Acórdão nº 033/22.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 546/2020-T Recorrente: “A…………, S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 17 de Janeiro de 2022 no processo 546/2020-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=Sorter_data&listDir=DESC&id=6063.) pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por oposição com o acórdão de 28 de Outubro de 2020 da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 2887/13.8BEPRT (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/e0c207951f49818680258616004427dc.), transitado em julgado, tendo apresentado alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1.ª O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto contra a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no processo n.º 546/2020-T (a decisão impugnada), através da qual este Tribunal Arbitral, após ter reconhecido a ilegalidade da fundamentação vertida pela Autoridade Tributária no respectivo Relatório de Inspecção Tributária – susceptível de determinar, ipso iure, a anulação dos actos contestados por erro sobre os pressupostos de direito –, veio, inusitadamente, manter na ordem jurídica os actos contestados com um novo fundamento que não fora antes invocado pela Autoridade Tributária, defendendo – à luz da interpretação correctiva que o Tribunal entendeu dever conferir à alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI – que a ora RECORRENTE «não logrou provar que tenham criados postos de trabalho e contratados trabalhadores na sequência e em conexão com o investimento realizado elegível para o RFAI».

  1. A admissibilidade do presente recurso justifica-se, por seu turno, em virtude de a decisão impugnada se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 02887/13.8BEPRT e datado de 10/28/2020 (disponível em http://www.dgsi.pt e adiante abreviadamente designado por Acórdão fundamento), posto que: (i) Na decisão impugnada se entendeu, com base num novo fundamento não invocado pela Autoridade Tributária no Relatório de Inspecção Tributária subjacente aos actos tributários contestados, «julgar correcta a conclusão da Requerida (…) de não estar verificado o pressuposto de acesso ao benefício do RFAI relativo à criação de postos de trabalho»; ao passo que, (ii) No Acórdão fundamento, pelo contrário, se observou que «o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori» (destacados da RECORRENTE).

  2. Permite-se concluir, por conseguinte, que tanto a decisão impugnada, como o Acórdão fundamento, se pronunciaram sobre a mesma questão de direito, ou seja, sobre a questão de saber qual a relevância, para efeitos de apreciação da legalidade de actos tributários praticados pela Autoridade Tributária em sede inspectiva, de fundamentos exteriores ao – i.e., não vertidos no – respectivo Relatório de Inspecção Tributária, tendo a apontada questão, porém, merecido respostas contraditórias (comprovando-se, deste modo, a admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência, por se encontrarem verificados todos os requisitos prescritos pelo artigo 152.º do CPTA, e que impõe o prosseguimento dos presentes autos com a apreciação da (in)validade da decisão impugnada).

  3. Por seu turno, demonstrando o erro incorrido pela decisão impugnada, sublinha-se que, no âmbito do processo arbitral tributário, «estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um acto tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência)» (cf. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 9655/16.3BCLSB e datado de 07/09/2020).

  4. Daqui resulta, singelamente, a atribuição aos tribunais tributários (sejam eles arbitrais ou estaduais) do poder-dever de (in)validar a legalidade dos actos tributários contestados por referência aos fundamentos utilizados pela Autoridade Tributária para a sua prática, com apenas um de dois resultados: (i) mantendo tais actos na ordem jurídica sempre que a sua fundamentação seja considerada conforme com os parâmetros normativos aplicáveis; ou (ii) promovendo a sua anulação, total ou parcial, sempre que a fundamentação determinativa da sua prática padeça de vício determinativo da respectiva ilegalidade.

  5. Sobressai do que antecede, assim, que o Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 546/2020-T se encontrava limitado à declaração da (i)legalidade dos actos de liquidação contestados pela RECORRENTE mediante a avaliação «da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 02887/13.8BEPRT e datado de 10/28/2020; destacados da RECORRENTE).

  6. Posto isto, recorde-se apenas que o Tribunal Arbitral constituído no processo n.º 546/2020-T foi confrontado com o dever de avaliar a (i)legalidade das correcções promovidas pela Autoridade Tributária com o seguinte fundamento externalizado no respectivo Relatório de Inspecção Tributária: verificando-se que a RECORRENTE «contratou menos trabalhadores do que os que saíram no acumulado dos períodos de investimento», ou seja, que, «tendo na prática havido mais saídas do que entradas em contratos de trabalho celebrados entre o sujeito passivo e os trabalhadores (postos de trabalho criados directamente pela própria empresa), o sujeito passivo não demonstra reunir na conclusão do investimento as condições exigíveis para poder beneficiar do incentivo fiscal do RFAI, designadamente por não cumprir com a condição de criação de postos de trabalho prevista pela al. f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI» (cf. cit. alínea N) da matéria de facto assente; destacados da RECORRENTE).

  7. Por seu turno, clarificando o alcance aplicativo da indicada alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, o Tribunal Arbitral, na motivação da decisão proferida, observou o seguinte: «na decisão arbitral relativa ao processo n.º 307/2019-T, é afastado o critério da “criação líquida de emprego”, “porquanto a norma legal em causa não exige a criação líquida de postos de trabalho referindo-se inequivocamente a postos de trabalho com a seguinte fundamentação: “Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art. 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

    (…) Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção. (…) Deverá ser assim este, julga-se, o critério para aferir da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art. 22.º do CFI”.

    Adere-se a esta última a interpretação pelo mérito dos seus argumentos, que, na ausência de maior explicitação por parte do legislador, devem ser adoptados» (cf. cit. DOC. 2; destacados da ora RECORRENTE).

  8. Resulta do transcrito segmento decisório, de forma linear e objectiva, que o Tribunal Arbitral entendeu que a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, ao invés de exigir a criação líquida de postos de trabalho (interpretação preconizada pela Autoridade Tributária e subjacente à realização das correcções contestadas), obrigava, somente, a que o investimento realizado promovesse a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, confirmando, em consequência, a ilegalidade da fundamentação aduzida no respectivo Relatório de Inspecção Tributária para a prática dos actos tributários contestados pela RECORRENTE.

  9. Por conseguinte, tendo o Tribunal Arbitral comprovado a ilegalidade da fundamentação aduzida pela Autoridade Tributária para praticar os actos tributários contestados – os quais assentaram numa interpretação do regime vertido na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI que foi refutada pelo Tribunal Arbitral –, impunha-se-lhe, sem mais, declarar a ilegalidade de tais actos ao abrigo do poder-dever de analisar os actos tributários sindicados pela ora RECORRENTE por referência à sua concreta fundamentação, ou seja, por análise e invalidação da declaração fundamentadora vertida pela Autoridade Tributária no respectivo Relatório de Inspecção Tributária (cf. cit. alínea N) da matéria de facto assente).

  10. Contudo, verifica-se que o Tribunal Arbitral não o fez, sufragando na decisão impugnada, inusitadamente, que, de acordo com a interpretação que entendeu dever conferir à alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI (sentido interpretativo que a RECORRENTE nunca foi chamada a comprovar, fosse em sede inspectiva, fosse em sede de procedimento administrativo ou de...

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