Acórdão nº 0631/08.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.
O Instituto da Segurança Social, IP, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “ A…………… Lda.”, contra o acto de liquidação oficiosa de contribuições referentes aos meses de Maio de 2002 a Maio de 2007, no valor de € 37.560,20, veio interpor o presente recurso jurisdicional.
1.2.
Admitido o recurso e apresentadas as respectivas alegações, mostram-se aí vertidas as seguintes conclusões: «1.- Constitui objecto da presente impugnação a anulação do acto de liquidação oficiosa de contribuições para a segurança social notificado à Impugnante através do ofício n° 508118, datado de 20/12/2007, dos Serviços de Fiscalização do Norte - Setor do Porto - acompanhado do Relatório Final e dos Mapas de Apuramento de Contribuições, na sequência de acção inspectiva, de que resultou o apuramento de contribuições em dívida à segurança social no montante de €.37.560,20, referentes a remunerações pagas a trabalhadores no período compreendido entre maio de 2002 e maio de 2007.
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- Sendo certo que as omissões apuradas - sobre as quais incide o acto impugnado - reportam-se, exclusivamente, a quantias auferidas pelos trabalhadores da Impugnante, em tal período, designadas nos recibos de vencimento como “Ajudas de custo TIR”, no valor mensal fixo de 108,74 euros, pagos paralelamente às verbas denominadas “Cláusula 41, “Cláusula 47", Cláusula 74”, Serviço Nacional TIR”, mas com estas não se confundido.
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- Coloca-se, assim, primacialmente, nos presentes autos, a questão de saber se a quantias auferidas pelos trabalhadores da Impugnante, em tal período, designadas nos recibos de vencimento como “Ajudas de custo TIR”, no valor mensal fixo de 108,74 euros, devem, como entende o ora Recorrente, constituir base de incidência para efeitos de contribuições para a segurança social ou se, pelo contrário, como defendido na douta sentença de que ora se recorre, não constituem tais montantes base de incidência contributiva para a segurança social.
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- Ora, atenta toda a matéria de facto dada como provada com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, fixada a factualidade relevante, concluiu a Mm° Juiz do Tribunal a quo, depois de definir o quadro legal aplicável na situação em apreço e perscrutada a jurisprudência a esse propósito vertida, no que se refere à distinção entre retribuição e ajudas de custo "... pela ilegalidade do ato impugnado, em face da consideração de que as verbas em causa não constituem ajudas de custo, mas sim retribuição, com a consequente procedência da presente impugnação.” 5.- Salvo o devido respeito, que é muito, por tal entendimento e embora, não ignorando toda a fundamentação aduzida na douta sentença recorrida, não podemos concordar com a subsunção, que da matéria fáctica apurada, foi efectuada pelo Mm° Juiz a quo, ao quadro legal aplicável na situação em apreço, não lhe assistindo razão nos fundamentos que invoca, para decidir da forma como o fez, nomeadamente, tendo presente toda a documentação constante no processo administrativo apenso.
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- A atribuição de “Ajudas de custo TIR”, no valor mensal fixo de 108,74 euros, resultou provada dos recibos de vencimento constantes do processo administrativo juntos aos autos, bem como da documentação junta pela Impugnante, tendo resultado provado que é atribuída aos trabalhadores que efectuam deslocações em serviço internacional e, que paralelamente auferem abonos a título de ajudas de custo no estrangeiro (Clausula 47° A) (reembolso. desp), de montantes variáveis e aleatórios, estas sim, visando "compensar das despesas efectuadas em função de deslocações realizadas ao serviço do empregador” 7.- Isto é, a “Ajuda de Custo TIR” foi sempre atribuída aos trabalhadores que efectuavam deslocações em serviço internacional em simultâneo com o abono de ajuda de custo no estrangeiro sob a designação de Cláusula 47.
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- Não se compreende assim, como cabe ao trabalhador o direito ao recebimento de duas verbas que se destinam ao mesmo fim, ou seja, compensá-lo pela deslocação realizada em favor da entidade empregadora, verificando-se assim, pela via da duplicação da atribuição de duas verbas pagas a título de ajudas de custo, que a entidade empregadora gera verdadeiros acréscimos patrimoniais efectivos aos trabalhadores que, indubitavelmente, mais não são que, contrapartida da prestação de trabalho.
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- Pelo que, ainda que a sentença recorrida conclua que “(…)não foram colhidos factos que indiciassem que os trabalhadores em causa receberam as verbas sem se deslocar ao estrangeiro… ou que o acréscimo de despesas decorrentes do acréscimo do custo de vida existente no estrangeiro nos anos em questão foram suportados peta entidade empregadora e não pelos trabalhadores ou, ainda, que esse acréscimo de despesa foi já abonado por via da “Cláusula 47", certo é que, no modesto entendimento do ora recorrente, e ao contrário do entendimento propugnado pela douta sentença recorrida, não precisava de o fazer pois que, precisamente, a entidade empregadora já suportou e pagou aos seus trabalhadores uma verba, denominada Cláusula 47, que teve como única finalidade o suporte e compensação das despesas inerentes à deslocação ao estrangeiro.
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- Mais acrescendo, ter-se apurado que esta “ajuda de custo TIR” é atribuída doze vezes por ano, sendo que no período de férias o seu valor é pago na proporção dos dias efectivos de trabalho, bem como, ao facto do seu valor, estar previamente fixado, desde o ano de 2002 em €108,74, resultando assim evidente que tais ajudas de custo não são mais que um complemento retributivo cuja atribuição certa, regular e periódica está intrinsecamente dependente da prestação de trabalho efectivo do seu beneficiário.
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- Na verdade, dos factos carreados para o procedimento verifica-se que se tratam de importâncias sobre as quais não foi apresentada qualquer prova capaz de atestar a causa concreta justificativa dos pagamentos referidos ou da sua aleatoriedade, do correspetivo dessas contrapartidas, pagas independentemente das despesas que o trabalhador faça tendo natureza regular e periódica, conforme atestada pelos recibos de vencimento constantes do processo instrutor.
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- Devendo, como tal, ser consideradas como integrando a retribuição, pois todos os elementos indiciadores relevados pela lei, no art,° 249 ° do CT, e jurisprudência, o demonstram.
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- É desta forma que a jurisprudência tem encarado o tema, não bastando ao empregador designar as quantias pagas como “ajudas de custo” para lhes conferir tal natureza.
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- Elucidativos nesta matéria, podemos citar, a título meramente exemplificativo, o Acórdão STJ de 8.10.2008, Proc. 08S1984; Acórdão STJ de 06.02.2008, Proc. 07S3899; Acórdão STJ de 23.11.2005, Proc. 05S2260; Acórdão STJ de 15.02.2005, Proc, 04S614; Acórdão Tribunal Administrativo Sul de 23.03.2004, Proc. 01006/03; Acórdão Tribunal Administrativo Sul de 06.05.2003, Proc. 05036/01, entre outros.
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- Em toda a jurisprudência citada, é uniforme o entendimento de que: "Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art°s 344°, n° 1 e 350°, n° 1 do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes (por comodidade, passaremos a designar tais atribuições apenas por "ajudas de custo"), sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.° 260° do CT e de valer a presunção do n ° 3 do art ° 249° do CT de que se está perante prestação com natureza retributiva.
Feita essa prova, entra em aplicação a norma especial do n.° 1 do art ° 260° do CT que estabelece que ajudas de custo revestem e não revestem natureza retributiva e em que termos e medida a revestem. Sendo que, como resulta do seu próprio teor literal (“não se consideram retribuição ...”) e finalidade, essa norma especial afasta, torna inaplicável, no estrito âmbito da sua regulamentação, a aplicação das presunções dos n.°s 2 e 3 do art.° 249° do CT.
E, nos termos desse art.° 260°, só têm natureza retributiva as importâncias pagas a título de ajudas de custo por deslocações frequentes na parte que exceda as respectivas despesas normais e quando tais importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração ao trabalhador" (Acórdão STJ de 8.10.2008, Proc. 08S1984) 16.- Ao contrário do defendido na douta decisão recorrida, compete à entidade empregadora, ora recorrida, a prova de se tratarem de afetações concretas designáveis como “ajudas de custo”, nos termos do art.° 249.° do CT e art.° 344.°, n.° 1 e 350.°, n.° 1 do Código Civil - o que não logrou efectuar de modo convincente e não à entidade administrativa, como é pacificamente aceite pela jurisprudência.
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- Sendo, pois, de considerar, como fizeram os serviços de fiscalização do ora Recorrente, que tais verbas entram na noção de retribuição auferida pelos trabalhadores constituindo base de incidência contributiva para a segurança social.
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- É bem verdade - e jurisprudencialmente reconhecido por múltiplos acórdãos, dos quais podemos citar o Ac. STJ de 06.03.2008, Proc. 01043; Ac. STJ.de 23.04.2008, Proc. 01044/07; Ac. STJ de 02.04.2008, Proc. 01054/07; Ac. STA de 12.03.2008, Proc. 01042/07; Ac. STA 06.03.2008, Proc. 01063/07, que cabe à Administração o ónus de provar a verificação do excesso nas ajudas de custo de que depende a sua tributação.
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- Mas o ónus de demonstrar que se trataram de ajudas de custo e não de retribuição cabe à entidade empregadora, ora Impugnante.
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- Neste sentido, os já referenciados Ac. TCASul de 06.05.2003, Proc. 05036/01 e Acórdão STJ de 8.10.2008, Proc. 08S1984: ‘‘Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art.°s 344°, n.° 1 e 350.° do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de...
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