Acórdão nº 3396/18.4JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução08 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 3396/18.4JAPRT.P1.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este foi decidido: 1. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência (grosseira), p. e p. pelo art.º 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, a qual se suspende por igual período, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, subordinada à entrega pelo arguido no período da suspensão aos demandantes cíveis das seguintes quantias: €15.000 (quinze mil euros) a cada um dos demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um com a morte de BB, acrescida de juros legais à taxa legal desde a data desta sentença até efetivo e integral pagamento, e €1.370 (mil trezentos e setenta euros) pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes CC e DD e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar-lhes: a) A quantia de €15.000 (quinze mil euros), pelos danos não patrimoniais sofridos por BB, a qual deverá ser repartida em duas partes iguais pelos demandantes, nos termos do artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil, acrescida dos juros à taxa legal desde a data desta sentença, e até efetivo e integral pagamento; b) A quantia de €80.000 (oitenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda do direito à vida de BB, a qual deverá ser repartida em duas partes iguais pelos demandantes, nos termos do artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil, acrescida dos juros à taxa legal desde a data desta sentença e até efetivo e integral pagamento; c) A quantia de €15.000 (quinze mil euros) a cada um dos demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um com a morte de BB, acrescida de juros legais, à taxa legal desde a data desta sentença e até efetivo e integral pagamento; c) A importância de €1370 (mil trezentos e setenta euros) pelas despesas de funeral, acrescidas dos juros à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

  2. Inconformados recorreram o arguido e os requerentes do pedido civil para o TRP que decidiu «julgar provido o recurso do demandado/arguido e consequentemente revogar a decisão condenatória do mesmo a pagar aos demandantes o valor de 80 mil euros a título de indemnização pelo dano morte da vítima, mantendo-se na parte restante a decisão condenatória do mesmo; julgar não provido o recurso dos demandantes».

  3. Ainda inconformados, recorrem os demandantes civis CC e EE, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1. O presente recurso, adstringido à matéria civil, tem por objeto o erro de interpretação ou de aplicação, pelo Tribunal da Relação do Porto, do regime fixado pelo Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13/07, ao decidir que a atribuição da compensação especial por morte nele prevenida, diretamente resultante dos riscos próprios da atividade policial ou de segurança, aparta a compensação pelo dano não patrimonial da morte emergente do estabelecido no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, por entender que a aplicação cumulativa dos dois regimes consubstanciaria uma duplicação de indemnizações e, consequentemente, um enriquecimento sem causa.

  4. A questão fulcral do recurso justapõe-se à fixação da indemnização dano não patrimonial da morte previsto no artigo no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, relativamente à qual os demandantes cíveis e o demandado civil manifestaram posições opósitas: os demandantes cíveis defendem a atinente fixação e tal orientação foi deferida pelo Tribunal de Primeira Instância; e o arguido pugna pela sua inapliblicabilidade e semelhante entendimento foi acolhido pelo Tribunal da Relação do Porto.

  5. Em 16/09/2021, foi proferida sentença, em cujo âmbito o arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência (grosseira), p. e p. pelo art.º 137.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, 3 anos e 6 meses de prisão, que foi suspensa, na respetiva execução, por igual período, subordinada à entrega aos demandantes civis, no período da suspensão, das seguintes quantias: 15 000 € a cada um dos demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um com a morte de BB, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento; e 1370 € pelos danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento – nesse recortado, a Sentença transitou em julgado.

  6. Pelo tocante ao pedido de indemnização civil, na sua parcial procedência, o arguido/demandado civil, na referida Sentença, foi condenado a pagar aos demandantes civis, CC e DD, inter alia, a quantia de 80 000 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pela perda do direito à vida de BB, a qual deverá ser repartida em duas partes iguais pelos demandantes, nos termos do artigo 2139.º, n.º 1, do Código Civil, acrescida dos juros, à taxa legal, desde a data da sentença e até efetivo e integral pagamento.

  7. Após, descreveu-se o seguinte: a facticidade, com prevalência para o recurso, que o tribunal de primeira instância deu como provada; e as considerações desenvolvidas na sentença, pelo que tange ao pedido de indemnização civil, máxime na envolvência da indemnização pelo dano não patrimonial da morte da vítima 6. Na sobredita sentença, concluiu-se que, atenta a natureza da indemnização prevista no Decreto-Lei n.º 113/2005, e a previsão expressa do artigo 7.º, n.º 4, de tal diploma, o arbitramento da quantia de 145 000 € e o consequente recebimento, com base nesse regime, não afasta a responsabilidade do lesante pelo ressarcimento do dano em causa.

  8. Inconformado com a sentença, no que concerne ao arbitramento de quantia indemnizatória a título de compensação pelo dano não patrimonial morte da BB, o arguido/demandado civil AA interpôs dela recurso. Em jeito sinótico, aduziu: a compensação pelo dano não patrimonial da morte, a que se reporta o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, já foi assegurada aos Demandantes civis, não tendo eles direito a auferirem uma duplicação daquilo que já receberam; diante disso, a sentença, nesse segmento, aplicou erroneamente, ao caso dos autos, o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 113/2005, de 13/07, devidamente conjugado com o artigo 496.º do Código Civil.

  9. O Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 17/03/2022, concedeu razão ao arguido/demandado civil. No consectário, revogou a decisão condenatória de o demandado civil pagar aos demandantes civis o valor de 80 000 €, a título de indemnização pelo dano morte da vítima. De seguida, foram transcritas as reflexões aí alinhadas.

  10. No antedito Acórdão, desfechou-se o seguinte: “[…] no caso dos autos, tendoo Tribunal fixado a indemnização pelo dano morte da vítima em 80 mil euros, e ao mesmo tempo tendo os beneficiários/demandantes cíveis recebido já do Estado 145 mil euros a título de indemnização pelo mesmo dano, haverá que concluir que estariam a receber o valor de 225 mil euros, o que se configuraria como um possível enriquecimento sem causa na parte agora fixada pelo Tribunal.” 10. À vista do exposto, verifica-se que as decisões da primeira instância e da Relação do Porto, no indigitado recorte do pedido de indemnização civil, se mostram totalmente desconformes. Em face de tal assimetria, mostra-se fundada a admissibilidade deste recurso – cf. os artigos 399.º, 400.º, n.os 2 e 3, e 432.º, n.º, 1, alíneas a) e b), todos do CPP, e 671.º, n.os 1 e 3, este último a contrario, do CPC.

  11. Releva enfatizar, de imediato, que a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, na parcela que aqui interessa, se mostra plenamente acertada, pois que consolida uma interpretação/aplicação do direito totalmente apropositada – não merece, ipso facto, nenhum reparo.

  12. Reversamente, considera-se que as cogitações feitas pelo Tribunal da Relação do Porto, conquanto teoreticamente admissíveis, não subvertem minimamente o valimento e exatidão da enunciação desenvolvida pelo Tribunal de Primeira Instância, que se apresenta imperativa, categórica e plenamente respaldada na lei e que, por conseguinte, se deve sobrepor ao aresto do Tribunal Superior.

  13. Após, foram descritas as conclusões extratadas, de forma certeira, no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 30-10-2015, a propósito da latitude ou do campo de aplicação do Decreto-Lei n.º 113/2005 (que aqui se dão por reproduzidas).

  14. Em antinomia com o aludido Parecer, o Tribunal da Relação do Porto perfilhou o entendimento de que o pedido, alusivo ao dano não patrimonial da morte de BB, formulado pelos Demandantes civis, configuraria um possível enriquecimento sem causa, na parte que foi fixada pelo tribunal de 1.ª instância, pois que consolidaria uma duplicação daquilo que eles já receberam.

  15. Entende-se que a dialética tecida pelo Tribunal da Relação não deve merecer acolhimento, porquanto, no caso em tela, se conformam duas causas de pedir distintas.

  16. A indemnização que foi atribuída aos demandantes, nos termos consagrados no Decreto-Lei n.º 113/2005, trata-se de uma compensação especial por morte, que tem na sua origem os riscos próprios, decorrentes da atividade policial ou de segurança (neste caso, da atividade de guarda prisional), não tendo como pressuposto ou causa de pedir nenhum facto criminoso.

  17. Em vista disso, tal indemnização sempre seria arbitrada, independentemente de estar ou não em causa responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do agente, dado que ela é invariavelmente devida, contanto que estejam reunidos os requisitos especiais para a sua atribuição (neste caso, a morte).

  18. A apontada compensação especial tem um caráter suplementar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT