Acórdão nº 3798/19.9T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelCARLOS CASTELO BRANCO
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: * 1.

S.E.E.C. – SOCIEDADE DE EXPLORAÇÃO HOTELEIRA E SIMILARES, LDA., MN e JB, identificados nos autos, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e AN, também identificados nos autos, pedindo a condenação da 1.ª Ré a cumprir o contrato de seguro, nos termos contratados na apólice de seguro, e assim sendo, a pagar à 1.ª Autora o valor de € 60.000,00, correspondentes aos valores das quatro apólices no valor unitário de € 12.500,00 cada, acrescidos do valor de juros à taxa de 4% anuais, num período de cinco anos, totalizando o valor de € 10.000,00, porquanto na apólice contratada era a sociedade 1.ª Autora, a tomadora no contrato a beneficiária do seguro em caso de vida, nos termos que constam das apólices emitidas pela 1.ª Ré (…/…, emitida em 09/01/2013, …/…, emitida em 09/01/2013, …/…, emitida em 09/01/2013 e …/…, emitida em 09/01/2013).

Subsidiariamente ao primeiro pedido, caso se demonstre que a cláusula contratual que estabelecia a 1.ª Autora como tomadora e beneficiária do seguro é nula por ser contrária a legislação imperativa e na medida em que a identificação da sociedade Autora como beneficiária do seguro era condição essencial para a sua celebração, requerem que, nos termos dos artigos 285.º e seguintes do Código Civil, seja aplicável o regime legal de nulidade do negócio jurídico, o que determina como consequência necessária a restituição à sociedade tomadora do seguro de todas as verbas prestadas no respectivo âmbito dos contratos de seguro celebrados, acrescidos dos respectivos juros de mora estes, contabilizados à taxa de juro supletiva aplicável às obrigações comerciais, desde a data da interpelação para pagamento, até à data de integral pagamento.

Subsidiariamente, caso o 2.º Réu haja praticado qualquer acto, na qualidade de gerente da 1.ª Autora, no sentido de alteração aos termos contratuais dos seguros ou de alguma forma ter tido conhecimento de qualquer alteração ao teor das apólices e não tendo dado conhecimento às cessionárias da consequente diminuição dos activos da sociedade, deve o 2.º Réu ressarcir as mesmas no valor de € 30.000,00 que recebeu da 1.ª Ré que omitiu nas negociações de cessão de quotas, porquanto diminuiu o valor do activos da sociedade sem dar conhecimento aos cessionários e que seja a 1ª Ré condenada a pagar à 2.ª Autora o valor referente ao capital e juros relativas às apólices em que esta é pessoa segura.

Para o efeito, alegaram, em suma, que: - A sociedade 1.ª Autora, em Dezembro de 2012, pretendeu contratar um seguro de vida com capitalização; - O 2.º Réu, à data, era sócio gerente da 1.ª Autora e era também mediador de seguros; - A sociedade 1.ª Autora pretendia com o seguro ter um seguro de capitalização, em que o beneficiário em caso de vida fosse a tomadora do seguro, ou seja, a sociedade 1.ª Autora; - Assim, o mediador de seguros e 2.º Réu apresentou à sociedade Seguradora 1.ª Ré, na qualidade de mediador de seguro, quatro propostas de seguro no valor unitário de € 12.500,00, onde constava como beneficiária do valor segurado, o tomador do seguro, ou seja, a própria sociedade; - A sociedade 1.ª Ré aceitou a proposta apresentada; - Em 03-01-2013, a sociedade Autora recebeu as apólices e reparou que, ao contrário do que constava da sua proposta contratual e que havia sido aceite pela 1.ª Ré, figurava na apólice como beneficiário do seguro em caso de vida, a pessoa segura e não o tomador de seguro; - A sociedade Autora contactou a 1.ª Ré, apontando para a existência do lapso e solicitando que a apólice fosse corrigida de acordo com a proposta apresentada e que haviam sido acordados e assim a 1.ª Ré, confirmando que se tinha tratado de um lapso, reformou as apólices; - À data do vencimento dos seguros, a 1.ª Ré, sem qualquer aviso, ia fazer o pagamento não ao tomador que era a beneficiária em caso de vida, mas às pessoas singulares identificadas como pessoas seguras; - A 1.ª Ré procedeu ao pagamento do valor do seguro ao 2.º Réu; - O 2.º Réu foi sócio gerente da sociedade 1.ª Autora e cedeu as quotas de que era titular às Autoras; - Em sede de acordo de partilhas e cessão de quotas foi avaliado o valor da sociedade, que determinou o valor da cessão de quotas; e - O 2.º Réu pode ter praticado algum acto ou ter tido conhecimento de alguma alteração contratual sem informar a co-gerente da sociedade, a 2.ª Autora.

* 2.

O réu AN contestou, alegando, em suma que: - Jamais actuou como mediador de seguros, nem preencheu qualquer proposta e nem contratou ou alterou qualquer seguro à revelia da 2.ª Autora; - Com a 2.ª Autora, como únicos sócios da 1.ª Autora, optaram pela contratação de quatro planos de poupança reforma, em lugar de procederem, entre eles, à distribuição de uma parte dos lucros gerados pela sociedade, opção que se deveu a razões de ordem fiscal, para além de proporcionarem um bom rendimento; - A alteração dos beneficiários ficou a dever-se a um lapso da 1.ª Ré ou a 2.ª Autora, excedendo os seus poderes de representação e à revelia do 2.º Réu, a promoveu; e - Não constituindo os seguros de vida um activo da sociedade 1.ª Autora, mas uma aplicação feita em benefício dos seus gerentes, os mesmos não foram tidos em conta no apuramento do valor das quotas do 2.º Réu no capital social da 1.ª Autora.

Concluiu pela improcedência da acção.

* 3.

A ré FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. contestou, alegando, em síntese, que: - Das propostas em causa nos autos, consta expressamente, no topo superior direito de cada uma delas, que “Este seguro será subscrito ao abrigo do disposto no art.º 23 do CIRC” e também consta que “os benefícios atribuídos no âmbito deste contrato são considerados direitos adquiridos e individualizados da Pessoa Segura, e como tal sujeitos, nos termos do art.º 2.º do CIRS a tributação como rendimentos de trabalho dependente – Categoria “A” de IRS”; - Nunca, quer nos termos legais, quer nos contratuais, os contratos de seguro poderiam ter por beneficiária a própria sociedade tomadora do seguro; - Eventualmente, por erro, foram emitidas novas condições particulares, nas quais figura como beneficiária a Autora sociedade, mas tais condições particulares não podem ser havidas como vinculativas pois as mesmas violam a lei; - No termo do prazo dos contratos de seguro, a Ré emitiu a favor da 2.ª Autora os recibos de pagamento, bem como os recibos de pagamento a favor do 2.º Réu; e - A 2.ª Autora recusou recebê-los e o 2.ª Réu aceitou receber os valores respeitantes ao resgate das apólices de que era beneficiário.

Concluiu no sentido de serem os contratos declarados parcialmente nulos no que respeita ao conteúdo da cláusula beneficiária deles constante, a qual deve ser reduzida por forma a que o beneficiário em caso de vida de cada um deles seja o que deles é a pessoa segura e que seja a Ré absolvida dos pedidos formulados pelas Autoras, sem embargo de a 2.ª Ré ter direito a receber da Ré, em singelo e sem quaisquer juros moratórios, as prestações que lhe são devidas a título de resgate e lhe foram oferecidas a 8 de Janeiro de 2018.

* 4.

Realizou-se audiência prévia, na qual se procedeu à prolação de despacho saneador, julgando-se procedente a ineptidão quanto à 2.ª parte do pedido formulado em 3.º lugar e em consequência, foi absolvida a 1.ª Ré da instância nessa parte e foi proferido despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.

* 5.

Teve lugar a realização de audiência de discussão e julgamento, após o que, em 18-02-2022, foi proferida sentença que decidiu “julgar procedente o pedido principal formulado” e, em consequência, condenar “a Ré FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à 1.ª Autora S.E.E.C. – SOCIEDADE DE EXPLORAÇÃO HOTELEIRA E SIMILARES, LDA. o valor de € 60.000,00 (sessenta mil Euros)”.

* 6.

Não se conformando com a referida decisão, dela apela a ré FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, .S.A, pugnando pela revogação da mesma e substituição da decisão por outra que a absolvesse do pedido, tendo formulado as seguintes conclusões: “(…) 1. no topo superior direito de cada uma das propostas de seguro “sub judice” expressamente consta que “Este seguro será subscrito ao abrigo do disposto no artº 23 do CIRC” 2. os contratos de seguro “sub judice”, nos quais a A. sociedade é tomadora, consubstanciam e têm a natureza de produtos financeiros submetidos ao regime legal previsto no CIRC (Código do Imposto de Rendimento das Pessoas Coletivas).

  1. nos termos do disposto no artº 23, nº 2 do referido diploma legal, “são dedutíveis os custos da empresa sujeito passivo de IRC (no caso a Sociedade A.) com “os gastos de natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados”) 4. no campo 5 das propostas de seguro “sub judice” consta que, “os benefícios atribuídos no âmbito deste contrato são considerados direitos adquiridos e individualizados da Pessoa Segura, e como tal sujeitos, nos termos do artº 2º do CIRS a tributação como rendimentos de trabalho dependente – Categoria “A” de IRS”.

  2. o Decreto-Lei nº 158/2002 de 2 de julho, diploma legal que estabelece o regime legal dos PPR e, por isso, vincula todas as partes na presente ação, incluindo a Ré seguradora, dispõe no seu artº 1º, nº 4 que “os certificados nominativos de um fundo de poupança podem ser subscritos por pessoas singulares ou por pessoas coletivas a favor e em nome dos seus trabalhadores.”… 6. … o que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT