Acórdão nº 512/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 512/2022

Processo n.º 1163/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente Banco A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de fevereiro de 2021.

2. Foi determinado o prosseguimento dos autos com produção de alegações, tendo sido proferido o Acórdão n.º 391/2022 que, julgando o recurso, negou provimento ao mesmo, decidindo «[n]ão julgar inconstitucional o segmento normativo do n.º 6 do artigo 139 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, na redação aplicável nos autos, segundo o qual pedido de demonstração do preço efetivo de transmissão de imóveis deve ser indeferido se o sujeito passivo, devidamente notificado para o efeito, não apresentar os documentos de autorização do acesso à informação bancária dos administradores».

Na parte ora relevante, escreveu-se na fundamentação desse aresto:

«6. O objeto do recurso, de acordo com o requerimento de interposição do mesmo, é uma norma extraída do n.º 6 do artigo 139.º do Código sobre o Imposto das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, na redação aplicável nos autos (referido adiante pela sigla «CIRC»), com o sentido de que «se impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.ºs1 e 3, do Código de IRC e consequente elisão da presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2 [desse diploma]».

O artigo 139.º do CIRC regula o procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, através do qual o sujeito passivo pode ilidir a presunção, estabelecida no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, de que «nas transmissões onerosas [de direitos reais sobre bens imóveis], [em que] o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável». Segundo o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do CIRC, «[e]m caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização».

A recorrente parece sindicar todo o inciso final desta disposição, na interpretação segundo a qual, na falta dos documentos de autorização de acesso à informação bancária, o pedido de demonstração deve ser indeferido. Porém, compulsados os autos, verifica-se que a norma enunciada é demasiado ampla, extravasando a ratio decidendi do acórdão recorrido e o objeto sindicado pela recorrente. O despacho cuja impugnação deu origem aos presentes autos indeferiu o pedido da recorrida de demonstração do preço efetivo de transmissão de um imóvel exclusivamente com fundamento na não apresentação pelo sujeito passivo, após notificação nesse sentido, de documentos que autorizassem o acesso pela administração fiscal à informação bancária dos administradores. Impõe-se, assim, proceder a uma redução do objeto do recurso, fixando-o no segmento normativo do n.º 6 do artigo 139 do CIRC segundo o qual o pedido de demonstração do preço efetivo de transmissão de imóveis deve ser indeferido se o sujeito passivo, devidamente notificado para o efeito, não apresentar os documentos de autorização do acesso à informação bancária dos administradores.

7. Entende a recorrente que esta norma viola a reserva de intimidade da vida privada, consagrada no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição; o princípio do Estado de Direito, consagrado no seu artigo 2.º; o direito de acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos n.ºs 1 e 4 do seu artigo 20.º e no n.º 4 do seu artigo 268.º; o princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do seu artigo 18.º; e os princípios da tributação das empresas pelo lucro real e da igualdade tributária, consagrados – respetivamente – no n.º 2 do artigo 104.º e no artigo 13.º da Constituição. A invocação paralela destes parâmetros constitucionais obscurece as relações de especialidade e complementaridade que intercedem entre alguns deles, e a definição exata das questões de constitucionalidade que se colocam no presente recurso. Percorrendo as alegações, constata-se que estas são, no essencial, de três ordens: restrição excessiva do direito à reserva de intimidade da vida privada, nos termos que resultam da conjugação do n.º 1 do artigo 26.º com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição; violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva dos contribuintes, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º, do n.º 4 do artigo 268.º e do artigo 2.º da Constituição; e violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real, refratário do princípio da igualdade tributária, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 104.º e no artigo 13.º da Constituição.

Ora, assim devidamente colocadas, estas questões foram já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.ºs 145/2014 e 517/2015, ambos concluindo no sentido da não inconstitucionalidade da norma sindicada nos presentes autos, ainda que com duas pequenas diferenças. Por um lado, a norma constava então do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, tendo sido transposta ipsis verbis para o atual n.º 6 do artigo 139.º, por efeito da renumeração do diploma operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho. Por outro lado, as questões colocaram-se em termos mais amplos naqueles processos, uma vez que neles estava em causa o ónus de autorização do acesso a informação bancária, quer da sociedade requerente, quer dos seus administradores. Trata-se, em todo o caso, de diferenças insuscetíveis de autorizar distinções materiais, pois a primeira é de natureza estritamente formal, ao passo que a segunda implica que o objeto do presente recurso constitui uma parte apenas do que foi apreciado naqueles arestos – sem que as propriedades específicas desta parte tenham merecido uma ponderação substancialmente diversa nas referidas decisões.

(…)

10. A questão da alegada violação dos princípios da tributação das empresas pelo lucro real e da igualdade tributária é tratada no Acórdão n.º 517/2015, nestes termos:

«No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100).

Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, “acabam por ser tributados não os lucros efetivamente auferidos, mas sim os presumivelmente realizados” (cfr. idem, ibidem, p. 1100).

Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres.

A este propósito, refere Saldanha Sanches que “os modernos sistemas fiscais em que a tributação (…) do rendimento é feita com base na cooperação do contribuinte têm uma condição de funcionamento eficaz e de distribuição equitativa da carga fiscal: o suporte de um sistema de controlo administrativo que permita tornar excecional o incumprimento da lei”. A exequibilidade prática de tal controlo passa, em grande parte, pelo acesso a informações de natureza financeira (Sanches, J. L.S., “A situação atual do sigilo bancário: a singularidade do regime português”, Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 85)».

11. Cumpre reiterar esta jurisprudência, no sentido da não inconstitucionalidade da norma que constitui o objeto do presente recurso. Com efeito, a necessidade de o sujeito passivo que pretenda ilidir a presunção do n.º 2 do artigo 64.º do CIRC apresentar documentos que autorizam o acesso da administração fiscal à informação bancária dos administradores ou gerentes – para o que carece, naturalmente, do consentimento destes −, se é certo que torna o procedimento regulado no artigo 139.º do CIRC mais oneroso e dependente de terceiros, constitui um meio adequado, necessário e proporcional de controlo da fraude fiscal, o que assegura a sua conformidade constitucional.»

3. Notificada do aresto, a recorrente apresenta agora requerimento, com o seguinte teor:

«BANCO A., S.A., Recorrente nos autos em epígrafe, tendo sido notificado do acórdão de 26 de maio...

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