Acórdão nº 10736/18.4T8LSB.1.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução21 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista n.º 10736/18.4T8LSB.1.L1.S1 MBM/JG/FM Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. AA, deduziu execução com base em sentença condenatória transitada em julgado, contra o CONSULADO GERAL DO BRASIL EM LISBOA, para pagamento da quantia de € 16.191,98, acrescida de juros de mora vincendos, até efetivo e integral pagamento.

  2. Foi pedida e realizada a penhora de saldo em conta bancária do executado, o qual foi notificado e não deduziu oposição, nem à execução nem à penhora.

  3. Entretanto, o Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros veio aos autos, espontaneamente, opinar no sentido de que a penhora efetuada nos autos “é contrária ao Direito Internacional, em especial as garantias relativas à imunidade de execução de Estados estrangeiros...”, no que foi acompanhado por requerimento do Ministério Público de 16.12.2019, que, em termos similares, diz ser “entendimento do MP que as penhoras das contas bancárias do Executado, Consulado Geral do Brasil em Lisboa, violam a Lei Internacional”, pelo que as mesmas devem ser dadas sem efeito.

    Ouvida a exequente, veio esta dizer que “deverá manter-se a penhora ao saldo bancário no B..., SA, devendo o Executado, no prazo concedido para a apresentação dos embargos de executado, querendo, provar que aquele saldo bancário está afeto às finalidades essenciais inerentes à representação diplomática ou consular, através da demonstração detalhada dos valores que integram o seu orçamento e as despesas efetivadas e pendentes com a missão”.

  4. Em seguida foi proferido o seguinte despacho: “Veio o executado suscitar a impenhorabilidade das contas bancárias invocando a impenhorabilidade das mesmas. Sustenta a exequente que nos termos da Convenção de Viena (art. 22° n° 3) a impenhorabilidade cinge-se unicamente aos bens afetos à missão diplomática.

    (…) Cremos (…) que a exigência da convenção de Viena neste tocante reside no facto de os bens sobre os quais existe imunidade, serem “utilizados para os fins da missão” para que se enquadrem no conceito de “locais de missão”.

    Ora, pugna o exequente pelo facto de caber ao executado demonstrar que as contas bancárias estão afetas à missão consultar, não lhe bastando invocar que assim seja.

    Mas não cremos que tenha razão.

    Uma conta bancária de um consulado serve precisamente, e em primeira mão, para assegurar a atividade inerente à missão consular, não cabendo que seja demonstrado qual o orçamento previsto para assegurar essa atividade e se algo excede o mesmo. Dizem as regras da experiência comum que assim é, que uma missão diplomática não se dedica a atos de comércio, ou de outra natureza especulativa ou com fito no lucro, mas sim à manutenção e gestão da sua atividade. Donde, essa conta bancária necessariamente está afeta aos fins da missão.

    E por tal motivo, sem necessidade de maiores demonstrações, considero impenhoráveis as contas bancárias da executada, por estarem abrangidas pela imunidade prevista no art. 22° n° 3 da Convenção de Viena.

    E por isso mesmo declaro a impenhorabilidade das contas bancárias, determinando o levantamento da penhora sobre as mesmas.” 5.

    A exequente apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando o recurso procedente e revogando aquele despacho, decidido “manter as penhoras das contas bancárias efetuadas nos autos, determinando o retomar da normal tramitação da execução, encontrando-se findo o prazo para dedução de oposição à penhora”.

  5. Deste acórdão recorre o R., agora de revista.

  6. A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

  7. O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que o recorrente respondeu, em linha com o antes sustentado nos autos.

  8. Em face das conclusões das alegações de recurso, e inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil[1]), as questões a decidir[2] (pela ordem resultante do nexo de precedência lógica e prático-jurídica que entre elas existe) são as seguintes: – Se as contas bancárias em causa eram (são) impenhoráveis; – Na afirmativa, se o Tribunal de 1ª Instância podia apreciar oficiosamente tal questão.

    E decidindo.

    II.

    Quanto à primeira questão: 10.

    Neste âmbito, ponderou a Relação: “A decisão recorrida entendeu que não existe uma impossibilidade absoluta de penhora de bens de outros Estados sitos nas suas Embaixadas ou Consulados. E neste particular recolheu a concordância da apelante/exequente.

    Entendimento que também acompanhamos, remetendo-se aqui (…) para o teor do Ac. da Relação de Lisboa de 16/1/2019, P. n° 12515/16.4T8LSB.2.L1-4 (Rel. Desemb. Maria José Costa Pinto) que aborda exaustivamente tal matéria a propósito da questão da incompetência absoluta dos tribunais portugueses.

    A divergência surge, porém, porque a Mma Juíza a quo conclui que a quantia em dinheiro existente nas contas que foram penhoradas, porque pertencentes a uma missão diplomática e segundo a regras da experiência, “necessariamente está afeta aos fins da missão”.

    Ora a Mma juíza não tem qualquer base factual para poder sustentar a decisão que tomou, sendo que as regras da experiência também nos dizem que existindo uma conta bancária titulada por uma entidade, seja ela qual for, não é possível saber, sem mais, qual o destino efetivo que seria dado ao dinheiro nela existente. Todo o dinheiro era para os fins da missão? Nenhum? Só parte? Não sabemos.“.

  9. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.01.2019, invocado pelo acórdão recorrido, analisou com grande profundidade e de forma exaustiva a problemática da imunidade de execução dos Estados soberanos, em termos que é oportuno relembrar e que são os seguintes: «(…) 9.3.2. No contexto da imunidade de jurisdição dos Estados soberanos – que se suscita quando um Estado é demandado no tribunal de um outro Estado em virtude de atos neste praticados – autonomiza-se a imunidade de execução.

    (…) 9.3.2.1. Ao nível do direito escrito, três convenções internacionais versam sobre esta matéria.

    9.3.2.1.1. Em primeiro lugar, a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas celebrada em 18 de abril de 1961 e aprovada pelo Estado Português através do Decreto-Lei n.° 48295, de 27 de Março de 1968[…].

    (…) Esta convenção cuida das imunidades e privilégios pessoais dos agentes diplomáticos (imunidades diplomáticas) e não propriamente da imunidade do Estado acreditante, enquanto pessoa jurídica de direito público, face à jurisdição local do acreditado (imunidades jurisdicionais), a não ser quando nos seus artigos 22.º e 23.º estabelece regras sobre a inviolabilidade dos bens da missão, o que, por se tratar de matéria atinente a imunidades de execução do Estado acreditante, convoca a sua análise no caso vertente.

    (…) 9.3.2.1.2. Em segundo lugar, a denominada Convenção de Basileia sobre a Imunidade dos Estados surgida no âmbito do Conselho da Europa e aberta à assinatura dos Estados membros e à adesão dos Estados não membros em 16 de maio de 1972[12].

    A Convenção de Basileia, de cujo preâmbulo consta que se manifesta no direito Internacional uma tendência para restringir os...

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