Acórdão nº 11105/20.1T8LSB. L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A 28/05/2020, a E-Lda, intentou uma acção comum contra W-Lda, pedindo a condenação desta a anular a factura M29 de 09/03/2020 e a pagar-lhe 12.633,60€, acrescidos de juros de mora, calculados desde a data em que a autora lhe solicitou o cancelamento da encomenda até ao pagamento integral da quantia.

Para o efeito, alega, em síntese, que é uma sociedade que, entre o mais, dedica a sua actividade profissional à exportação de vinhos; em Fevereiro de 2020, entrou em contacto com a ré para encomendar 1120 caixas de vinho; com a celebração do contrato informou a ré que o vinho ia ser revendido a uma companhia aérea, TAAG - LINHAS AÉREAS DE ANGOLA, e que, por esse motivo, o prazo de entrega deveria ocorrer com a maior brevidade possível; a ré, ciente da urgência na entrega, aceitou fornecer de imediato as caixas de vinho; para efeitos do pagamento da encomenda, a ré emitiu a factura M/28 em nome da autora no montante de 14.275,97€, que a autora liquidou no dia 09/03/2020; contudo, no dia 09/03/2020, a ré anulou a factura M/28 e emitiu uma nova factura (M/29), no montante de 12.633,60€, sem o montante do Imposto de Valor Acrescentado (IVA), visto que os bens a fornecer seriam para revender em Luanda, Angola, procedendo, a ré, de imediato à devolução [à autora] do IVA pago com a factura M/28. No dia 17/03/2020, face ao panorama de emergência de saúde pública de âmbito internacional e à situação de pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19) e ao atraso na entrega dos bens encomendados, a autora enviou uma comunicação para a ré a solicitar [mais à frente, artigo 20, não diz que solicitou, diz que cancelou] o cancelamento da encomenda e, em consequência, a pedir a devolução do montante pago. Isto porque, atendendo à rápida propagação do coronavírus (Covid-19), os Governos dos países afectados foram obrigados a encetar um conjunto de medidas restritivas que acarretaram fortes constrangimentos à circulação de pessoas e de bens. Em Angola, no dia 18/03/2020, o Presidente da República suspendeu todos os voos comerciais e privados de passageiros de Angola para o exterior e vice-versa, com fundamento no comportamento global da pandemia do coronavírus (Covid-19). Deste modo, atendendo às restrições aplicadas relativamente à circulação de pessoas e de bens, as companhias aéreas foram fortemente lesadas, tendo sido obrigadas a limitar o número de passageiros, reduzindo o número de voos diários. Ora, a encomenda realizada junto da ré tinha como objectivo a revenda do vinho junto da TAAG que reduziu significativamente o número de voos diários, limitando apenas os voos a serviços especiais de apoio ao Serviço Nacional de Saúde e voos humanitários. Desta forma, com o cancelamento quase total dos voos diários e com a limitação da circulação de pessoas e de bens, a TAAG não precisava/precisa da quantidade de garrafas de vinho que a autora encomendou. Tal acarretou uma alteração das circunstâncias em que a autora fundou a sua decisão de encomendar o vinho. O negócio deixou de fazer sentido. A autora não tinha possibilidade de revender as garrafas de vinho a uma companhia aérea que não podia / pode desenvolver a sua actividade comercial. Contudo a ré não procedeu à anulação da factura emitida e não devolveu o montante pago pela autora. No e-mail de resposta, de 25/03/2020, a ré limitou-se a ignorar o pedido de cancelamento da encomenda e aproveitou para informar que tinha disponível para levantamento as caixas de vinho. A 30/03/2020, a autora enviou uma nova comunicação para a ré a solicitar o cancelamento da encomenda, a anulação da factura e a devolução do preço. A ré voltou a ignorar o solicitado e a insistir pelo levantamento do vinho que entretanto tinha conseguido preparar, ou seja, parte da encomenda realizada pela autora. Caso se entenda que não estamos perante um caso de alteração substancial das circunstâncias, dever-se-á analisar a mora e o incumprimento do contrato por parte da ré: a ré não entregou o vinho com a maior brevidade possível. A ré apenas tinha preparado para entrega parte do vinho e isto apenas no dia 19/05/2020. Sendo que apenas uma parte da encomenda não teria qualquer utilidade para a autora, visto que a encomenda deveria ser exportada para Angola na sua totalidade. Na eventualidade da autora diligenciar no sentido de enviar as paletes de vinho para Angola teria de suportar os custos de duas entregas, pois a encomenda não estava preparada na data acordada, acarretando assim um aumento significativo do valor da entrega, pois trata-se do envio de bens frágeis, susceptíveis de se deteriorarem, para outro país…. outro continente. Para além disso, importa referir que: ao contrário do acordado entre as partes, a ré promoveu uma “prova de boca” do vinho que, supostamente, fora engarrafado, sem consultar previamente a autora. A prova do vinho encomendado deveria ter sido realizada na presença de um representante da autora – o que não aconteceu. A autora deveria ter sido informada da “prova de boca” para que pudesse fazer-se representar. Nem foi sequer comunicada à autora a data e a hora da recolha das amostras. Assim, a autora não reúne as informações necessárias para acreditar que as análises fornecidas pela ré correspondem ao vinho engarrafado. Com o cancelamento da encomenda realizada, a ré deveria ter anulado a factura M/29 e, em consequência, ter devolvido o montante pago pela autora. Mais à frente, na parte de direito, para além do que já foi dizendo, a autora acrescenta que os constrangimentos provocados pela pandemia do coronavírus (Covid-19), tornaram impossível a manutenção da actividade da TAAG e alteraram por completo a racio da base negocial. A ré estava obrigada a entregar o vinho; como a ré não tinha disponível para entregar todo vinho encomendado incorreu em mora; facto que, associado aos constrangimentos na circulação de pessoas e bens, provocados pela pandemia do coronavírus (Covis-19), acarretou a perda do interesse da encomenda realizada por parte da autora; a ré incorreu em incumprimento definitivo nos termos do artigo 808/1 do Código Civil.

A 11/01/2021, a ré contestou, aceitando parte dos factos alegados, mas impugnando os restantes, designadamente, por desconhecimento, se o destino do vinho comprado seria, efectivamente, o que lhe foi comunicado; alega uma série de factos tendentes a demonstrar que à data da celebração do contrato, já havia uma situação de emergência de saúde pública de âmbito internacional e anúncios de cancelamentos e suspensões de voos que permitiam à autora prever o que se iria passar; diz que, “neste contexto, concretamente em 09/03/2020, as partes celebraram […] o contrato [assumindo, assim, a autora, diz a ré mais à frente, os riscos da situação previsível] e, na sequência de solicitação da autora, em 09/03/2020, ré emitiu a factura M/28 que a autora pagou a 10/03/2020; tendo a autora advertido a ré que o vinho se destinava a exportação e, por isso, não estava sujeito a IVA, a factura M/28 foi anulada e emitida a factura M/29, excluindo o IVA; como a autora tinha pago a factura com o IVA, a ré devolveu-lhe o IVA em 17/03/2020, no valor de 1.642,37€; em 17/03/2020, pelas 12.06min, a ré informou a autora que já haviam sido levadas a cabo análises ao vinho vendido e que, aguardando-se o relatório, tinha já informação de que estava tudo “ok para viagem” e recordou que tinha prontas para entregar “7 paletes de vinho e 3 de branco, menos uma de cada” e que para proceder à preparação de mais uma palete de vinho tinto e mais uma palete de vinho branco “demoro alguns dias”, deixando à consideração da autora o levantamento imediato do vinho pronto ou o levantamento de toda a encomenda em “alguns dias” (vd. doc.3); no mesmo dia 17/03/2020, pelas 15.55h, a autora, através do sócio com o endereço electrónico c@gmail.com, pediu à ré o envio do comprovativo da devolução do IVA indevidamente pago, pedido que a ré correspondeu, pelas 16h34, do mesmo dia. E, no dia 18/03/2020, pelas 11h39, a ré enviou à autora o resultado das análises feitas, pedindo informação sobre o dia em que a encomenda seria levantada (cfr. doc.5). Apenas naquele dia 18/03/2020, mas pelas 19h25h, a autora enviou para a ré, adiantada por via electrónica, a carta datada de 17/03/2020, junta com a PI sob o n.º 5, nenhuma referência sendo feita a qualquer atraso na entrega da encomenda ou ao facto de se ter levado a cabo análises ao vinho (vd. doc. n.º 6). A autora nessa carta nunca chegou, sequer, a informar que, àquela data, o cliente final do vinho comprado tivesse cancelado a encomenda feita. Como não chega sequer a alegar – e menos ainda a provar – que apenas após e em decorrência da desistência do cliente final, manifestou intenção de resolver o contrato celebrado com a ré. Pelo que, em 25/03/2020, a ré, efectivamente, respondeu, reiterando que aguardava instruções sobre se deveria proceder ao enchimento das garrafas em falta ou se deveria proceder à devolução do valor correspondente àquelas duas paletes. Em 03/04/2020, a autora enviou à ré a carta datada de 31/03/2020, onde mais uma vez se constata que se refere em termos genéricos às consequências da pandemia, sem nunca alegar que houve uma encomenda cancelada ou qualquer incumprimento contratual da ré, mormente, qualquer atraso na entrega. Face à alegação infundada e contraditória nos seus próprios termos, de que deveria ser a ré a assegurar o transporte do vinho, ainda assim a ré informou, em 28/04/2020, que “com o exclusivo propósito de obviar a que [a autora] continue a usar sucessivos expedientes para se eximir ao pagamento do vinho comprado, estamos disponíveis para entregar [o vinho], nas vossas instalações (...) na medida em que nos confirmem, no prazo de 10 dias contínuos, essa vontade.” Em 28/05/2020, a autora apresentou a sua PI. Em 12/08/2020, após solicitação da autora, a ré entregou, ao transitário por aquela escolhido, [o vinho].

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