Acórdão nº 543/22 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução18 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 543/2022

Processo n.º 801/2022

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora recorrente) dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) um pedido de providência de habeas corpus, tendo em vista a sua imediata restituição à liberdade. Invocou, em síntese, que se encontra a cumprir pena de 3 anos e 9 meses de prisão, na sequência de decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, sendo que a decisão de revogação não lhe foi pessoalmente notificada, nos termos do artigo 333.º, n.os 5 e 6, do Código de Processo Penal (CPP). A este propósito, invocou (fls. 5) que se encontram violados “[…] os n.os 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição” e que (fls. 5v.º/6): “[…] a interpretação restritiva das normas legais prescritas nos artigos 333.º, n.os 5 e 6, 334.º, n.os 6 e 7, 61.º, n.º 1, als. a), c), f) e i), e 64.º, nº 1, als. b) e f), do CPP aplicadas na decisão objeto da presente providência/pedido de habeas corpus, ainda que implicitamente, [se revela] ilegal e materialmente inconstitucional, designadamente por conduzir a uma situação de indefesa”.

1.1. No tribunal da condenação foi prestada informação, sustentando a regularidade da notificação da decisão na morada constante do Termo de Identidade e Residência.

1.1.1. No STJ foi proferido acórdão, datado de 13/07/2022, no sentido de indeferir, por falta de fundamento bastante, a providência requerida. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

1. Analisados todos os elementos e informações constantes dos autos, verifica-se que o arguido se encontra em cumprimento de pena, no Estabelecimento Prisional Regional da Guarda, desde 30/06/2022, na sequência de despacho do Senhor Juiz do Juízo Central Criminal de Viseu – J2, de 26/09/2017, que, no termos do art. 56.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, lhe revogou a suspensão da execução, com o consequente cumprimento da pena de três (3) anos e nove (9) meses de prisão.

Tal despacho transitou um julgado em 12/12/2017, através de notificação por via postal simples que lhe foi feita para a morada do TIR, de acordo com a doutrina do AUJ n.º 6/2010, de 21/05, pub. no D.R. de 21/05/2010 .

Requereu, agora, o arguido esta providência extraordinária, por entender que a decisão que revogou a suspensão da execução da pena não transitou ainda em julgado, em virtude de não ter sido notificado pessoalmente dela, pedindo, assim, a sua imediata restituição à liberdade.

2. A providência de Habeas corpus, ao contrário do que a designação parece sugerir, não teve origem na Roma antiga, mas na Inglaterra, em 1215, quando a nobreza impôs ao Rei João Sem Terra a Magna Carta Libertatum, com o objetivo de limitar os poderes reais.

Com o tempo foi-se aperfeiçoando e a sua versão moderna surge, em 1679, com o famoso Habeas Corpos Amendment Act, que veio regulamentar o procedimento na área criminal, constituindo um eficaz instrumento no controlo da legalidade dos atos restritivos da liberdade individual.

Entre nós, a medida tem, como é sabido, desde há muito, dignidade constitucional, tendo sido introduzida pela Constituição de 1911. Presentemente o art. 31.º da nossa Constituição, reza assim:

«1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória».

No que concerne ao direito ordinário, o Código de Processo Penal vigente prevê, nos seus arts. 220.º e ss., o habeas corpus em virtude de detenção ilegal, em virtude prisão ilegal, os respetivos procedimentos processuais – assentes em grande informalidade e celeridade – e ainda o incumprimento da decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a petição, que é punido com as penas do crime de denegação de justiça e prevaricação.

Ora, do cotejo de todos estes preceitos, podemos extrair que esta providência, de cariz expedito, tem em vista salvaguardar a liberdade física, reagindo contra uma situação de abuso de poder, por virtude de uma prisão ou detenção ilegal. Contudo, não constitui um recurso.

Como bem acentua Eduardo Maia Costa, trata-se de uma providência, independente dos sistemas de recursos penais. Uma providência urgente, conforme resulta da brevidade do prazo estipulado para a sua decisão.

Naturalmente, o modo de impugnação por excelência das decisões judiciais é o recurso para um tribunal superior. O Habeas corpus, para ter razão de ser, deverá ter uma função diferente da dos recursos, servindo como instrumento da proteção da liberdade, quando os meios ordinários não sejam suficientemente expeditos para assegurar essa proteção urgente.

Deve servir, por conseguinte, para as situações mais graves, as mais carecidas de tutela urgente.

Porém, não tem uma natureza meramente residual, conforme observa Rodrigues Maximiano, mas sim a natureza de uma providência extraordinária, abrangendo as situações de abuso, que são distintas das situações de decisão discutível.

Cingindo-nos mais concretamente ao habeas corpus por virtude de prisão ilegal (art. 222.º), por ser o mais comum e ser também o caso da situação em apreço, podemos dizer que os seus fundamentos se reconduzem todos, ao fim e ao cabo, à ilegalidade da prisão: incompetência da entidade que a efetuou ou a determinou, ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite e excesso de prazos .

O n.º 2 do citado normativo consagra, como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma espécie de ação popular, uma vez que a petição pode ser formulada pelo interessado ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, conquanto dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e apresentada à autoridade à ordem da qual se encontra preso o mesmo.

A limitação do gozo dos direitos políticos não diz, obviamente, respeito ao próprio, mas sim ao(s) terceiro(s) que decida(m) intervir.

Na esteira também da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, quando se aprecia a providência do Habeas corpus não se analisa o mérito da decisão que determinou a prisão, nem tão pouco os erros procedimentais (eventualmente, cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais), uma vez que esses devem ser apreciados em sede própria, através dos recursos, mas tão só incumbe decidir se ocorrem qualquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do C.P.P.

3. Feito este breve enquadramento histórico-legal da medida em questão e regressando à situação sub judice, constata-se que o arguido A. foi condenado por acórdão do tribunal coletivo do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, de 11/12/2013, pela prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, al. a), do Cód. Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT