Acórdão nº 3123/18.6T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelLAURINDA GEMAS
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO MR, Réu na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, contra si foi intentada por OS interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente tal ação.

Na Petição Inicial, apresentada em 08-02-2018, a Autora peticionou que fosse: a) declarado que a Autora é a única dona e exclusiva proprietária da fração autónoma designada pela letra …, correspondente à Habitação …, no Piso Três, com dois lugares de estacionamento com os números … e … e uma arrecadação com o n.º 8, todos no piso menos três, do prédio urbano sito na Av. …, n.º … e Rua …, n.º …, … A e …B da Freguesia de São Sebastião da Pedreira, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número … da dita Freguesia; b) o Réu condenado a reconhecer o direito de propriedade da Autora; c) o Réu condenado a entregar devoluta de pessoas a referida fração; d) o Réu condenado a pagar a título de indemnização já líquida a quantia de 178.000,00 € (cento e setenta e oito mil euros) calculada até à data da entrada da presente ação, a que acresce a quantia mensal de 2.500,00 € até à entrega da fração, e juros de mora vencidos e vincendos; e) o Réu condenado no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença correspondente ao pedido indemnizatório de pagamento do transporte da mobília da Autora de Bruxelas para a referida fração e dos custos em que incorreu e incorre com o pagamento do espaço físico onde essa mobília se encontra depositada.

A Autora alegou, para tanto e em síntese, ser a proprietária da referida fração autónoma, de que a sua irmã, falecida em 29-06-2010, era usufrutária e que o Réu, desde essa data, ocupa, sem que tenha qualquer título para tal, apesar de ter sido interpelado, incluindo através de notificação avulsa, para a entregar, impedindo que a Autora, que residia e trabalhava na Comissão Europeia, em Bruxelas, e se reformou em junho de 2011, tenha passado a residir e acomodar os seus móveis na aludida fração, como pretendia, bem como a beneficiar de ajudas de custo para essa mudança, mais obstando a que pudesse auferir, com o respetivo arrendamento, um rendimento, tendo em conta os valores de renda para uma fração com as caraterísticas daquela (entre 2010 e 2013 - 1.500 € mensais; durante o ano de 2014 - 2.000 € mensais; de 2015 até à data de propositura da ação - 2.500 € mensais).

O Réu apresentou Contestação, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, alegando, em síntese, que ocupa a fração em causa com autorização expressa da Autora, até porque, se assim não fosse já há muito esta teria tentado que ele saísse do imóvel, dada a animosidade que a mesma teve contra o Réu, do qual tem um ódio visceral ao nunca o ter aceitado como companheiro e depois como marido da sua irmã, BS, com quem ele foi casado até à morte desta, há cerca de 8 anos; foi por razões fiscais que a compra foi efetuada pela Autora, tendo ficado consagrado o usufruto vitalício a favor daquela sua irmã; acedendo a uma das últimas vontades da irmã, a Autora, em janeiro de 2010, redigiu e entregou ao Réu e à mulher deste um documento (doc. 1), pelo qual declarou a favor de ambos o comodato gratuito, incondicional e sem prazo da fração, só caducando com a morte dos dois comodatários. O Réu também deduziu reconvenção (indicando para esta o valor de 475.000 €) e pediu a condenação da Autora como litigante de má fé.

A Autora replicou, defendendo a improcedência da exceção e da reconvenção.

Realizou-se em 13-02-2019 audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador em que se decidiu fixar o valor da causa em 653.000 € (178.000 € + 475.000 €), absolver o Réu da instância no tocante ao pedido referido em e), bem como rejeitar a reconvenção, mais tendo sido proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Foi efetuada perícia pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, tendo por objeto apurar (1.º) se a Autora apôs a sua assinatura no referido documento 1 e (2.º) se o texto constante do documento é temporalmente contemporâneo da assinatura ou posterior à mesma. O Laboratório informou que apenas era possível que a perícia incidisse sobre a 1.ª questão (ofício de 18-07-2019), tendo enviado o relatório pericial em 24-02-2020.

Em 23-04-2021, a Autora efetuou junção documental, que foi admitida por despacho proferido no decurso da audiência final de julgamento, a qual se realizou em duas sessões.

Em 09-01-2022 foi proferida a sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Em face do exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se; - reconhecer que a Autora é a proprietária da fracção autónoma designada pela letra …, correspondente à Habitação …, no Piso Três, com dois lugares de estacionamento com os números … e … e uma arrecadação com o n.º 8, todos no piso menos três, do prédio urbano sito na Av. …, n.º … e Rua …, n.º …, … A e …B da Freguesia de São Sebastião da Pedreira, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número … da dita Freguesia; - condenar o Réu a reconhecer a Autora é a proprietária da fracção autónoma designada pela letra I, correspondente à Habitação B, no Piso Três, com dois lugares de estacionamento com os números 13 e 14 e uma arrecadação com o n.º 8, todos no piso menos três, do prédio urbano sito na Av. …, n.º … e Rua …, n.º …, … A e …B da Freguesia de São Sebastião da Pedreira, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número … da dita Freguesia; - condenar o Réu a entregar à Autora a fracção autónoma designada pela letra I, correspondente à Habitação B, no Piso Três, com dois lugares de estacionamento com os números 13 e 14 e uma arrecadação com o n.º 8, todos no piso menos três, do prédio urbano sito na Av. …, n.º … e Rua …, n.º …, … A e …B da Freguesia de São Sebastião da Pedreira, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número … da dita Freguesia; - absolver o Réu do demais peticionado.

Custas pela Autora e pelo Réu, na proporção de metade para cada um.

Registe e Notifique.” Inconformado com esta decisão, veio o Réu interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: a) O tribunal a quo aceitou como facto provado decidiu que o documento exarado pela autora consubstanciava um contrato de comodato; b) Foi provado a fidedignidade e genuinidade desse contrato nos termos da lei e com a perícia efectuada à letra e assinatura da autora; c) O referido contrato corporiza um conjunto de termos e condições de entrega e de uso do imóvel pelo réu e sua falecida mulher, que a autora não pôs em causa; d) Que no contrato em si ficou para o que mais aqui interessa em face da decisão do tribunal a quo, que não é válida a cláusula estipulada pela autora no nº 8 do documento, em que consagra a que o acordo é vitalício e que só caduca por morte do último dos comodatários, in casu, o réu; e) Também é estipulado no referido acordo / contrato, que a autora renuncia á restituição do imóvel até que se verifique a morte do último comodatário, in casu, o réu; f) Em sentido contrário, veio o tribunal a quo contrariar os fundamentos, a vontade e a liberdade contratual da autora e dos direitos consagrados por esta a favor do réu; g) O tribunal a quo além de não contextualizar o envolvimento da situação social do réu em face dos seus anos 82 anos e de fazer do imóvel a sua casa de morada de família, estribou a sua decisão numa jurisprudência que se respeita e aceita mas que não encaixa na situação e no caso em concreto em face da realidade objectiva do réu; h) O réu pelo documento exarado pela autora que o vincula e legitima a usar o imóvel da mesma até á sua morte, decorre do uso do mesmo um prazo até agora de 12 anos, determinando-se esse esse uso para o fim consagrado no art. 65º da CRP, de habitação e casa de morada de família; i) Não pode, no nosso entendimento, o tribunal a quo determinar ou alterar a vontade e a liberdade contratual do autor de um documento, quando o mesmo quis e pretendeu os efeitos nele inscritos, e quando esse documento é aceite e validado pelo tribunal para efeito de prova material apresentada; j) Por tudo o que se alegou e concluiu, entende o réu, que houve uma errada apreciação da norma jurídica aplicável, uma errada apreciação da vontade da parte que declarou e assumiu a formalização do comodato a favor do réu e de uma má interpretação do contexto e da situação factual do réu em face da necessidade do mesmo continuar a usar o imóvel na qualidade de comodatário, tendo por base o nº 1 do art. 1137º do CC, l) em que notoriamente, apesar de não ter sido estipulado pela autora um prazo certo, foi no entanto definido um prazo com a morte do réu, tendo o citado o imóvel sido entregue ao mesmo para um uso determinado, tendo aquele que entregar esse imóvel logo que o uso finde, que, naturalmente ainda não aconteceu por não ter ocorrido o seu decesso, Termina o Réu-Apelante, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso de apelação, devendo a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à entrega do imóvel pelo Réu à Autora ser revogada e substituída por outra que mantenha o continuado uso do imóvel pelo Réu, respeitando-se os termos do comodato em vigor e que este direito só caduque com a morte dele.

Foi apresentada alegação de resposta pela Autora, com ampliação do âmbito do recurso, bem como interposto recurso subordinado, com as seguintes conclusões: Das contra-alegações: A) O Recorrente não tem razão ao alegar que o douto tribunal a quo aplicou incorretamente o regime jurídico do comodato; B) O douto tribunal a quo andou bem ao interpretar o disposto no art.º 1137.º do CC, nomeadamente que nos casos de comodato vitalício não se aplica o...

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