Acórdão nº 2210/17.2T8VIS-H.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo nº 2210/17.2T8VIS-H.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Paulo Correia 2º Adjunto: Helena Melo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO Nos presentes autos de insolvência respeitantes a AA e BB, tendo a Caixa Económica Montepio Geral, S.A., credora nos presentes autos de insolvência, adquirido, no âmbito da liquidação efetuada nos autos, através de escritura pública celebrada em 23-11-2018, entre outros, o prédio urbano, composto por casa de habitação de rés do chão e uma divisão para comércio, melhor identificado nos autos, veio requerer a notificação dos ocupantes para, num prazo de 20 dias, desocuparem o imóvel, investindo a requerente na posse efetiva do prédio e, no caso de tal não suceder, que se recorra ao auxílio as autoridades policias, nos termos do n.º 3 do artigo 861.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º do CIRE.

Na sequência da notificação efetuada, o Sr. Administrador da Insolvência (AI) informou que o imóvel não correspondia à casa de morada de família dos insolventes e que estava ocupado por CC que “segundo este ocupa o prédio pois em tempos idos que não sabe precisar, estabeleceu com o insolvente um contrato verbal de promessa de compra e venda, já tendo pago o preço integral” (requerimento de 13-12-2021).

Notificado para o efeito, o referido CC veio alegar que, no dia 9 de setembro de 1979, celebrou um contrato de trespasse e arrendamento, para exploração de um estabelecimento comercial de café, mediante a contrapartida do pagamento da quantia mensal e sucessiva de 7.500$00, e que arrendou o imóvel objeto dos presentes autos, e que não procedeu ao pagamento da renda até outubro de 2018, no valor de €268,99, nem a pagamentos posteriores por, apesar das diligências efetuadas, não haver senhorio conhecido. Acrescentou que o arrendamento é válido e eficaz e que se deve manter em vigor até existir uma causa de cessação do contrato.

A Caixa Económica Montepio Geral, S.A. respondeu, referindo que desconhecia a existência do ónus, agora alegado pelo ocupante do imóvel que lhe foi adjudicado na qualidade de credora hipotecária, nos termos do artigo 824.º do Código Civil, “operando a caducidade do ónus de acordo com o disposto no n.º 2” desta disposição legal, e que não tem interesse na manutenção de qualquer arrendamento. Concluiu, pedindo que se ordene ao Sr. administrador da insolvência, que a invista na posse efetiva do imóvel, recorrendo, se necessário, ao auxílio das autoridades policiais, nos termos do n.º 3 do artigo 861.º do CPC.

Pelo Juiz a quo proferido Despacho a indeferir o pedido de entrega do imóvel.

* Inconformado com tal decisão, o credor Caixa Montepio Geral, dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. O Douto Despacho recorrido merece censura por diversas razões, que se reconduzem à errada aplicação pelo Tribunal a quo do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência número 2/2021, e a consequente aplicação do direito, no sentido de considerar que o contrato de arrendamento invocado por CC não caduca, indeferindo o pedido de entrega do imóvel.

  1. Razão pela qual, deverá o Despacho Recorrido ser Revogado e substituído por outro em que seja proferida decisão que considere o contrato de arrendamento invocado por CC cessado por caducidade e que ordene a entrega imediata do imóvel adjudicado pela ora Recorrente, livre de pessoas e bens, o que se requer.

  2. No âmbito dos presentes autos adquiriu a Recorrente por adjudicação, através de escritura pública celebrada em 23.11.2018, entre outros, o Prédio Urbano, composto por casa de habitação de rés do chão e uma divisão para comércio, sito em ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o n.º ...16 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...25 da freguesia ....

  3. Não obstante as diversas diligências efetuadas com vista à entrega do imóvel supra identificado, junto do ocupante, as mesmas revelaram-se infrutíferas, continuando até ao presente a Recorrente impedida de tomar posse do mesmo.

  4. O que a ora Recorrente requereu, através de diversos requerimentos apresentados nos presentes autos.

  5. A ora Recorrente requereu na qualidade de adquirente do imóvel apreendido nos presentes autos a esse Douto Tribunal que ordenasse ao Senhor Administrador de Insolvência, que a investisse na posse efetiva do imóvel, recorrendo se necessário ao auxílio das autoridades policiais.

  6. Em 14.10.2021 o senhor Administrador da Insolvência informou os autos “(…) que os prédios em causa, não correspondem a casa de morada de família dos insolventes.” 8. Após despacho proferido em 06.12.2021, pelo Tribunal a quo, veio o Senhor A.I., em 13.12.2021, informar que o ocupante do prédio em causa é o Sr. CC, e que segundo este ocupa o prédio pois em tempos idos que não sabe precisar, estabeleceu com o insolvente um contrato verbal de promessa de compra e venda, já tendo pago o preço integral, não tendo no entanto o ocupante facultado qualquer documentação relativamente ao alegado.

  7. Face a tal a informação, e alegando a ocupação ilegítima do Prédio Urbano, a ora Recorrente reiterou em 07.02.2022, o já requerido no seu requerimento de 07.10.2021.

  8. Notificado para se pronunciar, o ocupante CC, veio alegar que no dia 09 de Setembro de 1979, celebrou um contrato de trespasse e arrendamento, no qual, para exploração de um estabelecimento comercial de café e mediante a contrapartida do pagamento da quantia mensal e sucessiva de sete mil e quinhentos escudos, arrendou o imóvel objeto dos presentes autos, sendo tal arrendamento válido e eficaz, juntando um documento.

  9. Em 25.02.2022 o Senhor A.I., afirmou nunca ter visto tal documento, nem nunca ter sido alegado pelo ocupante a existência de um contrato de arrendamento.

  10. Tendo em 02.03.2022, a ora Recorrente reiterado novamente os seus requerimentos anteriores junto dos autos, pugnando pela entrega efetiva do imóvel.

  11. Nessa sequência, em 21.03.2022, o Douto Tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho: “(…) Conforme resulta do requerimento junto aos autos em 02-03-2022, a única questão que cumpre apreciar é a de saber se, por força da venda do imóvel, no auto de insolvência, caduca o contrato de arrendamento mencionado no artigo sétimo dos factos provados, anterior à constituição da hipoteca de que beneficiava a adquirente do imóvel.

    (…) É certo que a questão da caducidade do contrato de arrendamento nos termos do artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil é controversa. Porém, para além das citadas disposições legais, não podemos deixar de ter e consideração o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2021, publicado no Diário da República n.º 151/2021, Série I de 2021-08-05, que uniformizou a jurisprudência (…) Por conseguinte, não caducando o contrato de arrendamento, a requerente Caixa Económica Montepio Geral, S.A não pode lançar mão do meio processual previsto no artigo 861.º, ex vi dos artigos 828.º do Código de Processo Civil, já que estas normas contrariam o disposto no n.º 3 do artigo 109.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na parte em que salvaguarda os direitos do locatário que lhe são reconhecidos pela lei civil, na medida em que a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil (sendo irrelevante o facto de a requerente não ter interesse na manutenção do arrendamento), não permitindo a entrega do imóvel com base numa alegada e não verificada caducidade nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.

    (…) Termos em que indefiro o pedido de entrega do imóvel nos termos requeridos pela Caixa Económica Montepio Geral, S.A.

    Notifique.

    ” 14. Deste Despacho do Douto Tribunal foi a ora recorrente notificada na pessoa do seu mandatário por notificação certificada via citius datada de 21 de Março de 2022.

  12. Sendo do conteúdo deste Despacho que ora se Recorre.

  13. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo socorreu-se erradamente da interpretação fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

  14. Erradamente, porque aplicou o entendimento fixado no referido AUJ à situação concreta nos presentes autos, quando não existe identidade factual entre o plasmado no referido AUJ e a situação em discussão pelas partes nos presentes autos e acima relatada.

  15. Pelo que tratou situações diferentes de formas idênticas, adotando uma solução jurídica, e aplicando normas legais, in casu, a factos diferentes, aos quais dispensou interpretações e consequentemente soluções jurídicas iguais.

  16. Tudo com consequências diretas na Decisão ora Recorrida e em prejuízo sério e grave da ora Recorrente, que com a referida Decisão levada ao Despacho Recorrido se vê assim privada de ser investida na plenitude dos direitos de propriedade do imóvel acima identificado, que adjudicou nos autos, não obstante o abundantemente requerido nos mesmos e agora negado pelo Despacho recorrido.

  17. Salvo melhor opinião, o entendimento fixado no AUJ será apenas aplicável ao arrendamento para fins habitacionais.

  18. Ora não sendo o caso nos presentes autos – já que o contrato de arrendamento em apreço tem natureza de arrendamento comercial – não poderia o Douto Tribunal a quo lançar mão do entendimento fixado no AUJ, o qual se funda numa situação factual de arrendamento para habitação, conforme excerto do mesmo (página 18), abaixo, in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2021 | DRE22. Acresce que, como é sabido, o AUJ não colheu a unanimidade dos Colendos Juízes Conselheiros do STJ, quanto à fixação do entendimento nesta matéria.

  19. Das posições assumidas pelos Juízes Conselheiros citados (bem como de outros que...

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