Acórdão nº 3006/20.0JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 3006/20.0JAPRT.P1 Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. RELATÓRIO Após realização da audiência de julgamento no Processo nº3006/20.0JAPRT do Juízo Central Criminal de Penafiel J3, foi em 19 de abril de 2022 (referência 88546095) proferido acórdão, e na mesma data depositado, no qual – ao que aqui interessa - se decidiu (transcrição): a) condenar o arguido AA, entre o mais, na pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática, em 6 de julho de 2020, de 1 (um) crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1, al. b), do Código Penal.
*Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, para este tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: CONCLUSÕES: 1. Erro na apreciação da prova - artigo 412º, n.º 3, al. a) e b), do Código de Processo Penal.
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Segundo a nossa jurisprudência e doutrina mais avalizada, o erro na apreciação da prova [ alíneas b) e a), do n.º 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal} consubstancia-se num erro óbvio e patente entre as provas produzidas em sede de audiência de julgamento e os concretos pontos de facto que foram dados como provados nos factos dados como provados na douta decisão recorrida, tendo por referência as regras da experiência comum e do normal acontecer.
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É o que se verifica no caso sub judice, na medida em que da análise das declarações da Ofendida BB, e das declarações do Arguido, resulta de forma evidente a existência de uma falha grosseira e ostensiva, na apreciação da prova, que aponta claramente para que os factos dados como provados, em 10, 13 e 14, no douto acórdão recorrido, sejam totalmente contraditórios entre si com o teor dos citados depoimentos.
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A decisão recorrida ao dar como provados os factos constantes dos Pontos nº10, 13 e 14 dos Factos Dados Como Provados - os quais, por sua vez, foram o suporte essencial para se ter dado como provados os factos subsequentes, constantes dos Pontos nº 15° a 18°, da matéria de facto dada como provada - fê-lo com base numa apreciação errada e em total desconformidade com o que realmente se provou em sede de audiência de julgamento.
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Dos elementos probatórios produzidos em sede de audiência de julgamento não se pode concluir (como se concluiu) que resultam provados os factos dados como provados naqueles Pontos da matéria de facto dada como provada, em 13 e 14, na douta decisão recorrida.
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As conclusões que o Tribunal a quo retirou da prova produzida em sede de julgamento, não são lógicas aos olhos do homem médio e/ ou do homem comum, não fazendo qualquer sentido dar como provados os factos ali descritos, em 13 e 14, na medida em que os mesmos são totalmente contrários com o facto dado como provado em 10 ,dos factos provados.
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Os factos dados como provados no Ponto nº 10 e 13 são absolutamente CONTRADITÓRIOS.
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O Tribunal dá como provado em 10 (factos provados), que a Ofendida "nada disse ou manifestou: 11A ofendida BB, ainda que perturbada e incomodada, conquanto o arguido continuava a insistir para que prosseguisse, com o designado "movimento respiratório primário", nada disse ou manifestou .
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O tribunal dá igualmente como provado em 13 (factos provados) que o Arguido " apesar de saber que a ofendida. não queria ... decidiu introduzir o dedo ... na vagina desta: "O arguido AA, apesar de saber que a ofendida não queria consigo manter contactos de natureza sexual, decidiu a pretexto de estar a realizar o procedimento terapêutico, introduzir o dedo, nos termos expostos, na vagina desta, bem sabendo que actuava contrariando a sua vontade e atentava contra a sua liberdade de autodeterminação sexual." 10. Entre os factos 10 e 13, existe uma insanável contradição, ou seja, dá o tribunal como provado que a Ofendida nada disse ou manifestou para de seguida, dar igualmente como provado que, o arguido, apesar de saber que a ofendida não queria consigo manter qualquer contacto de natureza sexual, decidiu introduzir o dedo na vagina.
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Não pode o Tribunal dar como provado, que o arguido sabia que a Ofendida não queria manter consigo qualquer contacto de natureza sexual, se resulta dos factos provados, que a Ofendida nada disse ou manifestou.
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O Ponto n.º 13, dos factos provados, deveria ter sido dado como não provado.
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A douta decisão recorrida, incorre, neste particular, num manifesto erro na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. a) e b), do Código de Processo Penal.
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O Tribunal dá como provado o facto 14., considerando que, o arguido "Constrangeu" a Ofendida a contacto de natureza sexual não consentido, sem no entanto, aduzir qualquer elemento de prova, que sustente tal entendimento/ conclusão.
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Em parte alguma do depoimento da Ofendida, resulta algum tipo de constrangimento, seja de que tipo for, bem pelo contrário, no âmbito do tratamento o arguido, foi sempre, nas palavras da Ofendida, “PROFISSIONAL", 16. O tribunal dá, inclusive, como provado (10) que, após a introdução do dedo na vagina a mesma (ofendida) "nada disse ou manifestou", "ele (arguido) disse, olhe, posso procurar aqui o osso? Precisa mesmo de ajuda" e ao mesmo tempo que eu disse "PODE", ele introduziu o dedo na vagina", 17. Mesmo admitindo-se que o arguido introduziu o dedo na vagina, só o terá feito, após CONSENTIMENTO EXPRESSO da Ofendida, que após tal, "nada disse ou manifestou".
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A vontade contrária da vítima tem de ser cognoscível, ou seja, esta tem de agir de forma a dar a conhecer a sua recusa perante o ato através da verbalização (um não) do choro, da própria linguagem corporal, ou outro sinal.
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A Ofendida não só consentiu, como nada verbalizou, nada disse ou manifestou, após o arguido ter introduzido o dedo na vagina, não se verificando assim, manifestamente a condição ( contra a vontade) prevista no n º 3 do citado art. 164º.
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A cognoscibilidade da vontade e o constrangimento, são elementos do tipo objetivo do crime, sendo manifesta a sua não verificação no caso em apreço.
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Existe um claro e evidente erro de apreciação da prova, ao se ter dado provado de forma insuficiente o facto constante do Ponto n.
014 da matéria de facto dada como provada, quando deveria ter sido dado como não provado.
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A douta decisão recorrida, mais uma vez, incorre num manifesto erro na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. a) e b), do Código de Processo Penal.
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Decorre da fundamentação do acórdão recorrido, o seguinte: ". . .
e sendo certo que a referida introdução vaginal não faz parte do procedimento terapêutico visado obter, configura tal acto, sem necessidade de grandes considerações, de forma clara e objectiva um acto sexual abrangido pela modalidade de acção da al. b) do nºl do art. 164º do C.
Penal, enquanto consistiu na introdução de uma parte do corpo do arguido, o dedo, na vagina da ofendida (e sendo também certo como atrás explanado que entendemos que a menção legislativa "praticar" abrange também "sofrer", como foi o caso)".
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O artigo 164º n.º1, alínea b), do Código Penal, na interpretação de que constranger outra pessoa a praticar ato de introdução vaginal de parte do corpo abrange o comportamento de quem constranger outra pessoa a "sofrer" ato de introdução vaginal de parte do corpo, é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, nº1, da Constituição.
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No direito penal, a letra da lei ergue-se como barreira intransponivel, pelo que praticar não pode abranger o comportamento de quem constranger outra pessoa a sofrer.
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"Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redação funcionam, por isso, sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também outros comportamentos" ( Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. A doutrina Geral do Crime, Coimbra, Gestlegal, 2019, pp. 225 e 213).
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Mesmo dando-se como provado, que o arguido introduziu o dedo na vagina da ofendida, tal ato, não integra o tipo de legal do crime p. e p. no art. 164º nº1 b) do C.P., que especificamente, indica o termo "praticar" e não "sofrer" como foi o entendimento do coletivo, vertido na decisão recorrida.
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O legislador distinguiu, de forma absolutamente clara e expressa, as condutas de “praticar" e "sofrer", nos seguintes moldes: No art. 163º n º 2 do Código Penal, "quem por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim a ter tomado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, ato sexual de relevo é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos".
No art. 164º n ° 1 b) do Código Penal," quem constranger outra pessoa a: b) Praticar actos de introdução vaginal, anal ou oral, de partes do corpo ou objetos; 29. Decorre dos artigos 70.º e 71.º, n.º 3, do Código Penal e 374.º, n.º 2, 375.º, nº 1, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, que sejam especificados os fundamentos que presidiram à escolha da pena e à medida da sanção aplicada, sob pena de nulidade da sentença, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2013 (Proc. 14447 /08) e de 19-02- 2015 (Proc. 617 /11).
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A decisão recorrida não especificou os fundamentos que presidiram à determinação da medida da pena de prisão.
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O acórdão recorrido, especificou os fatores de medida da pena que considerou pertinentes no caso, por referência ao nº 2 do artigo 71.º do CP, mas não especificou como é que tais fatores relevam para as exigências de prevenção que se fazem sentir no caso e para a culpa do agente.
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A decisão recorrida não especificou, por referência ao caso, o quantum de pena necessário para o ponto ótimo de tutela do bem jurídico violado e para a defesa do ordenamento jurídico, o quantum de pena necessário, dentro da moldura da prevenção, para a reintegração do agente na...
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