Acórdão nº 0929/17.7BEPRT 01504/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 07 de Setembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A…… SGPS, S.A.
, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 24-03-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a reclamação do despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, proferido em 17-08-2016, que indeferiu a garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805201601031635, e absolveu a Fazenda Pública do pedido.
Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A….. SGPS, S.A.
, as seguintes conclusões, após convite de aperfeiçoamento no sentido de as sintetizar: 1.
Ao decidir pela aplicabilidade do artigo 199.º-A do CPPT à prestação da garantia em causa nos autos, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento.
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O artigo 199.º-A do CPPT foi aditado pela Lei n.º 7-A/2016, com início de vigência a 31.10.2016.
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Todavia, tendo a garantia sido prestada em 10.03.2016, aquele artigo 199º-A do CPPT, porque entrado em vigor apenas em 31.03.2016, é inaplicável ao caso.
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Consequentemente, é também inaplicável in casu o disposto no artigo 15.º do CIS - para o qual remete aquele novo artigo 199º-A do CPPT.
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Assim, ao invés do decidido pelo Tribunal a quo, não é aceitável a aplicação de uma lei que não estava em vigor na data de apresentação da garantia, 6.
e que tampouco estava em vigor dentro do prazo legal de que o órgão de execução fiscal dispunha para proferir uma decisão sobre a mesma, 10 dias (cfr. artigo 21.º a) do CPPT).
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Estando em causa normas que estabelecem os pressupostos de idoneidade da garantia, o contribuinte apenas logrará aferir do cumprimento desses pressupostos no momento em que presta a garantia.
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A partir do momento em que prestou a garantia, o contribuinte confia, fundadamente, que, dentro do prazo legal de decisão, a idoneidade da garantia vai ser aferida pela AT em função dos pressupostos legais vigentes nesse momento - e não em função de alterações legais supervenientes.
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Caso a garantia tivesse sido apreciada pela AT dentro do prazo legal, como deveria, ela jamais poderia ter sido indeferida nos termos em que o foi.
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Caso assim não fosse, estava encontrada a forma da AT dilatar no tempo, indefinidamente, a decisão sobre a garantia prestada, para, desse modo, se fazer prevalecer de um ulterior normativo não vigente no momento em que o contribuinte foi colocado na contingência de prestar garantia.
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Contrariamente ao decidido, a aplicabilidade imediata do artigo 199º-A do CPPT (lei nova) não resulta do disposto no artigo 12.º n.º 3 da LGT (ou seja, atento o facto de estarmos perante uma norma “sobre procedimento e processo”).
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Outrossim, está em causa o momento em que se aferem os pressupostos de idoneidade da garantia – o que ocorre no momento em que a garantia é prestada.
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A aplicação imediata da norma também não é compatível com “as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos”, que devem ser salvaguardados (cfr. artigo 12.º n.º 3 da LGT, in fine).
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Como resulta do probatório, a Recorrente tinha a legítima expectativa de ver aceite a garantia/fiança em questão, nos mesmos moldes em que já havia sido anteriormente aceite pela AT, em 07.09.2015, fiança igual.
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Com efeito, o contribuinte foi confrontado com uma “decisão-surpresa”.
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A circunstância de se estabelecer a aplicação imediata da norma às garantias aceites até à data de entrada em vigor da lei nova, para determinação da necessidade de reforço/substituição da garantia anteriormente prestada (cfr. nº 1 do artigo 177.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30.03), não sustém a decisão recorrida.
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Desde logo, como se retira dos autos, não está em causa o reforço ou substituição de garantia anteriormente prestada - pelo que aquela disposição transitória é inaplicável.
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Com efeito, o que está em causa é o indeferimento de garantia prestada com base nos pressupostos da lei antiga (em vigor à data).
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Mais: o legislador jamais poderia pretender aplicar o novo critério de idoneidade à “prestação de garantias já pedidas” (cfr. Sentença) – muito menos a garantias já prestadas.
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Com efeito, a garantia não foi solicitada pela AT ou prestada pelo contribuinte com base nos critérios de idoneidade constantes do artigo 199.º- A do CPPT - que não estava em vigor - mas apenas com base nos critérios constantes do então vigente artigo 199.º do CPPT.
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Daí que o contribuinte jamais pudesse ter prestado a garantia com base naqueles ulteriores critérios legais - desconhecidos à data, como é óbvio.
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O entendimento do Tribunal a quo conduz a injustificada desigualdade material.
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Basta atender ao exemplo de um outro contribuinte que prestou garantia exactamente no mesmo dia da Recorrente, mas que viu ser proferida decisão dentro do prazo legal de 10 dias - ou, pelo menos, antes da entrada em vigor do artigo 199.º-A do CPPT.
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O entendimento deste Venerando STA firmado no douto Acórdão de 06.07.2016, Proc. n.º 0728/16, não se aplica in casu, pois ali Tribunal sindicou a legalidade de uma decisão de indeferimento de garantia que não se fundou no artigo 199.º-A do CPPT – já este, então, não estava em vigor.
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A aplicação no tempo das normas tributárias, enunciada no art.º 12.º da LGT, consigna o princípio de que a lei fiscal nova só rege para o futuro, não sendo aplicável a factos ou situações ocorridas no passado.
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Quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do Direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas sem eficácia retroactiva (artigos 12.º do C.Civil e 12.º, n.º 3 da LGT).
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Assim, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento – por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 12.º n.º 3 da LGT, 21.º a), 199.º e 199.º -A do CPPT.
Sem prescindir, 28.
Ainda que, por mera hipótese, fosse aplicável ao caso o disposto nos artigos 199.º-A do CPPT e 15.º do CIS, a AT incorreu em erros de aplicação de lei e, para mais, não fundamentou as operações de cálculo que efectuou.
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Em relação à valorização da rubrica a deduzir elencada na alínea d) do nº 1 do artigo 199º-A do CPPT (“quaisquer créditos do garante sobre o executado”), a lei não permite que nesta rubrica sejam considerados valores das dívidas da sociedade garante.
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Com efeito, a alínea d) do nº 1 do artigo 199º-A do CPPT manda deduzir apenas os “créditos do garante sobre o executado” - e não quaisquer dívidas ou créditos do garante perante terceiros, como erradamente foi considerado in casu pela AT.
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Acresce que, em suposto cumprimento da alínea b) do nº 1 do artigo 199.º-A do CPPT, a AT deduziu o valor da participação que outra sociedade, que não a fiadora B…….
(a A…… Finance BV), detinha na Recorrente – o que também viola claramente aquele preceito legal.
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Adicionalmente, também ao contrário do entendimento da AT, a lei não determina que seja considerado “o valor das garantias já prestadas a favor de subsidiárias e aceites pela AT”.
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Mais: no cômputo do valor a deduzir elencado na alínea c) do nº 1 do artigo 199.º-A do CPPT – “passivos contingentes” - da sociedade garante, a AT considerou as dívidas da B…… à AT (€ 824.186,27) que se encontram devidamente garantidas, conforme reconhece expressamente a própria AT.
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Pelo que não se vislumbra de que modo tais valores foram considerados como “passivo contingente” – dada a existência de garantia, aceite pela AT, para o seu bom cumprimento.
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Não obstante, o Tribunal a quo conclui pela inexistência do vício de fundamentação.
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Ora, se o Tribunal a quo tivesse apreciado os sobreditos erros de aplicação de lei (cfr. 28. a 34. supra) – pressupondo precisamente a (suposta) aplicação do artigo 199.º-A do CPPT à garantia em causa – decerto teria concluído em sentido inverso.
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De facto, face ao teor do despacho administrativo em causa, o mesmo afigura-se ilegal, obscuro e ininteligível.
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Com efeito, ao invés do decidido, a AT incorreu em vício de fundamentação das operações de cálculo e apuramento, ao não explicitar, factual e juridicamente, por que razões considerou os sobreditos valores (cfr. 28 a 34. supra) - em violação dos artigos 77.º n.º 1 e 2 da LGT, 153.º do CPA e 268.º nº 3 da CRP.
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A solução dada pelo Tribunal a quo não obstava quer ao conhecimento dos invocados erros de aplicação de lei, quer à sindicância das mesmas questões à luz do dever legal de fundamentação (cfr. artigo 608º nº 2 do CPC).
Ainda sem prescindir, 40.
Ainda que se considerasse aplicável o artigo 199.º-A do CPPT – o que não se concede e apenas se admite como hipótese de raciocínio –, a metodologia que tal norma preconiza viola o princípio da proporcionalidade.
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De resto, como ponderado pelo Tribunal a quo – desta feita correctamente – “a AT criou uma metodologia para aferir da idoneidade da fiança oferecida, que na prática impossibilitava o uso da fiança como garantia”.
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O caso dos autos é demonstrativo disso mesmo - a AT considera inidónea uma garantia prestada por uma sociedade cotada em Bolsa, que, como provado, tinha um activo de €819.129.439,00 e capitais próprios positivos de €579.911.622,00.
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A própria AT concluiu que “o valor total das acções da empresa garante é de 136.000.000 Euros” - cento e trinta e seis milhões de Euros.
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Ora, a dívida exequenda corresponde a uma ínfima parte desse valor - pelo que a sociedade garante revela capacidade económico-financeira bastante para garantir uma dívida exequenda de apenas 0,45% dos seus capitais próprios.
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Pelo que a garantia em causa é manifestamente “susceptível de assegurar os créditos do exequente” (artigo 199º nº 1 do CPPT).
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Pelo que o Tribunal deve desaplicar o artigo 199.º-A do CPPT - por violação, in casu, dos princípios legais da justiça e proporcionalidade, consignados nos artigos 55.º da LGT e 266.º n.º 2 da CRP.
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Ao contrário do que afirma a AT, do artigo 15.º do CIS não se extrai que...
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