Acórdão nº 469/22 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Vice-Presidente
Data da Resolução28 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 469/2022

Processo n.º 573/21

Plenário

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Por decisão de 30 de julho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, “ECFP”) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela CDU – Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), relativas à campanha eleitoral para a eleição para o Parlamento Europeu, realizada em 25 de maio de 2014 [cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, “LFP”) e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, “LEC”)].

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Existência de despesas não liquidadas pela conta bancária da campanha, em violação do artigo 15.º, n.º 3, da LFP;

b) Impossibilidade de aferir sobre a razoabilidade de despesas de campanha e deficiências no suporte documental de despesas, em violação do art.º 12.º, n.ºs 1 e 2, aplicável ex vi art.º 15.º, n.º 1, da LFP; e

c) Existência de despesas de campanha relacionadas com ajudas de custo – deficiente discriminação de cada ato de despesa e ausência do respetivo documento certificativo do qual conste o motivo subjacente ao pagamento das ajudas de custo, em violação do artigo 12.º, n.º 3, alínea c), subalínea i), ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP.

Desta decisão não foi interposto recurso.

2. Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PCP e o PEV, enquanto partidos integrantes da CDU, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão (cf. PC n.º 57/2020).

Notificados do processo de contraordenação, o PEV e o PCP apresentaram a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC.

No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 14 de abril de 2021, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido Partido Comunista Português, enquanto partido integrante da CDU – Coligação Democrática Unitária, uma coima no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

b) Ao arguido Partido Ecologista “Os Verdes”, enquanto partido integrante da CDU – Coligação Democrática Unitária, uma coima no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP.

3. Inconformados, os arguidos impugnaram esta decisão junto do Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC.

O arguido PEV fez constar o seguinte das suas alegações:

«1º

Veio a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) notificar o Partido Ecologista Os Verdes, ora Arguido, de ora em diante PEV, da decisão condenatória tomada no âmbito do processo de contraordenação supra identificado, pela pretensa violação do artigo 31 º, nº l e 2 da Lei 19/2003, de 20 de Junho, em que foram apontadas irregularidades nas contas apresentadas pela Coligação Democrática Unitária (CDU) em relação à campanha eleitoral para a eleição das deputados ao Parlamento Europeu de 25 de Maio de 2014, conforme apresentado nos Autos.

I - Sobre as despesas de campanha pagas diretamente pelo PEV sem dar entrada na conta bancária da campanha

A ECFP identifica um conjunto de despesas pagas diretamente pelos partidos arguidos constituintes da coligação eleitoral Coligação Democrática Unitária – CDU – sem terem dado entrada na conta bancária da campanha.

Todas as despesas em causa da responsabilidade do PEV são referentes a uma mesma situação, ocorrida entre os dias 13 e 15 de janeiro de 2014, com exceção da relativa ao dia 1-2-2014.

As primeiras, quando foram realizadas, entendeu-se não corresponderem a despesas da campanha uma vez que a iniciativa, a 5 meses das eleições, tinha outros objetivos em função da agenda política nacional e do PEV.

Contudo, como acabou por se tomar decisões relativas igualmente às eleições europeias, entendeu-se, colocando o valor da transparência total das contas e não omissão de qualquer facto nas mesmas acima do risco de vir a ser considerada a prática de uma contraordenação, incluí-las nas contas da campanha.

Contudo, à data da sua realização e pagamento de despesas associadas, não se previu, nem era possível prever que se deveriam computar nas contas da campanha eleitoral próxima.

Por outro lado, à data da referida iniciativa, a conta bancária da campanha ainda não se encontrava aberta.

Com respeito à despesa feita com a Mestres Publicidade, em 1-2-2014, relativamente a impressão de imagem em vinil em estruturas publicitárias do PEV alusivas às Europeias 2014, é preciso atender ao facto do contrato com a dita empresa se reportar a todo o ano.

Com efeito, o PEV tinha um contrato anual, que vinha já do ano anterior, com essa empresa, segundo o qual a mesma se obriga a colocar novos painéis, com uma frequência trimestral, cabendo ao PEV apenas fornecer o novo painel a colocar na próxima data de renovação da imagem do outdoor.

10º

Assim, o valor é faturado em global (16.211,89€) e não especificamente para aquela nova imagem, razão pela qual o PEV tinha que pagar a fatura que lhe dizia respeito a si, não podendo imputar a totalidade da fatura às contas da campanha.

11º

A emissão da fatura é da responsabilidade do credor não estando na disponibilidade do devedor alterá-la ou exigir a sua alteração – podendo, quando muito recusar-se a pagá-la se a mesma não corresponder ao valor devido, o que não era o caso.

12º

Imputar a fatura às contas da campanha seria cometer outra ilegalidade, mais grave em nossa opinião.

13º

Entendeu-se que a dita imagem em vinil para outdoor seria correspondente a uma entrada em espécie feita pelo PEV para a Campanha, e como tal contabilizada.

14º

Não existiu assim qualquer falta de transparência, antes pelo contrário: pelo facto do PEV pretender ser totalmente colaborante, transparente, rigoroso e escrupuloso na informação prestada, não querendo esconder qualquer despesa realizada que pudesse legitimamente ser imputada à campanha eleitoral em causa, é que decidiu incluir as despesas em causa nas contas apresentadas.

15º

Contudo, no momento em que foram decididas fazer essas despesas, não seria possível antever a sua associação a posteriori à campanha em causa, por um lado, em relação às de janeiro de 2014, e por outro, em relação ao contrato anual dos outdoors, alvo de apenas uma fatura, onde se integra uma parte de despesas pertencentes à campanha e outra parte que não pode ser incluída nas mesmas.

16º

Atente-se que as pretensas soluções que a ECFP apresenta como pretensas “alternativas” para o PEV ou a CDU não ter incorrido na pretensa infração (“abertura por cada um dos partidos que constituem a Coligação de uma conta bancária especifica”; ou “abertura por ambos os partidos que constituem a Coligação de uma conta bancária específica”; ou “abertura apenas por um dos partidos que constituem a Coligação de uma conta bancária específica para a Campanha”), mostram-se igualmente de conformidade duvidosa com a letra da lei e potencialmente gerariam igualmente uma reação condenatória da ECFP.

17º

O que não se pode aceitar é, como pretende a ECFP, que com esta atuação os arguidos “não comprovaram devidamente a despesa em questão, já que a real origem do valor utilizado e o concreto destino não poderão, desse modo, ser sindicados”.

18º

Esta conclusão da ECFP mostra-se, salvo o devido respeito, absolutamente ilógica e infundada, pois a demonstração da despesa, e a sindicância da real origem do valor e o destino não dependem do uso ou não da Conta bancária da Campanha mas sim da documentação que demonstra a despesa e das declarações feitas e contas apresentadas.

19º

De resto, se a Coligação, por escrúpulo e respeito pela verdade e transparência, não tivesse declarado as referidas despesas e não as tivesse demonstrado documentalmente, a ECFP poderia nem das mesmas tomar conhecimento, situação, essa sim, com gravidade.

20º

Não existiu, assim, qualquer violação dos deveres de transparência ou de colaboração ou impossibilidade de sindicar as contas, razão pela qual deverá a aludida infração não dar lugar a qualquer sanção.

II - Sobre as despesas insuficientemente comprovadas – listagem n.º 38/2013

21º

Vem a ECFP considerar insuficientemente demonstrada a razoabilidade do conjunto de despesas elencadas no auto, em virtude dos preços contratados serem divergentes dos que constam da listagem n.º 38/2013, sem contudo concretizar nem especificar em que medida e em que termos ocorre essa divergência.

22º

Mesmo que se considere que a listagem n.º 38/2013 se encontraria atualizada, face aos preços de mercado praticados em 2014, não se pode perder de vista que a mesma lista é meramente indicativa, sendo que o próprio mercado é ele próprio volúvel, a livre concorrência é fluida inconstante e determinada por fatores incontroláveis, um dos quais é o decurso do tempo.

23º

Verifica-se que, nuns casos, o valor se encontra acima do “Valor unitário ECFP'”, noutros casos abaixo.

24º

A listagem nº 38/2013 não pode ter o alcance jurídico de obrigar a coligação a fazer maior despesa com meios de propaganda, inflacionando-as, apenas porque essa maior despesa decorre dos parâmetros da listagem...

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