Acórdão nº 544/22 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução25 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 544/2022

Processo n.º 799/2022

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Fernando Barbosa Alves Pereira, militante do CDS-PP n.º 131700272, Filipa Correia Pinto, militante do CDS-PP n.º 1603000714, João António Merino da Rocha Leal de Moura, militante do CDS-PP n.º 151200410, Adriano Teixeira Alves dos Santos, militante do CDS-PP n.º 1301000129, Bruno Filipe Oliveira Lino Silva da Costa, militante do CDS-PP n.º 110604659, Fernando Manuel Carvalho Camelo de Almeida, militante do CDS-PP n.º 011500095 e Dora Cruz Pinto de Almeida Vilhena, militante do CDS-PP n.º 090400010 (doravante, os impugnantes), deduziram a presente ação de impugnação, nos termos do artigo 103.º-D, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), e pediram a suspensão da eficácia das deliberações tomadas pelo Conselho Nacional do CDS-PP em 29/04/2022 relativamente ao pagamento de quotas e à capacidade eleitoral ativa dos militantes (adiante melhor identificados), na sequência de deliberação do Conselho Nacional de Jurisdição do partido de 18/07/2022, que indeferiu a impugnação que os ora impugnantes apresentaram contra os referidos atos do Conselho Nacional. Mais requereram, ao abrigo do artigo 103.º-E, n.º 1, da LTC, a suspensão da eficácia das deliberações.

1.1. No seu pedido, os impugnantes invocam o que ora se transcreve:

“[…]

1. O CDS-PP reuniu o Conselho Nacional do partido no passado dia 29 de abril, constando do ponto 2 e 3 da Ordem de Trabalhos o seguinte:

«3 – Revogação da Deliberação do Conselho Nacional de 30 de outubro de 2008 da suspensão do pagamento de quotas;

4 – Propostas de alteração ao Regulamento Financeiro, Regulamento de Admissões e Transferências, Regulamento da Atualização de Militantes, Regulamento Eleitoral e Regulamento dos Órgãos Locais;»

2. Aos Conselheiros Nacionais foram facultados os documentos que se juntam e cujo conteúdo se dá por reproduzido.

3. Estavam em causa um conjunto de alterações regulamentares de forma a tornar, para todos os militantes e com efeitos a 1 de maio de 2022, obrigatório o pagamento de uma quota mensal de €2,00.

4. Designadamente, foi deliberado suspender a capacidade eleitoral passiva e ativa dos militantes cujas quotas obrigatórias se encontrem em atraso por mais de 3 meses (alteração ao art. 5.º do Regulamento de Atualização de Militantes do CDS-PP),

5. Prevendo-se a remoção de tal suspensão, quanto à eleição dos órgãos locais – e apenas quanto a estes – mediante o pagamento das quotas em atraso até 8 dias antes do ato eleitoral.

6. Adicionalmente, previu-se que os militantes com ‘dificuldades económicas’ pudessem requerer ao Secretário-Geral do partido uma isenção anual, a conceder mediante autorização da Comissão Executiva, uma vez documentada a invocada “dificuldade financeira” através da apresentação de Declarações de IRS ou, inexistindo estas, de outros documentos da esfera reservada dos cidadãos que, curiosamente, também podem não existir (alteração ao art. 13.º do Regulamento Financeiro do CDS-PP).

7. Deliberou-se ainda que tais deliberações produzissem efeitos imediatos.

8. As propostas de deliberação constantes da Ordem de Trabalhos de tal reunião foram todas aprovadas, nos termos dos documentos previamente fornecidos aos membros do Conselho Nacional, porém, a respetiva ata só é, nos termos do Regimento do órgão, elaborada e aprovada na reunião seguinte do órgão, pelo que o Requerente dela não dispõe nem se encontra prevista a existência de qualquer outro documento que comprove o teor das deliberações tomadas, o qual, de resto, a Mesa do Conselho Nacional não forneceu aos Requerentes.

9. Tais deliberações foram impugnadas pelos ora Requerentes junto do órgão de jurisdição do CDS-PP nos termos dos Regulamentos internos em vigor, tendo-se ainda requerido a sua suspensão preventiva (doc. n.º 2 que se junta e cujo conteúdo se dá por reproduzido).

10. O Conselho Nacional de Jurisdição do CDS-PP indeferiu integralmente todas as pretensões dos Requerentes, proferindo o Acórdão que se junta sob o documento n.º 3, notificado aos requerentes em 18 de julho de 2022.

11. Sucede que o regime fixado é, contudo, gravemente atentatório dos princípios constitucionais da livre participação na vida democrática, da igualdade, do direito político de, estando inscrito num partido político, nele participar plenamente e, ainda, do direito à reserva da intimidade da vida privada.

12. Com efeito, o regime fixado pelo Conselho Nacional, globalmente considerado, pela sua radicalidade e severidade e, sobretudo, pela sua natureza sancionatória, viola os Estatutos do Partido, desde logo, do ponto de vista material, no seu art. 7.º mas, também, no seu art. 29.º, já que, no elenco das competências do Conselho Nacional, não se vislumbra a faculdade de impor limites inultrapassáveis à participação na vida interna do partido.

Senão vejamos:

13. A Lei dos Partidos Políticos impõe que estejam fixados nos respetivos Estatutos – e não em qualquer outro documento normativo de grau inferior – as condições do exercício dos direitos de militância e as condutas passiveis de determinar a aplicação de sanções ou de destituição de qualquer dos seus cargos.

14. E repare-se que nenhum outro partido político em Portugal em que vigore a obrigatoriedade do pagamento de quotas como condição do exercício dos direitos e participação se dispensou de o prever expressamente nos seus Estatutos.

15. Vejam-se, a título de exemplo, os Estatutos do Partido Social Democrata (n.º 3 do art 6.º), do Partido Socialista (n.º 2 do art. 9.º), do Chega (n.º 3 do art. 10.º) ou da Iniciativa Liberal (alínea b) do n.º 1 do art 2.º).

16. É que, na prática, a suspensão de todos os direitos do militante pelo não pagamento das quotas é, antes de mais, equivalente à exclusão administrativa da inscrição do militante no partido – é nisso que redunda deixar de ser membro do respetivo plenário Concelhio ou Distrital, que recorde-se, nos termos dos Estatutos, são órgãos do Partido.

17. E não há qualquer dúvida de que a lei reconhece aos partidos a faculdade de fixarem, neste aspeto, as suas próprias regras de funcionamento, designadamente quem pode e não pode ser destituído de membro de determinado órgão, contanto, naturalmente, que tais regras constem dos Estatutos (cfr. n.º 2 do art. 31.º da LPP).

18. Igualmente, em desenvolvimento dos princípios constitucionais, a Lei dos Partidos políticos impõe ainda que o direito de militância num partido não pode ser limitado em razão da condição económica.

19. Ora, o regime de isenção de pagamento obrigatório de quotas aprovado pelo Conselho nacional é, na realidade, inexequível e foi talhado para não passar de letra morta.

20. Ninguém no seu perfeito juízo acredita que um cidadão comum faça depender a sua vontade de aderir a um partido político da necessidade de expor à respetiva comissão executiva a sua detalhada realidade financeira (e, eventualmente até, a do seu agregado familiar).

21. Fornecendo-lhe documentos cobertos inclusivamente pelo sigilo fiscal e dando-lhe a conhecer o valor do IRS pago no último ano.

22. Repare-se na perfídia do novél n.º 8 do art. 13.º do Regulamento Financeiro: exige-se ao militante que forneça a própria liquidação do último IRS pago – não se basta com menos!

23. Tal condição, prevista naquela norma, manifestamente abusiva, atenta contra a reserva da intimidade da vida privada, é desproporcionada, irrazoável e impraticável,

24. Tornando a dispensa de quota excessivamente onerosa e, consequentemente, inatingível.

25. Não pode sequer dizer-se que a quota anual exigida aos militantes seja simbólica: 24€ anuais fazem diferença na economia de muitos portugueses e, naturalmente, num partido interclassista e popular como o CDS, farão diferença na vida de muitos militantes.

26. O regime fixado pelo Conselho Nacional constitui, pois, uma limitação inultrapassável aos direitos de filiação previsto na lei em razão da situação económica,

27. O que, além do mais, viola o princípio da igualdade constitucionalmente previsto.

28. Em suma, as deliberações do Conselho Nacional que ditaram a atual redação do art. 5.º do Regulamento de Atualização de Militantes e a atual redação do art. 13.º do Regulamento Financeiro, todos do CDS-PP, são nulas,

29. Por violarem os limites da competência estatutária conferida ao Conselho Nacional e produzirem alterações essenciais às regras de funcionamento do Partido que têm de constar dos Estatutos (e que são, consequentemente, competência reservada do Congresso);

30. Por violarem diretamente os Estatutos do partido (designadamente os artigos 5.º, 7.º e 29.º);

31. Por imporem um regime de perda da condição de militante que a LPP obriga a que se encontre previsto nos Estatutos dos partidos políticos;

32. Por violarem a regra legal segundo a qual ninguém pode ser impedido de militar num partido em razão das suas condições económicas;

33. Por imporem desproporcionadamente o levantamento da reserva da intimidade da vida privada;

34. Por violarem os direitos constitucionais de participação democrática e por atentarem contra o princípio da igualdade.

35. Assim sendo, não podem as deliberações tomadas pelo Conselho Nacional reunido no dia 29 de abril quanto aos pontos supra enunciados considerar-se válidas: elas estão feridas de nulidade, cujo reconhecimento se impõe.

36. Encontram-se esgotados os meios processuais previstos nas normas internas do CDS-PP, bem como se encontra cumprido o prazo previsto para requerer a tutela do Tribunal Constitucional previsto na respetiva lei.

Protesta juntar :3 documentos e procurações.

Termos em que deve a eficácia das deliberações tomadas pelo Conselho Nacional do CDS-PP reunido no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT