Acórdão nº 1496/19.2T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: Herança de F, representada pela cabeça de casal M, intentou a presente acção comum contra E e J pedindo que: os réus sejam condenados (i) a reconhecer o direito de propriedade da autora e a restituir-lhe o imóvel que ocupam; bem como (ii) a pagar-lhe, pela ocupação indevida, 30€/dia acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até à sua efectiva desocupação; e, (iii) pelos danos causados no imóvel, o que se vier a apurar em execução de sentença.

A autora alega que é proprietária de um prédio e os réus ocupam a fracção do prédio designada na caderneta predial como “casa da porteira”; a ré iniciou funções de porteira no prédio em 12/08/1975; era remunerada, de acordo com o regulamento dos Porteiros de Lisboa, sendo uma parte da remuneração o ordenado e a outra parte o alojamento, pelo que a cedência da fracção à ré estava unicamente ligada às funções que desempenhava como porteira [o que diz mais à frente não é igual; assim: o contrato em causa foi celebrado de acordo com o regulamento de trabalho para os porteiros de prédios urbanos, Portaria de 02/05/1975; na base XI/1 dessa Portaria, dispõe-se que: A remuneração dos trabalhadores abrangidos por esta portaria será satisfeita uma parte em dinheiro e outra em prestações não pecuniárias e no seu n.º 2 que as prestações não pecuniárias são constituídas pelo alojamento; existem tabelas e recibos de vencimento em que se encontram discriminados os valores de “ordenado da porteira” e recibo de “porteira alojamento” (docs.6 e 7)]; em 23/11/2006, a ré comunicou que a partir dessa data deixava de exercer funções como porteira; com a cessação do seu contrato de trabalho por motivo de reforma era expectável que a ré tivesse procedido à entrega da fracção referente à casa da porteira (acórdão do TRL [que será o que está sumariado como de 01/02/1996, proc.

0008156]), o que não fez, até hoje, apesar de ter sido interpelada por diversas vezes para proceder à devolução da casa; ainda acrescenta que é do seu conhecimento que foram realizadas obras na casa de porteira, o que soube aquando de uma vistoria realizada pela CML em 05/07/2007, posteriormente confirmada numa visita de rotina efectuada pelo responsável pela manutenção do prédio desde 2010; a autora não foi contactada em momento algum pelos réus sobre a pretensão da realização de obras na fracção ocupada pelos mesmos; as obras foram realizadas à revelia da autora e provocaram alterações à casa de porteira.

Os réus contestaram, alegando que o prédio identificado não está constituído em propriedade horizontal, pelo que não existe qualquer fracção designada como “casa de porteira” (conforme resulta da respectiva descrição predial (vd. doc.1 junto pela autora); os réus ocupam a cave do prédio identificado desde 01/06/1971, por via de contrato de arrendamento nessa data celebrado entre a anterior proprietária e o réu já no estado de casado com a ré; arrendou a referida cave para habitação, pela renda mensal de 470$, com a obrigação de efectuar por sua conta todas as obras de que a cave locada carecesse, conforme expressamente consta do contrato ora junto; os réus instalaram na referida cave a sua casa de morada da família, celebrando os contratos de fornecimento de água, electricidade, gás, telefone, etc., recebendo os seus amigos e familiares e a sua correspondência; desde o início do contrato de arrendamento, o réu sempre pagou as rendas da cave através da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), que emitia os respectivos recibos em nome do réu (juntam, a título exemplificativo os relativos aos meses de Outubro e Novembro de 2018 - docs. 2 e 3); as rendas da cave locada foram regularmente actualizadas pela referida ALP, como procuradora dos senhorios, de acordo com os coeficientes legais, como se comprova com a última actualização, por carta de 17/10/2018, que se junta (doc. 4); os réus são assim titulares do contrato de arrendamento da cave reivindicada pela autora, com todos os direitos e obrigações inerentes, que nada têm a ver com os derivados da relação laboral da ré com os proprietários do prédio dos autos; consequentemente, a cessação de funções da ré como porteira do prédio não teve qualquer efeito quanto à validade e eficácia do contrato de arrendamento; isto impede o efeito jurídico dos factos articulados pela autora, constituindo excepção peremptória, conducente à absolvição dos réus do pedido, por força do art. 576/3 do CPC; ainda acrescentam, a titulo de impugnação: como a própria autora confessa, que se aceita, a ré iniciou as suas funções de porteira do prédio em 12/08/1975, ou seja, mais de quatro anos depois do início do contrato de arrendamento, circunstância que, só por si, inviabiliza o pedido da autora; o alojamento dos réus na cave reivindicada pela autora não é, nem nunca foi, parte da remuneração da ré pelo exercício das suas funções de porteira do prédio; por fim, dizem que a autora alega, completamente a despropósito tendo em conta a causa de pedir e o pedido, a realização pelos réus de obras não autorizadas; tais factos são falsos, pois os réus não fizeram quaisquer obras novas na cave locada, apenas meras obras de conservação, a que, aliás, estavam obrigados pelo contrato de arrendamento celebrado com a primitiva senhoria; de resto, o auto de vistoria da Câmara Municipal de Lisboa (junto como doc.8 da autora) demonstra abundantemente que todas as deficiências verificadas no prédio, e na cave locada, resultam de causas exteriores (infiltrações de águas e humidade) devidas ao mau estado de conservação geral do imóvel; nenhuma das deficiências assinaladas na cave locada resulta da acção dos réus, mas, sim, de presumíveis rupturas na rede de abastecimento de águas e dos ramais de descarga de águas residuais; as obras de reparação exterior do imóvel cabem ao senhorio, nos termos do art. 1074 do CC, pelo que os réus não podem ser responsabilizados por obras que não fizeram, nem podiam fazer; concluem que a presente acção carece de qualquer fundamento, quer quanto à restituição da cave em questão quer quanto à indemnização peticionadas.

A autora replicou, impugnando os factos base da excepção deduzida pelos réus e os efeitos que deles os réus pretendem retirar: o contrato de arrendamento não respeita à cave/casa da porteira, mas a um quarto para habitação como consta do contrato, pelo que os réus não são arrendatários da cave reivindicada; a cave/casa de porteira que os réus ocupam é composta por duas divisões, como se apura do doc. 8, página 4, junto com a PI; foi depois de iniciar as funções de porteira no prédio que os réus passaram a ocupar, além do quarto, a cave/casa de porteira; e a relação laboral tinha como contrapartida a utilização da cave.

Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente e em consequência, absolvendo os réus dos pedidos.

A autora vem recorrer desta sentença – para que seja revogada e os réus sejam condenados como pedido – terminando as suas alegações com conclusões em que impugna alguns pontos da decisão da matéria de facto, argúi uma nulidade e põe em causa a improcedência da acção.

Os réus contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso da autora.

Questões que importa decidir: a impugnação da matéria de facto, a nulidade e a impugnação da improcedência da acção.

* Foram dados como provados os seguintes factos que importa à decisão daquelas questões [o facto 8-A foi acrescentado por este TRL com os fundamentos referidos abaixo]: 1\ O prédio urbano sito em São Jorge de Arroios, na Rua A, 16 e 16-A, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 000/19881000, da freguesia de São Jorge de Arroios, foi adquirido em comum e sem determinação de parte ou direito por ML, MP, FC, FD, MR e GH.

2\ O prédio 1 mostra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000...

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