Acórdão nº 530/22 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Julho de 2022
Magistrado Responsável | Cons. Lino Rodrigues Ribeiro |
Data da Resolução | 27 de Julho de 2022 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 530/2022
Processo n.º 678/22
3.ª Secção
Relator: Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), dos acórdãos proferidos por aquele Tribunal nos dias 1 de junho e 8 de junho de 2022. O primeiro indeferiu o pedido de habeas corpus deduzido pelo arguido, o segundo indeferiu o pedido de aclaração pelo mesmo apresentado relativamente ao primeiro acórdão, em processo penal relativo a crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:
«A, arguido nos autos acima melhor identificados, notificado do Acórdão de 01/06/2022 e respetiva Aclaração de 08/06/2022, vem, muito respeitosamente, interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz nos seguintes termos:
1-O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de setembro.
2 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 215º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e 1º, al. m), do C.P.P. quando interpretada no sentido que:
"Para efeitos de contagem do prazo máximo de prisão preventiva a Acusação considera-se deduzida na data aposta na mesma e não na data da sua expedição."
3 - Tal interpretação viola os artigos 2º, 18º, 20º, 29º, 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como o Artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
4 - Viola, igualmente, os princípios da Segurança e Certeza Jurídicas e bem assim os princípios da equidade, "due Processo of law", e da igualdade de armas entre a defesa e a Acusação, todas as disposições previstas nos artigo 20º, n.º 4 e artigo 29º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa;
5 - Com efeito, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, a Acusação pode chegar ao conhecimento dos Arguidos meses após a mesma ser deduzida, sem que isso tenha qualquer influência na prisão preventiva dos Arguidos, desde que não seja ultrapassada a fase processual seguinte...
6 - Mas mais, para os Arguidos, nos termos dos artigos 104º, n.º 1 do C.P.P. e 144º do C.P.C, os atos apenas se consideram validamente praticados na data da respetiva expedição, para o Ministério público entende-se que é a data em que o mesmo apõem nos seus atos!!!
Termos em que requer a V. Exa se digne admitir o presente Recurso para o Tribunal Constitucional, seguindo-se o demais de lei.»
3. Através da Decisão Sumária n.º 454/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não julgar inconstitucional a norma decorrente do artigo 215.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, em conjugação com o artigo 1.º, alínea m), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo máximo da prisão preventiva se afere em função da data da prolação da acusação e não da data da sua notificação ao arguido; e, consequentemente, negar provimento ao recurso. Foi a seguinte a fundamentação apresentada:
«3. A questão que integra o presente recurso de constitucionalidade, relativa a norma que decorre do artigo 215.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, em conjugação com o artigo 1.º, alínea m), todos do Código de Processo Penal, no sentido que – e nas palavras do recorrente –, «[p]ara efeitos de contagem do prazo máximo de prisão preventiva a Acusação considera-se deduzida na data aposta na mesma e não na data da sua expedição», constitui uma questão «simples» para efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. A questão afigura-se manifestamente infundada em face da jurisprudência deste Tribunal Constitucional relativamente à matéria das medidas de coação e foi já especificamente analisada no Acórdão n.º 280/2008, de que consta a seguinte fundamentação, que por sua vez se suporta em mais ampla jurisprudência constitucional:
«4. Na situação em apreço, cumpre apreciar a norma constante do artigo 215.º, n.º 1, alínea a), com referência ao n.º 2, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, por violação, “entre outros dos artigos 28.º, 31.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa”, na interpretação de que, para efeitos de averiguar do decurso dos prazos de duração máxima da prisão preventiva, vale a data da dedução da acusação e não a da sua notificação ao arguido.
O referenciado normativo, no que ora interessa, tem a seguinte redação:
“Artigo 215.º (Prazos de duração máxima da prisão preventiva)
1 – A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) (…)
c) (…)
d) (…)
2 – Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.°, no n.° 1 do artigo 318.°, nos artigos 319°, 326.°, 331.° ou no n.° 1 do artigo 333.° do Código Penal e nos artigos 30.°, 79.° e 80.° do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.° 100/2003, de 15 de novembro;
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respetiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do setor público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 – (…)
7 – (…)
8 – (…)”
Das disposições constitucionais aduzidas pelo Recorrente no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, bem como nas alegações produzidas – artigos 28.º, 31.º e 32.º – importa salientar, paralelamente, aliás, ao que ocorreu com os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 404/2005 e 208/2006 (publicados, respetivamente no Diário da República, II Série, de 31 de março de 2005 e 4 de maio de 2006) que a norma que releva como parâmetro de avaliação da conformidade constitucional é tão somente a constante do artigo 28.º, n.º 4, de harmonia com o qual: “A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.”
5. A questão que constitui objeto do presente recurso de constitucionalidade radica na norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo máximo da prisão preventiva, na fase de inquérito, afere-se em função da data da prolação da acusação e não da data da notificação da mesma.
A mesma decisão recorrida referenciou jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, com destaque para o Acórdão de 11 de outubro de 2005 (in Coletânea de Jurisprudência, 3.ª, página 186).
Em sede de apreciação de constitucionalidade, e embora a situação em apreço não seja, de todo, idêntica à constante no citado Acórdão n.º 404/2005, (porquanto no presente caso questiona-se a alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º, e no referenciado aresto questionava-se a alínea c)), exarou-se no mesmo que:
“2.4. Recordada a jurisprudência relevante do Tribunal Constitucional sobre a matéria, importa salientar que o legislador processual penal de 1987 adotou modelo diverso do até então vigente quanto à fixação dos limites máximos de prisão preventiva.
Na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e suas diversas modificações, adotou‑se o sistema de fixação de prazos máximos de prisão preventiva diretamente correspondentes a cada fase processual. Esses prazos eram, na redação do artigo 308.º dada pelo Decreto‑Lei n.º 377/77, de 6 de setembro, e do artigo 273.º, na redação do Decreto‑Lei n.º 402/82, de 23 de setembro: 1.º – desde a captura até à notificação ao...
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