Acórdão nº 469/21.0GACSC.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução08 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 469/21.0GACSC.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Juízo Central Criminal ... foi proferida a seguinte decisão (transcrição): «Condena-se o arguido AA, pela prática, como reincidente, em autoria material, na forma consumada de um crime de violência doméstica, pp. pelo artº.152°., nº.1, als. a) e c) e nº.2, al. a) do Código Penal (na pessoa de BB), na pena de quatro anos e oito meses de prisão, efectiva.

Condena-se o arguido AA, pela prática, como reincidente, de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos artºs. 153º e 155º, nº.1, al. a), do Código Penal (na pessoa de CC), na pena de nove meses e dez dias de prisão, efectiva.

Condena-se o arguido AA, pela prática, como reincidente, de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos artºs. 153º e 155º.,nº.1, al.a), do Código Penal (na pessoa de DD), na pena de nove meses e dez dias de prisão, efectiva.

Em cúmulo jurídico de tais penas de condena-se o arguido AA na pena única de 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de prisão, efectiva.

Condena-se o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, pp. pelo art.º 152º, nº.1, als. a) e c) e nº.2, al. a), nºs.4 e 5, do Código Penal, na redacção da Lei 44/2018, de 9 de Agosto, na pena acessória de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período cinco anos, com obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

A pena acessória de proibição de contacto com a vítima incluirá o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

Não [s]e procede a arbitramento a título de compensação indemnizatória pelos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida, nos termos do artº 82º-A, do CPP, por não se terem provado os respectivos pressupostos legais».

  1. Inconformado com o decidido no acórdão da 1.ª instância recorreu o arguido diretamente para este STJ apresentando as seguintes conclusões (transcrição): «A. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de fls. …, proferido em 24/02/2022 nos autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo, que condenou o arguido em: i. 4 anos e 8 meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, al.a) do CP (na pessoa de BB); ii. 9 meses e 10 dias de prisão efectiva, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al.a) do CP (na pessoa de CC); iii. 9 meses e 10 dias de prisão efectiva, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al.a) do CP (na pessoa de DD); iv. Em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão, efectiva.

    1. No mesmo douto Acórdão, além da condenação em custas, foi também o arguido condenado nas seguintes penas acessórias: (i) proibição de contacto com a vítima, pelo período de 5 anos, (ii) proibição de uso e porte de armas, pelo período 5 anos e (iii) obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

  2. FACTOS PROVADOS C. A audiência de julgamento decorreu com documentação da prova produzida, fundando-se a convicção do Tribunal a quo sobre a matéria de facto provada da conjugação das regras de experiência com os documentos juntos indicados na Acusação e pelo arguido, os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e, por último, as declarações do arguido.

    1. Dos factos provados, resulta designadamente que, além de ter comportamentos aditivos (consumo de cocaína e heroína, com períodos de tratamento com metadona), o arguido sofreu também uma depressão ao tempo da prática dos crimes pelos quais foi condenado nos presentes autos, transtorno mental que o fez sentir “de cabeça perdida”.

    2. Além de verbalizar a sua intenção de pôr termo à vida (vg., “EU ACABO COM A TUA VIDA E A SEGUIR ACABO COM A MINHA” e “VAI ACABAR AQUI PARA TI E PARA MIM”), também ficou provado que o arguido, após os “surtos” de grande irritabilidade e de alguma violência física e psicológica para com a vítima, de imediato “cai em si” e demonstrava arrependimento, o que é revelador da sua fragilidade emocional e psicológica (vg., “o arguido começou a chorar” e “começou a chorar convulsivamente e a pedir perdão”).

    3. A DGRSP no “Relatório Social” que elaborou para a determinação da sanção a aplicar ao arguido propugnou expressamente pela necessidade do arguido ter “acompanhamento psicoterapêutico estruturado” e que, ainda em fase anterior à realização da audiência de julgamento (em sede de requerimento para substituição de medida de coação), o próprio arguido requereu a elaboração de perícia sobre a sua personalidade.

    4. Este quadro de comportamentos aditivos e de perturbação mental e emocional do arguido deve balizar toda a factualidade que foi dada como provada pelo Tribunal a quo, designadamente para valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo, o que não aconteceu no douto Acórdão recorrido.

  3. DO DIREITO H. O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71.º do CP, por incorrecta e imprecisa aplicação.

    I. De facto, a ausência no douto Acórdão recorrido de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e dos fins ou motivos que os determinaram, quer sobre a conduta anterior e posterior à prática dos factos, quer ainda sobre a personalidade do arguido, deverá assim pender a favor do arguido.

    1. Tanto mais que houve por parte do Tribunal a quo uma total desvalorização do quadro de comportamentos aditivos e de perturbação mental e emocional do arguido ao tempo da prática dos crimes pelos quais foi condenado.

    2. Não basta referir no douto Acórdão recorrido que o arguido agiu de “forma consciente”, quando há factos provados em sentido contrário, que demonstram que o arguido agiu “de cabeça perdida”, num quadro de perturbação mental e emocional, em que não tinha consciência dos crimes que cometeu ou, pelo menos, não tinha consciência plena de tais crimes.

      L. Neste aspecto, o douto Acórdão recorrido está posto em crise, por se entender que não está suficientemente fundamentado e sustentado em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo ou que compaginem as circunstâncias pessoais do arguido e a sua personalidade no momento do cometimento dos crimes.

    3. E, assim, o Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo porquanto foi aplicada uma pena demasiado severa atenta a factualidade considerada, em particular as respeitantes às circunstâncias pessoais e a personalidade do arguido, e a insuficiente fundamentação da douta decisão.

    4. Donde, as penas de prisão parcelares a aplicar deverão ser reduzidas em função da culpa do arguido e do grau de intensidade de vontade criminosa do arguido, maxime porque os crimes foram cometidos num tempo em que a capacidade crítica do arguido se encontrava especialmente diminuída.

    5. E a pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

      Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o merecer provimento o presente Recurso e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, com todas as consequências legais.

  4. O Ministério Público respondeu pronunciando-se pela adequação da pena aplicada e pela improcedência do recurso.

  5. Neste Supremo Tribunal de Justiça a Procuradora-Geral Adjunta reiterou a posição do M.º P.º na 1.ª instância.

  6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

    II A Factos provados (transcrição): 1. O arguido e EE iniciaram um relacionamento amoroso em Setembro de 2019, sem coabitação.

  7. A partir de Maio de 2020, o arguido e a vítima passaram a coabitar, na Rua ..., ..., em ....

  8. A vítima tem dois filhos, DD, de dez anos e CC, de dezassete anos, que não coabitam consigo, mas que ficam consigo nas suas folgas.

  9. Em data não concretamente apurada de Fevereiro de 2019, o arguido insistiu com a vítima de que pretendia jantar fora.

  10. Alegando sentir-se cansada, a vítima rejeitou a ideia, tendo o mesmo ficado bastante alterado, dizendo-lhe, em tom de voz elevado: “AGORA VOCÊ TEM QUE IR…. VAIS VER PARA ONDE EU VOU-TE LEVAR…CARALHO…. PORRA…. VOCÊ VAI VER O QUE EU VOU FAZER CONTIGO”, enquanto conduzia o veículo, sem destino.

  11. A vítima, com receio do arguido, disse-lhe então que aceitava ir jantar, mas que necessitava de ir a casa a fim de dar o jantar aos seus filhos.

  12. O arguido conduziu a vítima até à sua habitação, mas acompanhou-a até ao seu interior.

  13. Antes da mesma entrar na residência, o arguido ordenou que a vítima transmitisse aos seus filhos que teria sido sua a ideia de ir jantar fora, que agisse normalmente e que não se demorasse.

  14. A vítima, com receio, remeteu uma mensagem de telemóvel à irmã do arguido dizendo: “FF o seu irmão está muito nervoso ele está querendo me levar em algum lugar tenta ligar para ele conversar porque se alguma coisa me acontecer foi ele…” 10. Após saírem da residência e entrarem no veículo do arguido, este, enquanto conduzia, segurando com a mão esquerda o volante, desferia murros com a mão direita na perna da vítima, enquanto lhe dizia: “AGORA VOCÊ VAI VER PARA ONDE EU VOU-TE LEVAR… VOCÊ PENSA QUE EU SOU PALHAÇO… VOU ACABAR COM A TUA FAMÍLIA”.

  15. O arguido conduziu o veículo durante bastante tempo, até anoitecer, até que finalmente parou o mesmo num local ermo, de mato e árvores.

  16. Em seguida, o arguido apropriou-se do telemóvel da vítima.

  17. O arguido disse então à vítima: “VOLTAS A CONTRARIAR-ME E VOU-TE PICAR COMO UM PORCO E ENTERRO-TE AQUI MESMO…VOU-TE BEBER O SANGUE…. VOU-TE CORTAR AOS PEDAÇOS…OU VOU-TE ENTERRAR VIVA AQUI MESMO E NINGUÉM TE ENCONTRA…”.

  18. A vítima começou então a chorar e a implorar para o arguido ter calma e para...

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