Acórdão nº 16670/17.8T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelJÚLIO GOMES
Data da Resolução07 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.º nº 16670/17.8T8PRT.P1.S1 4ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - Relatório 1.

No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA propôs contra “DOURAZUL – SOCIEDADE MARÍTIMO TURÍSTICA, S.A.” ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, pedindo que: a) seja declarada a falta de justificação para a cláusula de termo certo resolutivo constante dos diversos contratos individuais de trabalho celebrados com a Ré; b) seja declarada a ilicitude do despedimento da Autora, em consequência da denúncia da Ré durante um suposto período experimental ocorrida em 23/02/2017; E, c) a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias: a. € 22.208,05, a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório, desde 21-3-2011, acrescida de juros de mora legais até integral pagamento; b. € 29.610,74, correspondente aos descansos compensatórios devidos pela prestação trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório, acrescida de juros de mora legais até integral pagamento da mesma; c. as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, desde 30 dias antes da propositura da ação, acrescidos dos respetivos juros de mora legais até integral pagamento da mesma.

d) a condenação da Ré na reintegração da A. no seu posto de trabalho no mesmo estabelecimento da empresa daquela, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso a Autora opte até ao termo da discussão em audiência final de julgamento por uma indemnização calculada nos termos do artigo 391.º do CT, num montante de € 10.080,00, relativa ao período de 30/06/2009 até Fevereiro de 2017, correspondente a quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade da Autora ao serviço da Ré.

Para tanto invocou a A., em síntese, que celebrou com a Ré sucessivos contratos de trabalho a termo certo resolutivo, com início em 30.6.2009, 21.3.2011, 12.3.2012, 15.3.2013, 7.4.2014, 23.3.2015, 6.4.2016 e o último em 13.2.2017, vindo aqueles a cessar por caducidade no termo do prazo certo nos mesmos fixado, em 30.11.2009, 30.11.2011, 30.11.2012, 29.11.2013, 30.11.2014, 30.11.2015, e 30.11.2016, respectivamente, e o último por denúncia da Ré, alegadamente no período experimental.

Mais invocou que os motivos invocados para justificação do termo dos contratos celebrados - actividade sazonal e acréscimo excepcional de actividade, e, nos contratos celebrados em 2015 e 2016, também a execução de tarefa ocasional ou serviço determinado não duradouro e execução de obra, projecto ou actividade definida e temporária - não se verificam.

Conclui, por isso, que os contratos a termo resolutivo celebrados devem ser declarados sem termo, constituindo um único contrato de trabalho sem termo, com início em 30.6.2009, pelo que a denúncia do contrato de trabalho celebrado em 13.2.2017, não ocorreu no período experimental, configurando a mesma um despedimento ilícito, sendo igualmente ilícitas as caducidades invocadas pela Ré para cessação dos contratos a termo anteriores.

  1. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação a Ré apresentou contestação, apresentando defesa por excepção, invocando a prescrição dos direitos relativos aos contratos de trabalho que integram a causa de pedir no período compreendido até novembro de 2015 e a existência de remissão abdicativa relativamente a todos os contratos celebrados, e invocando abuso de direito pela A., e, por impugnação, sustentando a validade dos contratos a termo celebrados, e deduzindo pedido reconvencional.

    1. respondeu às excepções deduzidas, invocando, em substância, que, nos termos do artigo 147º do Código do Trabalho, a invalidade do termo resolutivo dos diversos contratos tem como consequência a existência de um único contrato, cuja cessação ocorreu em 23.2.2017, pelo que não ocorreu a prescrição e as renúncias invocadas não devem considerar-se válidas pois que, tratando-se de um só contrato de trabalho, os seus créditos respeitam a direitos irrenunciáveis. Invocou igualmente que todas as remissões abdicativas foram realizadas em circunstâncias criados pela Ré, que não deixaram outra opção que não fosse assinar as mesmas.

  2. Foi elaborado despacho saneador que remeteu para a sentença o conhecimento das excepções deduzidas, elencou as questões a decidir e os temas da prova.

  3. Discutida a causa, por sentença de 12.8.2019, na qual se decidiu que ficou demonstrada a sazonalidade da actividade da Ré, concluindo-se, pela validade formal e substancial da cláusula aposta nos diversos contratos e pela validade destes, a validade da declaração de cessação de todos os contratos celebrados e a inexistência de despedimento ilícito, e, sendo válida cada uma das cessações operadas pela Ré, pela prescrição dos créditos reclamados até setembro de 2016, e pela validade das declarações abdicativas emitidas pela A., veio a final a acção a ser julgada totalmente improcedente e a Ré absolvida dos pedidos.

  4. Inconformado com a sentença dela apelou a Autora, impugnando a decisão relativa à matéria de facto, e de direito.

  5. Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação da Relação, por acórdão de 22 de Fevereiro de 2021, proferido com voto de vencido incidente sobre a caracterização da actividade da Ré como actividade sazonal, e consequente validade do termo aposto nos contratos, julgou-o improcedente, confirmando a decisão de 1ª instância.

    O acórdão foi proferido com voto de vencido, incidente sobre a caracterização da actividade da Ré como actividade sazonal, e consequente validade do termo aposto nos contratos, assim concluindo: “Nestes termos, sou de opinião que o recurso deveria proceder, dado que não sendo temporária a necessidade da empresa, nos termos contidos no artigo 140º, nº 1, inexiste o fundamento da “actividade sazonal” aposto nos contratos de trabalho a termo celebrados com a autora”.

  6. Novamente inconformada com a decisão dela interpõe a. recurso de revista, formulando a final, as seguintes conclusões: I – O acórdão recorrido não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

    II - O Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, com voto de vencido do Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Domingos Morais: “Nestes termos, sou de opinião que o recurso devia proceder, dado que não sendo temporária a necessidade da empresa, nos termos contidos no artigo 140.º, n.º 1, inexiste o fundamento da “actividade sazonal” aposto nos contratos de trabalho a termo certo, celebrados com a autora.” pelo que, da referida decisão cabe recurso de revista, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 1 e nº. 3 a contrario sensu do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi artigo 81º. nº. 6 do Cód. Proc. Trabalho, que deve ser conhecido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

    III - Considera a Recorrente que se verifica erro na interpretação das normas previstas no artigo 140º. nº.s 1 e 2 e) do Código do Trabalho.

    IV - Se é verdade que ao conceito de sazonalidade não é de associar critérios temporais rígidos, não é menos verdade que a sazonalidade tem de ser delimitada no tempo, sob pena de se desvirtuar a sua essência.

    V - Afigura-se que a decisão recorrida colide com a orientação acolhida pela maior parte da jurisprudência e doutrina.

    VI - “E se é sazonal não parece poder abranger aquelas atividades em que o próprio ciclo produtivo seja demasiado longo, sendo que, subjacente à possibilidade da contratação a termo está a transitoriedade da necessidade a satisfazer e a conformidade entre esse período e o termo aposto.

    VII - “A atividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade.” VIII - “Com efeito, actividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade.” IX - “O legislador foi equiparando à sazonalidade em sentido estrito, aquela que resulta da estação do ano, outras situações em que intervém também o fenómeno do ciclo, da previsibilidade e da regularidade, mas condicionado pela necessária limitação temporal, como se nota no acórdão. Se estendermos esta limitação temporal até grande parte do ano – seja, no caso, 9 meses, dificilmente estamos a falar de sazonalidade, sobretudo quando a origem da sazonalidade se referia a estações do ano que tinham 3 meses. Admitir isto para uma actividade que se repete todos os anos, nos mesmos meses, 9 meses por ano, ainda mais quando a identificação concreta desses meses depende duma vontade humana que é arbitrária, qual seja a fixação do período de inactividade, é admitir que todos os anos, em sucessão tão longa quanto a da capacidade produtiva do trabalhador ao longo da sua vida, o trabalhador – que trabalha a maior parte do ano – esteja sob o domínio dum vínculo precário. Se estendêssemos ainda mais esta noção de sazonalidade, poderíamos afirmar que o Parlamento e os tribunais desenvolvem actividades sazonais, e no mais absurdo dos exemplos, que uma empresa que encerre a laboração para observar o período de férias dos seus trabalhadores, também só desenvolve uma actividade sazonal.” X - “O que está em causa no princípio constitucional da estabilidade no emprego, da segurança no emprego, não é o valor da retribuição, mas a certeza de persistência do posto de trabalho, que faz com que, com base nela, o trabalhador possa organizar a sua vida, assumir os seus compromissos, viver e desenvolver-se enquanto cidadão, ele mesmo e na sua vertente familiar. A admissão da sazonalidade enquanto condição que permite a celebração sucessiva de contratos a termo, sem qualquer limite temporal, impede este desiderato constitucional.” XI - “O conceito de sazonalidade supõe uma...

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