Acórdão nº 567/13.3 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO C………… – H……………., S.A., com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), relativa ao ano de 2012, no valor de € 348.644,16, constante da factura nº…………..7/F, de 31 de outubro de 2012.

Com a sua alegação recursória a apelante juntou nove (9) documentos e, a final, formulou o seguinte quadro conclusivo: «A.

Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida.

B.

Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei — constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado - e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres).

C.

Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até “mais” no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (“SIRCA”), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio — a taxa do SIRCA.

D.

Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona — desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar —, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada.

E.

Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis.

F.

Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito pelo estipulado na alínea i) do artigo 165° da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.° 3 do artigo 103° da Constituição, inexigível).

G.

Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que nao só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.° 215/2012 quer a Portaria n.° 200/2013).

H.

A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade — artigo 13° da Constituição).

I.

Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar.

J.

Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afundamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar — e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão — forem enquadrados nessa obrigação de participação.

K.

Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um super-mercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos.

L.

Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída.

M.

No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público.

N.

Aliás, na senda dos recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03/05/2017 (processo n.° 914/16) e 17/05/2017 (processo 01000/16) — acerca da taxa do SIRCA - também se deve concluir que, se a TSAM fosse uma verdadeira contribuição, então, não sendo as empresas de distribuição efectivas ou presumíveis beneficiárias do SIRCA (pelo menos de modo significativamente diferente do que o é a generalidade da comunidade), o tributo é materialmente inconstitucional.

O.

Por outro lado, na sua pretensão de capturar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos a que dirigiu a TSAM, o Governo escolheu como base de incidência do tributo a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos de cada um deles, em função das respectivas áreas, podem gerar vendas de bens alimentares. A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos.

P.

Não se trata, contudo, de um imposto apurado através de uma aproximação directa ao lucro real das empresas, mas sim mediante uma aproximação indirecta ou presumida: a área de venda é, na lógica do legislador, um dado suficiente para a aferição da susceptibilidade de gerar lucros. Trata-se de uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: é que o facto de uma empresa dispor de capacidade de gerar um rendimento nao significa que o gere efectivamente, nem muito menos que gere um rendimento líquido (um lucro) — conforme é exigido que ocorra para se poder falar de uma tributação conforme ao princípio da capacidade contributiva.

Q.

Do que vem dito resulta que a TSAM tem um efeito de sobreposição ao IRC que é inaceitável, até porque potência também, em benefício do Estado, um efeito de “fraude” à tributação em sede do referido imposto: o Estado pode apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma.

R.

Finalmente, ao constituir um mecanismo de tributação de lucros (apurados de forma presunüva), que funciona paralela e simultaneamente com o IRC, acaba por representar a consagração sistemática da dupla tributação jurídica: os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (os lucros), em IRC e neste novo imposto ou contribuição especial.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.» * Não foram apresentadas contra-alegações.

* A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

* Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

* II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida: «

  1. Ato impugnado: Com data de 31.10.2012 foi emitida pelo “Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais” a fatura n.º ….7/F, no valor de € 348.644,16, com data...

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