Acórdão nº 545/22 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução29 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 545/2022

Processo n.º 832/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), do despacho proferido por aquele Tribunal que, em 15 de julho de 2022, não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

No processo a quo, o aqui reclamante foi julgado, conjuntamente com outros arguidos, no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal, Juiz 3, tendo sido condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão, pela prática em autoria material dos crimes de burla e burla qualificada na forma tentada e pela prática em coautoria material dos crimes de roubo agravado, roubo e furto qualificado. O agora reclamante e outros interpuseram recursos para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 23 de novembro de 2021, foram julgados totalmente improcedentes, tendo A. interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o qual, por acórdão de 2 de junho de 2022, decidiu rejeitar o recurso em tudo o que excede o que respeita à determinação da pena única e negar provimento ao recurso na parte em que dele se conhece, confirmando o acórdão recorrido. Notificado de tal aresto, veio o ora reclamante arguir a nulidade do mesmo por, em seu entender, não se ter pronunciado relativamente a todas as questões invocadas no recurso apresentado, tendo o requerido sido indeferido por Acórdão de 30 de junho de 2022, em virtude de a arguição de omissão de pronúncia ser manifestamente improcedente.

2. Notificado desta decisão, o recorrente apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, argumentando o seguinte (fls. 8551-8556):

«(…)

Todas as questões Constitucionais, objeto do presente Recurso de Constitucionalidade, foram todas elas já suscitadas no âmbito dos recursos interpostos ao longo de todo processo, nomeadamente, no recurso interposto quer e no requerimento de arguição de nulidade.

Pretendendo o ora Recorrente, ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação levada a cabo quer pelo Tribunal da Relação de Évora, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, que perfilhou o entendimento já levado a cabo pelo Tribunal da Relação, das seguintes normas:

DO NÃO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DAS CONCLUSÕES APRESENTADAS:

No acórdão que recaiu sob o recurso interposto para o STJ, não se conheceu do recurso interposto da matéria de facto, sem que aos recorrentes A., tivesse sido feito o convite para suprir qualquer das especificações previstas nas als. a), b), e c), do n.º 3 do artigo 412.º, com referência ao art.º 414.º, n.º 2, do CPP.

Tal interpretação do art.º 412.º do CPP é inconstitucional, por violação do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º e do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, com referência ao direito de acesso à justiça, consignado, no artigo 20.º, todos da Constituição, essa interpretação normativa.

Assim, é ilegal a decisão de não conhecer, sem mais, do recurso do ora arguido relativo à impugnação da matéria de facto, apenas porque, alegadamente, aquele não dera satisfação às exigências formais do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal é, agora, pacífica, quanto à aceitação e consagração positivada, pela Reforma de 98, de um efetivo duplo grau de jurisdição em matéria de decisão de facto, mesmo que proferida pelo tribunal coletivo.

Tanto basta para concluir que a interpretação e a aplicação que foi feita por esta Relação das normas referidas, afetando desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa (o direito ao recurso), revelam-se violadoras das normas conjugadas dos artigos 32.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição".

Com efeito, se a rejeição do recurso só ocorre faltando a motivação, a extensão desta 'sanção' à falta das conclusões consiste num alargamento do âmbito da norma, ou seja, na criação de um outro fundamento de rejeição.

Por outro lado, o dever de convidar o recorrente a apresentar ou aperfeiçoar as conclusões antes de rejeitar o recurso corresponde à exigência de um processo equitativo, porquanto o essencial do próprio recurso – as alegações ou a motivação – já se encontram nos autos, apenas faltando a fase conclusiva, ou parte dela.

Assim, é efetivamente inconstitucional, designadamente por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição, a interpretação normativa do art.º 412.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que nele se preveem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade processual de suprir o vício detetado.

Em face do exposto, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição, a interpretação normativa do art.º 412.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que nele se prevêm o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade processual de suprir o vício detetado.

Esta consequência imediata não pode deixar de ser considerada como limitação desproporcionada das garantias de defesa, e em particular do direito ao recurso, do arguido em processo penal, consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Tal imediato efeito preclusivo não se afigura, nem necessariamente imposto pelo preceito legal aplicável (que apenas se refere a um efeito preclusivo, sem excluir a concessão de oportunidade para suprir a falta detetada pelo órgão judicial), nem - o que é decisivo - justificado por qualquer outro interesse constitucionalmente atendível.

Designadamente, não cabe, perante tal afetação das garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, argumentar com a celeridade processual.

Para além de tal objetivo não ser incompatível com a concessão ao recorrente de oportunidade para suprir a deficiência detetada, não é admissível que a sua invocação - ou de outros tipos genéricos - baste para fundar soluções normativas que, como a presente, afetam desproporcionadamente as garantias de defesa do recorrente, na dimensão do direito ao recurso garantido pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição."

Daí que se tenha decidido, "julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, das menções contidas nas alíneas a), b), e c), daquele preceito, tem como efeito a rejeição liminar do recurso, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais...

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