Acórdão nº 2998/22.9T8LRS.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução14 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I‒Relatório: AAA requereu o presente procedimento cautelar comum contra BBB, pedindo, com inversão do contencioso, que fosse "condenada a abster-se de impedir que a autora esteja impedida de exercer a sua função laboral, devendo atribuir-lhe os serviços inerentes às funções para que foi contratada como bombeira, processando os salários e demais remunerações de trabalho, bem como condenada em multa por cada dia em que não o faça", alegando, resumidamente, que: "1.

–Foi contratada pela requerida para exercer as funções de Bombeira em 04/06/2014, detendo a categoria de Bombeira de 3.ª; a sua prestação de trabalho rege-se pelo contrato de trabalho celebrado.

  1. –Exerce ainda as funções de Bombeira Voluntária nas instalações da ré, sendo que esta prestação está prevista no artigo 7.º do contrato de trabalho nos seguintes termos: 'O Segundo contraente (a aqui autora) pode realizar trabalho voluntário para além do seu horário de trabalho nos termos e condições habituais e em razão de necessidades urgentes'.

  2. –No dia 03/03/2022 foi surpreendida quando chegou às instalações da requerida para prestar o seu trabalho, com a ordem de serviço n.º 38/2022 a informar que lhe tinha sido aplicada pena de 90 dias de suspensão dos serviços de bombeira voluntária, que implicava o '(…) afastamento completo e temporário do arguido do corpo de bombeiros, designadamente na proibição de entrada no quartel durante todo o período do cumprimento da pena (…)'.

  3. –A pena de suspensão de 90 dias foi aplicada na sequência de procedimento disciplinar instaurado pela requerida, por aquela ter, alegadamente, incumprido com as suas obrigações enquanto bombeira voluntária.

  4. –A decisão mencionada em 3 apenas foi notificada à requerente no dia 16/03/2022.

  5. –A aplicação da pena de suspensão impede-a de prestar o seu trabalho enquanto Bombeira Profissional pois está impedida de entrar no local de trabalho.

  6. –A decisão disciplinar não pode interferir na possibilidade de a requerente cumprir o contrato de trabalho principalmente porque aquela decisão disciplinar não é consequência de quebra do contrato profissional. A pena a aplicar quanto às funções de Bombeira Voluntária restringe-se a essas funções e não pode extrapolar esse âmbito, impedindo-a de cumprir o contrato que vincula as partes.

  7. –Ocorre a violação de uma das garantias do trabalhador estabelecidas no artigo 129.º do Código de trabalho, especificamente da al. b) onde se estatui que: 'É proibido ao empregador: Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho'.

  8. –Nada impede que o bombeiro assuma simultaneamente a qualidade de bombeiro profissional e de bombeiro voluntário, e que, atenta a natureza ou essência jurídica dos respectivos estatutos, derivem consequências diversas no âmbito da relação com a requerida, sendo certo que a natureza do vínculo que liga o bombeiro voluntário à sua corporação não é coincidente com a que caracteriza a sua relação de trabalho subordinado à mesma corporação.

  9. –Há que ter em conta, também, sendo recusado o pagamento de salário durante a suspensão da requerente, está a mesma a ser gravemente lesada e em risco de não ter meios de subsistência no próximo mês.

  10. –Para além de que tem à sua guarda um menor com 15 anos que será igualmente afectado por esta decisão da requerida.

  11. –A afectação do direito ao trabalho e remuneração da requerente, em face a uma função que em nada está ligada àquela, constitui violação dos direitos constitucionalmente consagrados ao trabalho em termos geradores de danos de impossível reconstituição, geradores de um efectivo periculum in mora.

    A Mm.ª Juiz proferiu despacho pelo qual, por manifesta improcedência, indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

    Inconformada, a requerente interpôs recurso, pedindo que o despacho recorrido seja revogado, ordenando-se o prosseguimento dos autos ou, em alternativa, proferido despacho de aperfeiçoamento, culminando a alegação com as seguintes conclusões: "a)-A recorrente é trabalhadora da Ré desde 04/06/2014, exercendo funções de bombeira de 3.ª com contrato de trabalho a regular essa relação, exercendo também actividade de bombeira voluntária para a Ré.

    b)-No âmbito do trabalho de voluntariado foi aplicada à recorrente uma sanção de suspensão com a duração de 3 meses com a proibição de entrar no estabelecimento da Ré (onde presta a actividade profissional).

    c)-Na sequência, foi a Recorrente impedida de entrar no seu local de trabalho e de exercer a sua actividade profissional.

    d)-Inconformada, interpôs a providência cautelar em crise alegando que a sanção administrativa aplicada no âmbito do trabalho enquanto bombeira voluntária não poderia interferir na prestação do seu trabalho profissional.

    e)-Alegou ainda que esse impedimento viola o seu direito à efectiva prestação do trabalho, o seu direito ao vencimento, bem como poria em causa a sua subsistência e do filho menor que tem à sua guarda.

    f)-Decidiu o tribunal a quo que não foi alegado pela A. que, efectivamente, não iria receber o seu vencimento, afirmando que não resulta da ordem de serviço que aplica a sanção de suspensão à A. a conclusão de que não haveria o processamento do pagamento.

    g)-Conclui também a douta decisão que a A. alegou que se encontra impedida de entrar no local de trabalho, mas que não concretizou essa alegação ('se se apresentou ao serviço e, na afirmativa, quando, se foi efectivamente impedida de iniciar funções e por quem').

    h)-Desta forma, encontrava-se em falta a probabilidade séria da existência do direito, ainda que se admita nesse despacho que as alegações realizadas pela A. são passíveis de prova e, caso assim fosse feito, 'se admite estar minimamente alegada a aparência de um direito'.

    i)-Afirma-se ainda no despacho liminar que não se mostra alegada qualquer lesão grave e de difícil reparação.

    j)-Na sequência, decide que a A. alega uma hipotética hipótese de não lhe ser pago o salário e que o facto de a A. ter alegado que isso poria em causa a sua subsistência e a do seu filho seria uma conclusão e não uma alegação do facto.

    k)-Considerou ainda que não houve concretização sobre o facto de a A. não ter meios de subsistência ao não especificar se aquela tem outros rendimentos, se tem ajuda do ex-marido ou se tem algum fundo de reserva monetário.

    l)-Finalizando, ainda, ao decidir que quanto à obstaculização à prestação do trabalho, não foi alegado qualquer facto que comprove que essa violação seria geradora de danos de impossível ou difícil reconstituição.

    m)-Ora, quanto à hipotética situação de a A. receber o seu vencimento, é certo que a R. não a informou se haverá ou não o processamento do salário, mas as suspensões (tanto em direito...

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