o Arguido AA, e de multa, quinze mil euros para a Arguida ANO.

  1. Os Recorrentes discordam da decisão proferida, nomeadamente na tarefa de subsunção da materialidade emergente da prova produzida.

  2. Discordam os Alegantes dos pontos provados 1.20 a 1.26, 1.29, 1.30, 1.34, 1.36, e 1.51 a 1.59 e sexto e sétimo item dos factos dados como não provados.

  3. A matéria de facto dada como provada é essencialmente recalcada do relatório produzido pela Polícia Judiciária e da acusação, sem ter sido efetuada uma verdadeira apreciação e julgamento como é legalmente exigido, nem sequer sustentada essa factualidade em prova produzida tanto em julgamento, como em prova documental e por vezes sendo prova “do que devia ser, do que tem mais lógica”, sem sustentação mínima.

  4. É notório na decisão proferida a influência da acusação e do despacho de pronúncia, violando gravemente o princípio da livre apreciação de prova que deveria nortear o Juiz de Julgamento, um juiz que se quer que forme a sua própria convicção e que não vá a reboque das anteriores convicções processuais, nomeadamente da parte acusatória.

  5. A própria decisão encontra-se viciada no raciocínio apresentado e na inversão do ónus da prova, sendo patente que a mesma dá como provada toda a acusação, sem necessidade de prova dessa factualidade e, ao invés, impõe aos Arguidos a prova de que a matéria da acusação não corresponde à realidade dos factos.

  6. A essência dos factos prende-se com um evento – encontro de utilizadores – realizado pela Arguida ANO em ..., com a duração de dois dias, no qual foram convidados todos os utilizadores do FutureDoc (públicos e privados), sendo que um dos que esteve presente foi o técnico informático do Município de ... – DD.

  7. Considerou o Tribunal que o convite e a participação nesse evento do Arguido DD consubstanciam o crime de recebimento indevido de vantagem, isto porque considerou que: a. A participação no evento é uma vantagem para o funcionário; b. Vantagem essa que é indevida; c. O funcionário tinha capacidade de influenciar as decisões de aquisições do Município para o qual trabalhava; d. O Arguido AA elaborou um plano para tornar “permeáveis” diversos clientes públicos, entre os quais, o Município de ... e o seu técnico informático; e. Esse plano servia para a Arguida ANO ter vantagem competitiva sobre as suas concorrentes de mercado.

    I. Salvo melhor entendimento, o Tribunal errou em toda a sua linha de raciocínio com reflexo nas suas conclusões e fundamentação afastadas da realidade dos factos.

  8. O Tribunal funda a sua decisão em meros indícios e não em provas, como é exigido em processo penal.

  9. O Tribunal sustenta alguma da sua fundamentação num documento a fls. 163, sustentando que o mesmo foi enviado pelo Arguido AA, considerando que está aposto no mesmo a assinatura digital do mesmo, quando nele não consta a assinatura digital, não efetuando uma correta distinção, com valorações completamente díspares do que é uma assinatura digital e de uma assinatura digitalizada.

    L. O Tribunal fundamenta a qualidade especial do Arguido DD para influenciar as decisões camarárias com base em três depoimentos (GG, HH e II) sem que dos mesmos se possa retirar uma qualquer afirmação do poder de influência do Arguido DD ou de qualquer parecer que este tenha dado para celebração do único contrato posterior ao evento, cerca de dezassete meses depois.

  10. A testemunha GG não sabe quem determina as aquisições, remetendo para o Vereador HH. Por seu turno, este não fala, nem sequer aflora das influências ou pareceres do Arguido DD. E ainda a testemunha II remete igualmente para o Vereador HH.

  11. Desde logo terá de cair por terra o dado como provado de que o Arguido DD era um funcionário com capacidade de influenciar os decisores e os responsáveis pela contratação camarária.

  12. Outro dos pontos erradamente julgados – a autoria do Arguido AA – é o ponto mais gritante de toda a decisão, inexistindo qualquer prova ou mesmo indício da sua participação, conhecimento, realização do evento, tendo o Tribunal considerado que o mesmo deverá ser condenado porque “não podia o arguido AA ignorar (…) Ademais, e tendo o arguido AA também participado nessa viagem, seria contrário às mais elementares regras da lógica decorrentes da experiência comum que o mesmo, antes da dita viagem, ignorasse quem eram, em concreto, os participantes, entre eles o arguido DD.” P. Fundamentar a responsabilidade criminal de uma pessoa singular no “não podia ignorar” é o mesmo que desvalorizar a prova efetuada em julgamento e sustentar na íntegra a acusação efetuada, ao mesmo tempo que não é sequer contextualizada a participação do Arguido AA na Arguida ANO.

  13. Toda a prova produzida referente à participação do Arguido na “resolução criminosa”, na criação do evento, planeamento, convites, etc é absoluta na sustentação de que tudo foi obra da testemunha JJ, a responsável pelo departamento técnico da ANO, inclusive a própria o confessou.

  14. É unânime a prova de que o Arguido AA não teve qualquer intervenção na criação e planificação do evento, apenas e só surgindo o seu nome na aprovação do orçamento para a realização do evento.

  15. Isto mesmo resulta dos depoimentos de KK, LL, MM, JJ e ainda do próprio arguido AA.

  16. E se dúvidas ainda houvessem, atento às diversas atividades e participações societárias do Arguido AA, corroborado pela escassa presença do mesmo na vida societária da ANO, seria inconcebível que o mesmo fosse simplesmente responsável criminal por tudo o que se sucede nas suas inúmeras empresas, como lhe que fosse imposto que se restringisse a apenas uma ou duas empresas, isto se conseguisse acompanhar tudo nas mesmas – tal raciocínio só poderá estar afastado da realidade e conduzir a um entendimento de que qualquer gerente ou administrador só o poderá ser para pequenas empresas, levando a que o estrato empresarial português deixe de poder ter qualquer média ou grande empresa e que possa concorrer com o extremamente competitivo mercado mundial e comunitário.

  17. Mas mais, de tal forma era desconhecido ao Arguido AA toda a envolvente do evento que o mesmo só teve conhecimento do programa pouco tempo antes da sua realização e, pasme-se, o Arguido AA apenas conheceu o arguido DD no próprio evento – o suposto funcionário que o Tribunal considera que o Arguido AA teve intenção de o convidar para o “tornar permeável” é alguém que é desconhecido do próprio autor dessa resolução… V. Torna-se por demais evidente a completa ausência do Arguido AA no que diz respeito à planificação do evento e a sua autoria em qualquer crime de recebimento indevido de vantagem, pelo que, à saciedade, só poderá proceder-se à revogação da decisão proferida e substituir por outra que absolva o mesmo.

  18. A reforçar a esmagadora prova da falta do elemento subjetivo do crime por parte do Arguido AA, aplicar-se-á sempre o princípio penal do in dubio pro reo, absolvendo o mesmo.

    X. O Arguido AA não teve qualquer intervenção no evento que não tenha sido ser um dos participantes do mesmo.

  19. Deste modo, o Tribunal a quo incorreu em violação da disposição contida no n.º 2 do art. 374º do CPP, pelo que deve ser...

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