Acórdão nº 083/12.0BECTB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução07 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão 1. RELATÓRIO 1.1.

A…….., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a Oposição que deduziu no processo de execução fiscal n.º 1295200601003097 e apensos, instaurada contra B……. e esposa para cobrança coerciva de dívidas de Imposto de Rendimento Singular (IRS), dos anos de 2000, 2001 e 2002, no valor global de € 34.515,04, contra si revertida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Foz Coa, recorreu para este Supremo Tribunal.

1.2.

Admitido o recurso jurisdicional, o Revertido, doravante Recorrente, apresentou alegações que finalizou desta forma: «I.

Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, em 01-10-2021, nos autos de oposição n.º 83/12.0BECTB, e que julgou improcedente a oposição à execução.

II.

O aqui Recorrente delimita o objecto do recurso, pretendendo unicamente a apreciação, em sede de recurso, da sentença, na parte da relativa à prescrição das obrigações tributárias.

Competência em razão da hierarquia: III.

Nas presentes conclusões, o Recorrente não questiona matéria factual, pelo que o Tribunal competente, em razão da hierarquia, é o Supremo Tribunal Administrativo - artigo 280.º, n.º 1, do CPPT.

IV.

A qualificação, como coercivo, do pagamento das dívidas exequendas, efectuada pelo aqui Recorrente nas presentes conclusões, deverá considerar-se ainda como matéria de direito, uma vez que «o juízo sobre a espontaneidade do pagamento não constitui um juízo de facto, na medida em que resulta, não da ilação de facto retirada pelo juiz dos factos provados, mas sim de uma ilação jurídica retirada desses factos, da subsunção dos factos ao conceito de pagamento espontâneo do n.º 2 do art. 403.º do CC» - Acórdão do STA, de 10-07-2013, proferido no processo n.º 912/13.

V.

Pelo que o STA é competente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do presente recurso.

Prescrição das obrigações tributárias exequendas: VI.

Tal como resulta do probatório, pontos nrs. 12 e 23, as obrigações tributárias exequendas provêm, todas, de IRS, respeitando aos anos de 2000, 2001 e 2002, as respectivas liquidações foram praticadas nos seguintes anos: 2000 - em 2004; 2001 - em 2004 e 2002 - em 2006 e o Recorrente foi citado para a execução em 12-01-2012, na qualidade de responsável subsidiário.

VII.

Ora, uma vez que o Recorrente foi citado para execução mais de cinco anos após as liquidações, não lhe são oponíveis as causas de interrupção verificadas na esfera jurídica do devedor originário - artigo 48.º, n.º 3, da LGT - interpretação coincidente com a da sentença recorrida, a qual entendeu ser «indubitável que a responsabilidade do revertido na qualidade de “terceiro adquirente de bens do executado” tem natureza “subsidiária”, pelo que se aplica à prescrição o disposto no artigo 48º, nº 3, da LGT».

VIII.

Não obstante, entendeu a sentença recorrida que «no caso concreto, tendo a dívida sido paga espontaneamente, conforme resulta do ponto 26 de 3.1 supra, torna-se irrelevante apurar concretamente se ocorreu ou não a prescrição», dado que «se [a dívida] for espontaneamente paga, designadamente para aproveitar benefícios fiscais ou outras vantagens, já não poderá ser “repetida” (artigo 403º do CC). Isto é, o devedor não pode pedir a devolução (“re-petire” ou re-pedir ou pedir retorno) da obrigação natural que pagou espontaneamente em cumprimento do dever de justiça, com fundamento na prescrição da obrigação jurídica (a solução não seria a mesma se o pagamento tivesse resultado [de] coerção)».

IX.

Contrariamente ao entendido na sentença sob recurso, o referido pagamento não pode qualificar-se como espontâneo.

X.

Como resulta dos factos provados, o Recorrente procedeu ao pagamento da dívida exequenda, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, e mais de dois anos depois de ter expressamente invocado a prescrição das dívidas exequendas na p.i. de oposição, tendo declarado peremptoriamente nos presentes autos que «mantém interesse no controlo jurisdicional do ato».

XI.

O Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, contém «um regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal, bem como de dívidas à segurança social […]» - artigo 1.º, n.º 1, sendo que, no Preâmbulo do referido decreto-lei, escreveu-se que «o regime deverá […], no que às pessoas singulares respeita, configurar o acesso a um regime excecional de regularização das suas dívidas à administração fiscal, e à segurança social».

XII.

Dúvidas não existem, pois, que o regime ao abrigo do qual o agora Recorrente procedeu ao pagamento da dívida exequenda revestiu natureza excepcional e que o referido pagamento foi realizado no âmbito de «um regime excecional de regularização das suas dívidas à administração fiscal».

XIII.

Também inexiste qualquer dúvida que o pagamento em causa não foi efectuado de modo espontâneo, mas sim com a estrita finalidade ou motivação de retirar vantagem da redução de determinados encargos associados ao pagamento das dívidas em questão - artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro.

XIV.

O artigo 9.º, n.º 3, da LGT, cuja epígrafe é, significativamente, "Acesso à justiça tributária", dispõe que: «o pagamento do imposto nos termos de lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei».

XV.

Corolário deste princípio, o artigo 96.º, da LGT, estabelece o princípio da irrenunciabilidade do direito de impugnação ou de recurso, enquanto manifestação deste direito como direito pessoal fundamental de tutela.

XVI.

Deste modo, o pagamento da dívida, nos moldes em que o foi, não pode inviabilizar ou fazer precludir o direito e o interesse legítimo que o Oponente tem em ver apreciada e decidida a invocada prescrição, obtendo decisão judicial que decida ser a dívida exequenda exigível ou não.

XVII.

É certo que a situação prevista no artigo 403.º, n.º 1, do Código Civil, em que se proíbe a restituição da quantia com que foi paga obrigação tributária prescrita, é a do pagamento espontâneo, mas é igualmente certo que não pode considerar-se como tal o pagamento a que o agora Recorrente procedeu, que, apesar de voluntário, foi sido efectuado para usufruir do benefício de dispensa de juros e custas, ao abrigo do para os efeitos do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro e mesmo que a obrigação tributária esteja prescrita, uma vez que o artigo 403.º, n.º 1, do Código Civil que dispõe «a prestação considera-se espontânea quando é livre de toda a coacção».

XVIII.

Assim, não podendo qualificar-se o pagamento em causa como espontâneo, deve concluir-se que mantém utilidade o conhecimento da questão da prescrição da dívida exequenda, uma vez que o aqui Recorrente poderá, por esta via, obter a restituição do montante indevidamente pago.

XIX.

A Doutrina e Jurisprudência do STA são pacíficas quanto à manutenção da utilidade da lide judicial, ainda que de oposição à execução, quando o pagamento efectuado não seja espontâneo.

XX.

Deste modo - e de modo diverso do que foi entendido na sentença recorrida -, haverá que considerar-se que o pagamento da dívida exequenda, efectuado pelo aqui Recorrente, ao abrigo e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, não pode considerar-se espontâneo, porque visou usufruir de um regime de pagamento excepcional e favorável e foi efectuado mais de dois anos após o Recorrente invocar, junto da AT e por via judicial na presente oposição, a prescrição das obrigações tributárias, acrescendo que apenas assim se garantirá a tutela judicial efectiva do Recorrente, enquanto revertido.

XXI.

Por conseguinte, mantém-se a utilidade da lide de oposição na sequência do pagamento voluntário da dívida pelo Recorrente para poder aceder ao benefício concedido pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, pelo que o conhecimento da questão da prescrição daquelas obrigações mantém utilidade, devendo a prescrição ser conhecida, e sendo, em consequência, revogada a sentença recorrida, com fundamento na violação dos artigos 9.º, n.º 3, e 96.º, ambos da LGT.

XXII.

Nas palavras da própria sentença sob recurso, «a responsabilidade tributária pelas dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária (artigo 22º, nº 3, da LGT) e […] o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários só pode ocorrer através do ato de reversão (artigos 23º, nº 1, da LGT e 159º do CPPT)», sendo assim é «indubitável que a responsabilidade do revertido na qualidade de “terceiro adquirente de bens do executado” tem natureza “subsidiária”, pelo que se aplica à prescrição o disposto no artigo 48º, nº 3, da LGT».

XXIII.

Daqui decorre com clareza que a sentença recorrida só não reconheceu a prescrição das dívidas exequendas porque considerou - incorrectamente, como já vimos - que o respectivo pagamento, ainda que realizado para os efeitos do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, obstava ao conhecimento daquela questão.

XXIV.

Sendo a reversão contra o aqui Recorrente efectivada nos termos do artigo 23.º, da LGT, enquanto responsável subsidiário, tem plena aplicação o disposto no artigo 48.º, n.º 3, da LGT.

XXV.

A citação do Recorrente para a execução ocorreu, em todos os casos, «após o 5.º ano posterior ao da liquidação» e, por esta razão, as causas interruptivas da execução, oponíveis ao executado originário, não são oponíveis ao Recorrente - artigo 48.º, n.º 3, da LGT.

XXVI.

Daí decorrendo que, à data da citação do aqui Recorrente para a execução, já se havia completado, quanto a todas as dívidas - o prazo prescricional previsto no artigo 48.º, n.º 1, da LGT, pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida e declarada a referida prescrição, nos termos alegados.

XXVII.

Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o artigo 48.º, nrs...

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