Acórdão nº 534/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução04 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 534/2022

Processo n.º 766/2022

Plenário

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. O Presidente da Junta da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração submeteu requerimento ao Tribunal Constitucional (TC), com vista à fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade da deliberação relativa à “pretensão de realização de referendo local que decida sobre a desagregação da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração, repondo as Freguesias anteriormente existentes”. O mencionado requerimento foi submetido a este Tribunal ao abrigo do artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24.08 (com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.º 3/2010, de 15.12, n.º 1/2011, de 30.11, n.º 3/2018, de 17.08, e n.º 4/2020, de 11.11, Regime Jurídico do Referendo Local - RJRL).

2. O requerimento vem instruído com cópia da proposta de referendo local, subscrita pelo Presidente da Junta da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração, datada de 1 de julho de 2022, e da cópia da ata n.º 6 (aprovada em minuta) da sessão extraordinária da Assembleia de Freguesia de 11 de julho de 2022, onde se aprovou a proposta relativa à pergunta a ser levada a consulta popular.

3. Por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, datado de 14 de julho de 2022, foi ordenada a distribuição do processo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 29.º do RJRL.

4. Apresentado o memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 29.º do RJRL, e fixada a orientação do Tribunal, cabe proferir acórdão, nos termos do n.º 3 do artigo 30.º do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO

5. Resulta dos autos, com relevância para a decisão, o seguinte:

A) Em 1 de julho de 2022, o Presidente da Junta da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração (intitulado abreviadamente como Presidente da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração) apresentou à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração a “PROPOSTA N.º 02/2022”, com o seguinte teor: “Por forma a cumprir o estipulado na alínea b) do artº 3º da Lei n.º 39/2021 de 24 de junho, que define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias e revoga a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias, propõe-se que a Assembleia de Freguesia delibere sobre a realização de um referendo, com a finalidade de apurar a vontade das populações, de Safara e Santo Aleixo da Restauração, sobre a desagregação das freguesias”.

B) A Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração, reunida em sessão extraordinária de 11 de julho de 2022, deliberou aprovar por maioria dos membros presentes (por sete votos a favor e um contra) a proposta relativa à pergunta a submeter ao eleitorado, com o seguinte teor: “É a favor da separação das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração?”, “Com duas possibilidades de resposta: Sim ou Não”.

C) O requerimento para fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade da deliberação é subscrito pelo Presidente da Junta da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração, sendo datado de 13 de julho de 2022, e tendo dado entrada no Tribunal Constitucional no dia 14 de julho de 2022, foi distribuído nesse mesmo dia.

6. Compete ao TC, em sede de fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo local, nos termos do disposto no artigo 223.º, n.º 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (CRP), dos artigos 11.º e 105.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13.09 - LTC), e, ainda, dos artigos 25.º a 31.º do RJRL.

De acordo com o disposto no artigo 25.º do RJRL, no prazo de oito dias a contar da deliberação de realização do referendo, o presidente do órgão deliberativo da autarquia submete-a ao Tribunal Constitucional, para que se proceda à fiscalização preventiva da sua constitucionalidade e legalidade.

Como decorre dos autos, o pedido de fiscalização não foi apresentado pelo Presidente da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração, como devia, antes o foi pelo Presidente da Junta da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração (certamente por lapso intitulado abreviadamente como Presidente da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração). Significa isto que o respetivo requerimento foi submetido por quem não tem legitimidade para requerer a fiscalização preventiva do referendo local, uma vez que não é o presidente do órgão da autarquia que deliberou a sua realização (cfr. artigo 25.º do RJRL).

É verdade que a iniciativa do referendo teve origem no órgão executivo da autarquia, possibilidade prevista no artigo 11.º do RJRL (tratando-se, sublinhe-se, de competência colegial, salvo delegação de competências em matéria de referendo no presidente da junta, que deverá, a existir, ser comprovada). Também é verdade que cabe ao presidente da junta de freguesia representar a freguesia em juízo e fora dele (cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 75/2013, de 12.02, com a última redação dada pela Lei n.º 66/2020, de 04.11). Todavia, a lei do referendo local é bem clara, antes de mais, quanto ao facto de que a deliberação sobre a realização do referendo cabe especificamente ao órgão deliberativo da autarquia (cfr. artigo 23.º do RJRL: “A deliberação sobre a realização do referendo compete, consoante o seu âmbito, à assembleia municipal ou à assembleia de freguesia”). Além disso, também o é quanto à questão de quem tem legitimidade para requerer a este Tribunal a fiscalização preventiva da deliberação em causa (cfr. o já mencionado artigo 25.º do RJRL).

Esta ilegitimidade só seria sanável no âmbito da fase inicial e liminar deste processo, mais concretamente, antes da sua distribuição, como resulta, a contrario sensu, do disposto nos artigos 28.º, n.º 4, e 29.º do RJRL, em que, de resto, nada está previsto quanto à possibilidade da sanação desse pressuposto processual já depois da distribuição do processo – o que, a acontecer, sempre resultaria numa interpretação extensiva de uma exceção expressa e perfeitamente delimitada, subjetiva e temporalmente, à regra da não sanação das situações de ilegitimidade ativa singular (exceção não prevista em geral para a fiscalização preventiva). De igual modo, a ilegitimidade do requerente do pedido de fiscalização preventiva da proposta de referendo não configura uma situação subsumível no disposto no artigo 27.º do RJRL.

Assim sendo, verifica-se existir uma situação de ilegitimidade cuja sanação não pode já ocorrer nesta fase processual. Tanto basta para que não se possa admitir o presente requerimento apresentado pelo Presidente da Junta de Freguesia da União das Freguesias de Safara e Santo Aleixo da Restauração.

III – Decisão

Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não conhecer o...

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