Acórdão nº 532/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução04 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 532/2022

Processo n.º 668/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, A, recorrente nos presentes autos, foi sujeito à aplicação das medidas de coação de obrigação de apresentação periódica (artigo 198.º do Código de Processo Penal) e proibição de condutas (artigo 200.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Penal) por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Local Criminal de Elvas, proferida na sequência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

Desta decisão interpôs o arguido recurso para o mencionado Tribunal da Relação de Évora que, por decisão sumária datada de 22 de março de 2022, foi rejeitado, com fundamento em extemporaneidade. Novamente inconformado, apresentou o recorrente reclamação para a conferência, que deu origem ao despacho datado de 29 de abril de 2022, nos termos do qual se entendeu julgar «extinta a instância recursiva, por inutilidade da lide», uma vez que havia entretanto sido decretada a medida de prisão preventiva, objeto de ulterior recurso.

Nessa sequência, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

«(…)

Requerendo-se, desde já que seja julgada inconstitucional, por violação do artº 32°, n° l da Constituição, a norma do artigo 287°, alínea e), do Código de Processo Civil, e dos artigos e 419°, n.° 4, alínea d), do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que o julgamento do recurso da decisão que aplicou uma qualquer medida de coação que embora não privativa de liberdade limita a liberdade de locomoção do arguido, é inútil quando é proferida decisão que aplique ao arguido a MC de prisão preventiva, na pendência de tal recurso, uma vez que tal interpretação conduziria a consequências constitucionalmente insustentáveis: a inatacabilidade absoluta de eventuais decisões ilegais fundadas no primeiro despacho; a inviabilização consequente do direito a reparação do lesado pelos prejuízos que as decisões ilegais possam determinar, devendo ser determinada, consequentemente, a revogação da decisão recorrida e ordenada a reformulação da mesma em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade - o que aqui se requer.

Suscita, assim, o Recorrente a apreciação da constitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 287°, al. e) do Código de Processo Civil e dos artigos e 419°, n° 4, alínea d) do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que, numa situação em que o arguido cumpriu todos os prazos legais a que se encontrava sujeito, quando seja proferida supervenientemente uma decisão do Tribunal de primeira instância que decide aplicar a prisão preventiva do arguido, decisão com a qual o arguido não se conformou e interpôs o competente recurso, se torna inútil o conhecimento do recurso de uma outra decisão com o mesmo objecto que anteriormente tenha aplicado MC menos grave, dando lugar à extinção da instância de recurso.

(…)».

2. Pela Decisão Sumária n.º 449/2022 decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«4. Em primeiro lugar, cumpre assinalar que no aludido requerimento de interposição de recurso, o recorrente se limita a referir que «vem para todos os efeitos legais, alegar a inconstitucionalidade de tais normas quando interpretadas no sentido em que as interpretou este Tribunal da Relação, nos termos e com os seguintes fundamentos» sem indicar, desde logo, a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), ao abrigo da qual esse recurso é apresentado.

Nos termos do artigo 75.º-A da LTC, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve indicar a alínea do n.º 1, do artigo 70.º, ao abrigo da qual o recurso é interposto. Conforme esclarecem ainda os n.ºs 5 e 6 do mesmo preceito, poderá suprir-se a falta de indicação de algum destes elementos através de um convite dirigido ao requerente, de que poderá socorrer-se o relator no Tribunal Constitucional, quando o juiz que admitiu o recurso de constitucionalidade o não tenha feito.

No entanto, o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC, só tem sentido útil quando faltam meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso – a que se alude nos n.ºs 1 a 4 do mesmo preceito – carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam os respetivos pressupostos de admissibilidade, que não podem ser supridos por essa via – nomeadamente os requisitos gerais dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios da economia e celeridade processuais – deve o relator proferir de imediato decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Tribunal Constitucional n.ºs 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

5. Como se sabe, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da constitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

Neste sentido, constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.

Ainda no que respeita aos pressupostos gerais dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, o Tribunal Constitucional tem entendido, de forma reiterada, que tais recursos têm sempre caráter ou natureza instrumental, devendo a solução da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa, submetida à apreciação, poder repercutir-se, de forma útil e efetiva, na decisão proferida pelo tribunal recorrido acerca do caso concreto a dirimir. Ou seja, só haverá interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto, implicando a respetiva reponderação pelo tribunal a quo.

Por isso, o objeto do recurso de constitucionalidade deve coincidir com a ratio decidendi da decisão recorrida. A utilidade do recurso de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada quando, designadamente, o critério normativo sindicado não corresponde ao que foi aplicado pelo tribunal recorrido.

Expostos, sumariamente, os pressupostos de que depende o conhecimento do recurso de constitucionalidade, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pelo recorrente neste processo.

6. Nos termos relatados, o recorrente manifesta a intenção de sindicar dois enunciados interpretativos, alegadamente reportados ao «artigo 287°, alínea e), do Código de Processo Civil, e [a]os artigos 4º e 419°, n.° 4, alínea d), do Código de Processo Penal», respetivamente, «no sentido de que o julgamento do recurso da decisão que aplicou uma qualquer medida de coação que embora não privativa de liberdade limita a liberdade de locomoção do arguido, é inútil quando é proferida decisão que aplique ao arguido a MC de prisão preventiva, na pendência de tal recurso» e «no sentido de que, numa situação em que o arguido cumpriu todos os prazos legais a que se encontrava sujeito, quando seja proferida supervenientemente uma decisão do Tribunal de primeira instância que decide aplicar a prisão preventiva do arguido, decisão com a qual o arguido não se conformou e interpôs o competente recurso, se torna inútil o conhecimento do recurso de uma outra decisão com o mesmo objecto que anteriormente tenha aplicado MC menos grave, dando lugar à extinção da instância de recurso». No mesmo requerimento de interposição de recurso, identifica o despacho datado de 29 de abril de 2022 como decisão aqui recorrida.

Considerando a peça processual apresentada, especificamente no que concerne à delimitação do respetivo objeto – e independentemente de qualquer outra apreciação sobre os demais pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso – afigura-se inevitável constatar que o recorrente se insurge contra a aplicação do direito infraconstitucional, levada a cabo pelo tribunal a quo no caso concreto, no que toca às particularidades do processo em causa.

Com efeito, no referido requerimento, o recorrente não logra apresentar uma questão de constitucionalidade suscetível de constituir objeto idóneo deste mecanismo de fiscalização concreta. Na verdade, dali resulta claro que a respetiva pretensão se traduz na sindicância da singular decisão jurisdicional, na vertente de interpretação do direito infraconstitucional e de apreciação casuística, dimensões que se encontram, legal e constitucionalmente, subtraídas à esfera de competências do Tribunal Constitucional. Neste...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT