Acórdão nº 1428/21.8T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelARLINDO CRUA
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – J…………….

, de nacionalidade francesa, residente em Avenue ………………., França, intentou acção declarativa, sob a forma de processo especial, tendente à Cessação da Pensão de Alimentos, contra P………………, de nacionalidade francesa, residente na Rua ………….., em Lisboa, deduzindo o seguinte petitório: i) Ser marcada a conferência de partes no prazo de 10 dias, ao abrigo do disposto no art.º 936º do C.P.C. e, na falta de acordo, seguindo-se à contestação os termos do processo comum declarativo.

ii) Subsequentemente, deverá ser extinta a obrigação por parte do Requerente, do pagamento de alimentos mensais à Requerida.

iii) E bem assim, extinta qualquer obrigação do pagamento por parte do Requerente, de quaisquer outras despesas da Requerida ou do seu agregado, para além dos alimentos que forem devidos aos menores”.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: - No dia 29 de Agosto de 2005, Requerente e Requerida contraíram matrimónio em Paris, França, tendo nascido, de tal vínculo conjugal, 5 filhos: Ad……, Au…….., Au………., Na……. e Al……….., todos menores de idade ; - No dia 12 de Setembro de 2016, divorciaram-se por mútuo consentimento, tendo sido o respectivo acordo homologado pelo Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo, Brasil, país de residência de ambos à data (conforme acordo e respectiva sentença de homologação transitada em Julgado, junto como Doc. 1) e em 13 de Novembro de 2017, homologado pelo Tribunal de grande instance de Paris AC 1 (Conforme Doc. 2 que se junta) ; - Simultaneamente, acordaram atribuir o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores de ambos à ora Ré ; - Ficando o Autor obrigado no pagamento de uma pensão mensal de alimentos aos menores no valor de 4.750Euros e uma pensão de alimentos à Requerida no valor de 500 euros, conforme ponto 5.1. do acordo junto como Doc. 1 ; - Tendo o Requerente ficado ainda vinculado no pagamento da renda da casa de morada de família dos menores e da Requerida, no valor de 2.000 euros mensais (pág. 19, ponto 5.5. do acordo), dos passes de transporte no valor de 25 euros mensais por menor (pág. 20 do acordo, pese que não seja devido qualquer montante mensal pelos passes e nunca tenham sido emitidos passes para os menores), dos colégios, actividades extra curriculares (ver ponto 5.3 última parte) e seguros de saúde (ponto 5.4), valores que ultrapassam os 10.000 euros mensais ; - Tal acordo tinha por base as condições do Requerente na data da sua celebração e em concreto, os seus rendimentos mensais em resultado das funções prestadas como administrador da empresa ..., no Brasil, bem como a sua pretensão em minimizar as consequências da separação para os menores, com a manutenção do mesmo nível de vida durante um período razoável e até nova integração laboral da Ré ; - Tendo cumprido escrupulosamente o acordado durante 32 anos, o Autor despendeu anualmente a quantia de 130.957,00 euros ; - Em 18 de Fevereiro de 2019, o contrato de prestação de serviços do Requerente foi denunciado pela sua entidade patronal com efeitos imediatos, cessando por conseguinte funções nessa mesma data, de forma definitiva (conforme Doc. 6 que se junta) ; - Logo transmitiu à Requerida a alteração da sua situação laboral e a nova realidade financeira em que se encontrava, propondo uma alternativa e uma redução pouco significativa dos valores contemplados no acordo e ainda assim muito confortável para a Requerida ; - Propondo-lhe pagar, nesse mesmo ano, o valor global de 85.277,00 euros, na expectativa de que, após regressar ao seu país de origem, conseguisse rapidamente reintegrar-se profissionalmente, permitindo-lhe fazer face a tais custos ; - O que a Requerida Ré recusou ; - Ao regressar ao seu país natal, o Requerente passou a receber apenas um subsídio de desemprego no valor de 556,80 euros mensais ; - Apesar de não ter outros rendimentos e, pese a sua situação financeira, o Requerente continuou a tentar cumprir por todos os meios o acordo, com o enorme esforço que isso representava ; - A Requerida nunca alterou a sua posição inflexível, mostrando total indiferença com a nova realidade do Requerente e a sua falta de rendimentos, em resultado da sua situação de desemprego ; - Nunca tendo demonstrado a mínima intenção em abdicar da sua pensão de alimentos, ainda que incoerente e desfasada da nova realidade do Requerente ; - Possui a Requerida vários rendimentos próprios e recebeu avultadas quantias na decorrência do divórcio, tendo o ora Autor ficado responsável pelo pagamento de todas as dívidas contraídas pelo casal, quer no Brasil quer em França ; - A obrigação de alimentos tem um carácter excepcional e temporário, na medida em que a mesma tem como finalidade auxiliar o ex-cônjuge carecido de alimentos na satisfação das suas necessidades básicas, dando-lhe um mínimo de condições que lhe permita, nos primeiros tempos após o divórcio, reorganizar a sua vida, sendo esta obrigação devida pelo período de tempo necessário para o alimentando se adaptar à sua nova vida apoiando-se, assim, a transição para a sua independência económica ; - Pelo que a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges não perdurará para sempre, na medida em que o beneficiário dos alimentos tem obrigação de providenciar ao seu sustento, esforçando-se para tal.

Juntou prova documental, tendo a acção sido proposta em 18/01/2021.

2 – Devidamente citada, em cumprimento do despacho de fls. 136 para, querendo, contestar, no prazo de 10 dias, a Requerida não apresentou contestação, mas constituiu Mandatária Judicial.

3 – Em 08/10/2021, foi proferido o seguinte DESPACHO: “J………… instaurou a presente ação declarativa especial para cessação de pensão alimentícia contra P…………… pedindo que se declare cessada a obrigação alimentícia constituída em sede de divórcio.

Citada, a ré não contestou.

Porém, compulsados melhor os autos, verifica-se que o autor não alegou nem juntou aos autos documento autêntico donde resulte que a sentença brasileira que decretou o divórcio e homologou os acordos tenha sido objeto de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses.

Ora, nos termos do disposto no artigo 978º do Código de Processo Civil: “1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.

2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.

”.

A revisão da decisão estrangeira, por força do disposto no artigo 979º do mesmo diploma, deve correr termos no “tribunal da Relação da área em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 80.º a 82.º.

”.

Pelo exposto, informe o autor, em 10 dias, se correu termos processo judicial destinado a rever e a confirmar a sentença brasileira, juntando certidão do acórdão com menção do trânsito em julgado”.

4 – Em resposta, o Requerente/Autor apresentou, em 21/10/2021, o requerimento junto a fls. 141 e 142, o qual concluiu nos seguintes termos: “Por todo o atrás exposto e salvo melhor opinião, considera o Autor inexistirem razões ou fundamentos, de facto e de direito, para que o seu acordo de divórcio seja revisto em Portugal, senão veja-se que inclusive, encontra-se a correr termos sob o processo n.º 22671/19.4T8LSB do Juiz 1 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, acção de alteração dos alimentos devidos ao filhos menores, estando designada para o próximo dia 11.01.2022, a audiência de julgamento com a audição das testemunhas arroladas pelas partes, devendo por conseguinte o presente processo continuar seus termos até a final”.

5 – Em 08/12/2021, o Tribunal a quo proferiu o seguinte DESPACHO: “O Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, prevê, no artigo 21º, n.º 1, que as decisões proferidas num Estado Membro são reconhecidas pelos demais Estados Membros sem formalidades.

Porém, vincula e tem aplicação direta e imediata aos/nos Estados Membros da União Europeia. O seu âmbito espacial de aplicação circunscreve-se, com exceção da Dinamarca, às decisões proferidas por tribunais de Estados-Membros, quais sejam: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Roménia e a Suécia (cfr. 31º considerando e artigos 2º, n.º 3, e 21º, n.º 1, do Regulamento).

Ora, nos presentes autos, o autor peticiona a cessação de pensão alimentícia estabelecida em favor da ex cônjuge mulher por meio de acordo homologado por sentença proferida por tribunal brasileiro em sede de divórcio judicial consensual (cfr. ponto 5.2 do acordo, fls. 14V, e sentença homologatória, fls. 24V, proferida pelo tribunal de justiça do estado de S. Paulo, 9ª vara da família e sucessões), tudo indicando, por conseguinte, que foi esta sentença que investiu o autor na obrigação de pagar alimentos à ré.

O Brasil não integra a União Europeia, e por isso, o Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro, não se aplica às decisões proferidas pelos tribunais brasileiros.

Invoca o autor, no requerimento que antecede e em concordância com o alegado no artigo 3º da petição inicial, que o acordo também foi homologado pelo tribunal de grande instância de Paris, referenciando um documento n.º 2 já junto.

O alegado documento 2 não se mostra numerado, o mesmo sucedendo com a tradução...

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