Acórdão nº 551/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução09 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 551/2022

Processo n.º 803/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do despacho proferido pela Juíza Desembargadora Relatora, datado de 28 de junho de 2022, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante, em 29 de maio de 2022.

2. O recurso de constitucionalidade foi interposto nos seguintes termos:

«A., arguido nos Autos à margem referenciados e neles melhor identificada, não se conformando com o Despacho proferido em 16 de maio de 2022, notificado a 17/05/2022,

Vem ,

Requerer a V. Exa. que se digne admitir apresente interposição de Recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, com subida imediata, nos próprios Autos e com efeito suspensivo, iniciando um processo de fiscalidade concreta, nos termos dos artigos 280.º da Constituição da República Portuguesa e 70.º n.º 1, 72º, n.º 1, alínea b), 75º, n.º 1, 75.º-A, n.º 1, 78.º, n.º 3 da lei Orgânica do Tribunal Constitucional, com as devidas consequências legais.

[...]

VENERÁVEIS JUÍZES CONSELHEIROS, TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

A., Arguido e Recorrente no processo à margem referenciado e aí melhor identificado, notificado, em 17 de maio de 2022, do Acórdão proferido, em 16 de maio de 2022 da reclamação apresentada no processo supra identificado, vem, sempre com o devido respeito, recorrer de tal acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, legitimado para o efeito nos termos do artigo 72º, nº 2, e verificado que está o disposto no artigo 70º, nº 2, todos da Lei do Tribunal Constitucional, pelas seguintes juízos e aplicação de normas, cujas ilegalidade e inconstitucionalidade foram suscitadas no recurso interposto, em 10 de novembro de 2021 para o Tribunal da Relação de Coimbra do Acórdão condenatório proferido, em 1a instância, e que se constata concretamente persistirem e se manterem no Acórdão ora recorrido:

1. Decisão sobre factos concretamente considerados como provados pelo Tribunal, com omissão de fundamentação para o efeito, é não só ilegal por violação dos artigos 97º, n.º 5, e 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e nula como estipulado no artigo 379º, n.º 1, alínea a), deste mesmo diploma legal, como também, e acima do mais inconstitucional, na aplicação daqueles preceitos como mantida no acórdão sob recurso, por violação do dever consagrado no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

2. Decisão sobre a matéria de facto em que o Tribunal não dá cumprimento ao disposto nos artigos 97º, n.º 5, e 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por força de insuficiente exame crítico e/ou insuficiente fundamentação da sua decisão, é não só ilegal, como inconstitucional, por violação, mediantes tais interpretação e aplicação daqueles preceitos como mantida no acórdão recorrido, do consagrado no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

2. São não só ilegais, como inconstitucionais a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 97º, n.º 5, 374º, n.º 2, e ainda 127º do Código de Processo Penal, omitindo o tribunal explicitação do processo de formação da sua convicção, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, porque conjugada com a norma da alínea c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do pleno exercício do direito elementar de recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º, também da Constituição da República Portuguesa.

3. São não só ilegais, como inconstitucionais a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 97º, n.º 5, 374º, n.º 2, e ainda 127º do Código de Processo Penal, omitindo o tribunal explicitação do processo de formação da sua convicção, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, porque conjugada com a norma da alínea c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do pleno exercício do direito elementar de recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º, também da Constituição da República Portuguesa.

4. É inconstitucional sentença, na interpretação e aplicação nela feita do previsto no artigo 374º, n.º 2, bem como do previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal à revelia da prova produzida nos autos e mesmo a esta contrariando, por violação dos princípios da presunção de inocência e in dúbio pro reo, com consagração no artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 11º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 6º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e ainda no artigo 48º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Pelas supra (em 1., 2. e 3.) aludidas ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação e aplicação, tal como persistem no acórdão recorrido, dos artigos 374º, n.º 2, e ainda 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal, em violação do dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, interpõe, o Arguido e Recorrente, também o presente recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea g) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, atendendo a que já anteriormente — nomeadamente, por Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98 (2a Secção — processo n.º 456/95), reportado já a 2 de Dezembro de 1998 - foi julgada inconstitucional "a norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1a instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º, também da Constituição", o que é contrariado, mesmo face ao que atualmente se prevê e mais exige ainda no n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, pelo decidido em 1ª instância e mantido no acórdão ora recorrido.

5. Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 71º n.º 1 CP segundo o qual "Ao nível da punição de vários arguidos mostra-se possível não atender às diferenças ao nível da medida da culpa dos agentes e das exigências de prevenção, as quais estão subjacentes e presidem à determinação da medida da pena, permitindo que as penas parcelares e únicas aplicadas a seis arguidos sejam iguais não obstante as diferenças sensíveis ao nível dos antecedentes criminais, idade aquando da prática dos factos, culpa e graus de atuação";

Mostra-se disforme à lei fundamental por violação dos princípios da proibição da dupla valoração, da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, da culpa, da tipicidade, igualdade, necessidade/carência de tutela penal e legalidade, a interpretação e dimensão normativa do art. 25º, do DL 15/93 quando interpretado no sentido do preenchimento dos elementos típicos do crime de tráfico de estupefacientes, punido e previsto pelos artigos 25º, a) do Decreto-Lei nº 15-93, de 22-01, pelos quais foi condenado, antes considerando inclusive se ter verificado o circunstancialismo atenuante de detenção ilícita de estupefacientes (art. 40º-2 do DL n.º 15/93 de 22-01), que pune a conduta com prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.

É inconstitucional, por violação dos princípios da tipicidade, igualdade, necessidade/carência de tutela penal e legalidade, a interpretação e dimensão normativa do art. 25º do DL 15/93 quando interpretado no sentido de "[P]ara o preenchimento e condenação pela prática deste tipo legal de crime, não se mostra necessário dar como provado o dolo específico individual, nomeadamente fazendo alusão a qualquer objetivo comum de violação das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes bem como decorrentes consequências para a paz pública e segurança de toda a comunidade"

Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 71º n.º 1 CP segundo o qual "Ao nível da punição de vários arguidos mostra-se possível não atender às diferenças ao nível da medida da culpa dos agentes e das exigências de prevenção, as quais estão subjacentes e presidem à determinação da medida da pena, permitindo que as penas parcelares e únicas aplicadas a seis arguidos sejam iguais não obstante as diferenças sensíveis ao nível dos antecedentes criminais, idade aquando da prática dos factos, culpa e graus de atuação";

Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado nos doutos acórdãos recorridos, proferidos pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a concluir pela legalidade do processado e confirmação da douta decisão condenatória recorrida.

Tudo em violação dos princípios da legalidade, in dúbio pro reo, da igualdade, da proporcionalidade, da culpa, da segurança jurídica, da proteção da confiança e interpretação das leis, em nome de obediência pensante, sendo violador, desde logo, dos arts. 9º CC e 1º, 2º, 13º, 18º, 20º, 32º n. os 1 e 10, 202º n.º 2 e 203º a 205º da CRP, para além de diversas normas legais consagradoras de tais direitos e princípios, sejam nacionais ou com consagração e assento em diversos textos de Direito internacional.

Tais...

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