Acórdão nº 597/22 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 597/2022

Processo n.º 14/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, A., S.A., interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal, a 7 de dezembro de 2021, que manteve a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação do ato de indeferimento definitivo da reclamação graciosa deduzida contra o ato de autoliquidação da “Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético”, relativo ao ano de 2015.

2. Pela Decisão Sumária n.º 256/2022, proferida ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, foi conhecido do mérito do recurso, por se tratar de matéria objeto de jurisprudência consolidada deste Tribunal, decidindo-se não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro, e prorrogado pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

A fundamentação convocada foi a seguinte:

«4. A questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos foi apreciada e decidida, pela primeira vez, pela 2.ª Secção deste Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 7/2019 (acessível, tal como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt). Em tal aresto decidiu-se «[n]ão julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro».

A posição aí adotada foi sucessivamente reiterada em diversos outros arestos - v.g., nos Acórdãos nºs. 303/2021, 301/2021 e 437/2021, incidentes sobre o regime jurídico da CESE, vigente no ano de 2014.

Voltando a debruçar-se, de modo específico, sobre o regime jurídico da CESE, em vigor no ano de 2015, esta 2.ª Secção, no recente Acórdão n.º 438/2021, veio renovar a fundamentação dos Acórdãos n.º 7/2019 e 301/2021, mantendo o juízo de não inconstitucionalidade então firmado, por considerar, em suma, que «para o juízo de não inconstitucionalidade então proferido – e que agora se renova – contribui, sobretudo, a caraterização dogmática do tributo como contribuição financeira, e o objetivo de financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor da energia, já que este permite afirmar a sinalagmaticidade do tributo, ainda que não referida a uma contraprestação específica».

Sendo o juízo de mérito constante do mencionado aresto transponível para o caso sub judice – para cuja fundamentação integral se remete – renova-se o juízo de não de inconstitucionalidade nele firmado.»

3. Inconformada com a decisão, reclama agora para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, invocando o seguinte (cf. fls. 10 a 18-TC):

«[]

1. Segundo a Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional (TC) já apreciou a inconstitucionalidade das normas objeto do presente recurso em vários Acórdãos e Decisões Sumárias, nos quais se decidiu pela não inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 2º. 3º, 4º, 11º e 12º do regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” (CESE).

2. A Decisão Sumária reclamada foi, assim, proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do TC: para o Relator dos autos, a questão colocada pela Reclamante é uma “questão simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal”.

3. A ora Reclamante não ignora a jurisprudência a que o TC alude.

PORÉM:

4. Conforme se diz nessa jurisprudência (designadamente no primeiro acórdão proferido sobre o tributo em questão, o Acórdão n.º 7/2019), a CESE apresenta alguns problemas que colocam em dúvida a sua constitucionalidade, nomeadamente ao nível da escolha da base de tributação objetiva (o valor total dos ativos dos sujeitos passivos) e subjetiva (pela abrangência de operadores que nada têm a ver com a principal questão regulatória que o Governo quis enfrentar com o tributo – a dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) –, ou seja, sujeitos passivos cuja atividade em nada contribuiu para esse problema nem beneficiam especialmente da atuação do Estado na resolução ou atenuação do mesmo).

5.. Sucede também que, segundo a mesma jurisprudência, esses problemas são resolvidos pela “circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e certo, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como ‘a medida do impacto das economias de energia potenciais’ (…), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados à urgência do caso pretendido” (sublinhado e negrito nossos).

6. Portanto, segundo o TC, a validade constitucional da CESE mantém-se enquanto ela for considerada uma medida extraordinária.

ALÉM DISSO:

7. Para o Tribunal (por exemplo, no Acórdão n.º 532/2021), saber se a CESE tem ou não natureza extraordinária é uma pergunta cuja resposta tem de ser determinada por um critério conjuntural”, em cada ano de vigência, à luz da “verificação periódica de um certo estado de coisas.

PORTANTO:

8. Perante isto, é certo que, para o TC, a validade da CESE tem de ser apreciada ano a ano, de acordo com a manutenção ou não do contexto que justificou a sua criação.

9. Mas, para este raciocínio, o TC não se pode desviar de alguns princípios de essenciais.

10. Em primeiro lugar, sob pena de abrir a porta à maior arbitrariedade possível, o Tribunal, ao configurar as razões que justificam a continuidade do tributo na ordem jurídica, não pode estar permanentemente a pesquisar razões novas que sustentem, por exemplo, a natureza extraordinária da CESE.

11.. É verdade que, potencialmente e em abstrato, em todos anos, até à eternidade, existirão por certo no Estado português circunstâncias de índole orçamental que poderão justificar a necessidade de receitas tributárias acrescidas, de natureza extraordinária; no entanto, quando o TC se debruça sobre uma determinada medida concreta, para averiguar se ela é (ou ainda permanece) constitucionalmente válida – desde logo à luz da sua eventual natureza extraordinária – , não se pode afastar dos motivos que levaram o legislador a criá-la: é que, se optar por esse afastamento, deixar de haver – ou deixa de ser impossível averiguar – qualquer correspondência entre a razão de ser do tributo e a necessidade de o exigir especificamente aos operadores económicos que são os seus sujeitos passivos.

12. Em vez de estar sempre a justificar a CESE com razões novas, ou com razões que, mesmo existindo à data da criação do tributo, não consta dos documentos legislativos ou de qualquer elemento do contexto da sua criação que tenham sido levadas em conta, aquilo a que o TC adstrito, para apreciar a manutenção da validade da CESE, é a perguntar se as razões que presidiram à implementação do tributo se mantêm ou não, ou se foram cumpridas com a receita gerada pela medida.

13. Caso contrário, nos termos do defendido pela ora Reclamante ao longo dos autos, estaremos perante uma medida violadora do princípio da proporcionalidade, por não existir correspondência entre a sua suposta necessidade e os objetivos determinado pelo legislador.

14. Nesse caso, só há duas hipóteses: ou a CESE tem de ser expurgada da ordem jurídica ou as suas regras têm de ser alteradas, com – nas palavras do Tribunal – “a implementação de critérios, porventura mais adequados” à vigência do tributo posterior ao momento extraordinário da sua criação.

15. De resto, diga-se também, em segundo lugar, que o TC não pode dar justificações para a CESE que alterem natureza do tributo, a não ser que daí retire das devidas consequências, por exemplo e desde logo, considerando que não se trata de uma contribuição financeira, mas sim de um imposto.

16. Lembre-se que a qualificação da CESE como uma contribuição, estabelecida no Acórdão n.º 7/2019, tinha por pressuposto que a atividade dos sujeitos passivos dava causa aos problemas que o tributo visava ajudar a resolver e/ou beneficiavam da atuação do Estado na resolução desses problemas.

17. Porém, se a CESE passar a ser justificada sem apelo a essa ideia de bilateralidade, então é porque é um imposto e tem de ser tratada como tal, de acordo com os princípios que conformam a constitucionalidade da criação de impostos.

POIS BEM:

18. É isso, antes de mais, que sucede na Decisão reclamada, porque o único argumento concreto que o TC avança para justificar a validade da CESE em 2015, o ano aqui em causa (isto é, utilizando as suas palavras, o único “critério conjuntural” ou “estado de coisas” a que apela para validar a CESE), é o facto de que nesse ano Portugal, apesar de já ter cumprido o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado entre as autoridades portuguesas, a União Europeia e o FMI (vigorou entre 2011 e 2014), ainda estava sob um procedimento por défice excessivo.

19. Repare-se que esse procedimento até é autónomo do programa de “resgate” aludido, no contexto do qual a CESE foi criada, essencialmente como instrumento de atenuação da dívida tarifária do SEN: pelo contrário, trata-se de um procedimento de controlo orçamental previsto no artigo 126º do TFUE.

20. Seja como for, o que importa sublinhar é que, na Decisão...

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