Acórdão nº 292/20.9T8VLN-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 15 de Setembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório No decurso de processo de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio veio F. P.
, divorciado, intentar procedimento cautelar de arrolamento de diversos bens que qualifica como bens comuns do extinto casal, contra M. D.
, divorciada, alegando para o efeito, em síntese: a requerida desempenha as funções de cabeça de casal no referido inventário e não relacionou diversos bens que compõem o património comum do extinto casal, permanecendo aquela na posse de todos os bens cuja relacionação foi já reclamada pelo requerente e deles dispondo como bem entende; com o pedido de divórcio por mútuo consentimento apresentado junto da competente conservatória do registo civil o extinto casal apresentou a relação de bens comuns do casal, relacionando diversos bens como fazendo parte dos bens comuns, conforme documento n.º 7 junto pela requerida aos autos de inventário com a resposta à reclamação de bens; o incidente de reclamação nos autos de inventário não está decidido, sendo a requerida quem administra em exclusivo o estabelecimento comercial então relacionado, não informando o requerente como é que efetuou as movimentações das contas bancárias, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e ativos financeiros pertencentes a ambos, nem relacionando bens que pertencem ao ex-casal e que antes já havia admitido como comuns, como é o caso de diversas contas bancárias, de imóveis e do estabelecimento comercial, denominado “Casa ...”, composto de loja de pronto a vestir, para venda a retalho de vestuário de cerimónia, designadamente, casamentos e batizados, sito na Rua …, n.º ..
, em Valença, constituído por todos os elementos que o integram, designadamente, móveis, direito ao arrendamento do local, onde está instalado, licenças, alvará e recheio.
Dispensada a audição prévia da requerida, foi proferida decisão que julgou procedente a providência e decretou o arrolamento requerido.
A requerida foi notificada após realização do arrolamento, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366.º, n.º 6 e 372.º do Código de Processo Civil (CPC) vindo deduzir oposição ao procedimento. Pede o levantamento do arrolamento decretado ou, subsidiariamente, das contas bancárias de que apenas a requerida seja titular e do estabelecimento comercial da requerida, designadamente, ao seu recheio, direito ao arrendamento e trespasse.
Foi determinada a audição das testemunhas indicadas pela requerida, após o que foi proferida decisão a julgar improcedente a oposição deduzida, mantendo a providência decretada.
Inconformada, a requerida apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da decisão proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1 - A recorrente entende que o arrolamento não devia ter sido decretado por inexistir a necessidade de tutela judicial, no momento, da instauração dos presentes autos, por apenso aos autos de inventário atenta a fase processual destes últimos.
2 - Em 19 de janeiro de 2022, o recorrido instaurou os presentes autos de arrolamento.
3 - Recorrente e Recorrida estão divorciados desde 6 de abril de 2017.
4 - Os autos de Inventário foram instaurados em 1 de setembro de 2020.
5 - A relação de bens foi apresentada em 16 de novembro de 2020, e a reclamação foi apresentada pelo recorrido em 7 de abril de 2021.
6 - A audiência prévia dos autos de inventário realizou-se em 11 de janeiro de 2022.
7 - Encontrando-se os autos de inventário pendentes desde setembro de 2020, e estando as divergências entre recorrente e recorrido quanto aos bens que fazem parte do património do extinto casal assentes desde junho de 2021, entende a Recorrente que os presentes autos de arrolamento estão desprovidos de fundamento legal.
8 - Encontrando-se o arrolamento a correr termos é necessário ter-se em atenção a fase em que o mesmo se encontra, para aferir se, se assume como fundamental, e se como se pretende retirar a necessidade de prevenir a ocultação de bens através do arrolamento.
9 - A recorrente apresentou oposição, com a supra alegação fática, requerendo que fosse ordenado o levantamento do arrolamento, juntando prova documental aos autos para o efeito, designadamente certidão judicial de todas as peças processuais do inventário, pertinentes para a boa decisão da causa, no entanto, o Tribunal de que se recorre entendeu que, nos termos do artigo 409º do CPC o arrolamento como incidente de inventário incide sobre bens que devam ser partilhados e tem como finalidade garantir que os bens existam no momento da patilha.
10 - O Tribunal de que se recorre desvalorizou, fazendo “tábua rasa” dos motivos invocados pela Recorrente, no sentido de que, é necessário ter-se em conta o estado dos autos de inventário para aferir da necessidade de tutela judicial.
11 - E nesse sentido, e comungando da posição da Recorrente já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão proferido em 13/10/2020 “Estando pendente um processo de inventário para partilha de bens comuns, importa referir que o conhecimento do estado em que este processo se encontra se assume como fundamental, na medida em que daí se pode retirar a necessidade de prevenir a ocultação de bens através do arrolamento.” 12 - Nos autos de inventário que correm por apenso a estes autos de arrolamento já foi apresentada relação de bens, reclamação da mesma e realizada audiência prévia, entende a recorrente que já inexiste a necessidade de tutela judicial.
13 - O arrolamento só podia ser decretado na fase em que os autos já encontravam, salvo melhor e douta opinião, se existisse risco sério e grave receio de violação de um direito.
14 - Era necessária a existência de uma situação excecional que aconselhasse uma decisão de caráter extraordinário que aconselhasse uma decisão de caráter extraordinário.
15 - Em sede de arrolamento foi ordenado o arrolamento de todas as contas bancárias à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer ativos financeiros titulados pela requerida, ora requerente ou co-titulados pela mesma.
16 - O arrolamento decretado como incidente de processo de inventário deve incidir sobre bens comuns ou bens próprios de quem o requer mas que se encontra na administração do outro.
17 - O Requerente do arrolamento deve, assim, fazer prova sumária do direito relativo aos bens que se presumem comuns e dos próprios que se encontrem na administração do outro.
18 - No caso dos presentes autos, o Recorrido, salvo melhor e douta opinião não fez tal prova em relação às contas bancárias.
19 - O Recorrido limitou-se a enunciar o nome de instituições bancárias e montantes que aí estariam presumivelmente depositados à data do divórcio, atenta a relação de bens apresentada na conservatória de Registo civil à data de divórcio.
20 - Contudo, tal relação de bens não vincula os outorgantes para o futuro, já que ela não faz caso julgado quanto á natureza, qualidade e quantidade ou valor dos bens relacionados.
21 - Tal relação de bens não afasta a necessidade de em sede de inventário, se fazer prova da comunhão ou não dos bens.
22 - O Recorrido a ser co-titular com a Recorrente de contas bancárias teriam de informar os autos de arrolamento das contas bancárias que pretendiam arrolar, identificando devidamente as mesmas, por instituição e número de conta.
23 - Recorrente e Recorrido encontram-se divorciados há, pelo menos 5 anos, o que legitima a existência de contas bancárias unicamente em nome da Recorrente, e das quais não podem ser dadas informações ao Recorrido, por violação da lei da proteção de dados.
24 - Assim, entende a Recorrente que não deveria ter sido deferido o pedido de decretamento de arrolamento de contas bancárias tituladas unicamente pela Requerida, sem que o Recorrido fizesse prova sumária de que tais quantias aí depositadas eram comuns.
25 - No que concerne ao estabelecimento comercial ser bem próprio ou comum, entendeu o tribunal de que se recorre que “… no que toca ao estabelecimento comercial, conforme ficou devidamente esclarecido pela prova testemunhal arrolada pela requerida, se é certo que a requerida iniciou a sua actividade comercial, como costureira, ainda antes de casar com o requerente, a verdade é que o objecto da sua actividade comercial não foi sempre o mesmo, tendo-se iniciado como costureira e, mais tarde, pelo ano de 2007, alterado o CAE para abranger mais actividades, designadamente um estabelecimento de roupas par...
s e ocasiões de festa, actividade que agora exerce por naquela altura ter adquirido os materiais a uma senhora que trabalhava nesse ramo e ter inclusivamente ficado a laborar no local onde aquela laborava. A requerida, conforme ficou indiciariamente demonstrado com base na prova testemunhal produzida, por volta do ano de 2007, passou de costureira a titular de um estabelecimento de venda de vestidos de noiva e roupa de festa, tendo assim, transformado o objecto da sua actividade. Esta alteração ocorreu já depois de celebrado o casamento pelo requerido e a aquisição dos meios necessários à realização de tal negócio também, pelo que se presume, ainda que indiciariamente, que o estabelecimento seja também bem comum do casal.
26 - E com base em tal fundamentação foi dado como não provado o facto 5. “O estabelecimento comercial da requerida foi adquirido pela mesma previamente à celebração do casamento”.
27- A Recorrente entende que tal factualidade devia ser dada como provada atento o depoimento prestado pelas duas testemunhas arroladas pela Recorrente, designadamente N. T. e M. G.
.
28 - Na verdade, existe, salvo melhor e douta opinião, um claro erro na apreciação da prova a este respeito, devendo a mesma ser reapreciada por esse Venerando Tribunal da Relação.
29 - Do depoimento da testemunha N. T. resulta que, no ano de 1997 a Recorrente já possuía um estabelecimento comercial e que à data ainda não era casada, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz...
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