Acórdão nº 0159/17.8BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução29 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A....................... – Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal n.º……………….., com sede na Rua …., n.º….., zona Industrial de……, 4520-….. Rio Meão, concelho de Santa Maria da Feira, tendo sido notificada do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29 de novembro de 2021, que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 29 de abril de 2021 que, por sua vez, tinha julgado improcedente a impugnação de liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios de períodos de 2013, no valor global de € 71.423,69 dele veio interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, invocando contradição entre aquele acórdão e o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2020, tirado no processo n.º 01762/13.0BEBRG.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…) 1) O Recurso foi interposto com fundamento em contradição de Acórdãos, servindo de Acórdão Fundamento o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2a Secção, datado de 16-09-2020, Processo N° 01762/13.0BEBRG, Nulidade Processual - Regime de Arguição - Princípio do Contraditório - Falta de Notificação de documentos com o articulado, publicado em www.dg[s]i.pt.

2) A contradição de Acórdãos resulta da existência de soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, ou seja, sobre Nulidade Processual - Regime de Arguição - Princípio do Contraditório - Falta de Notificação de documentos com o articulado.

3) Enquanto no Acórdão recorrido se considera não ser necessário notificar a Impugnante, aqui recorrente, dos Relatórios elaborados aos emitentes, no Acórdão fundamento, pelo contrário, considerou-se e bem, "que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório (actualmente entendido como "direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo"), não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. " 4) E acrescenta o Acórdão Fundamento que: "A falta de notificação do teor de documentos juntos com o articulado inicial e que se constata como relevantes para a decisão de mérito, constitui irregularidade processual com o regime de arguição/decisão previsto no artº. 195 e seg., do C. P. Civil, aplicável ao processo tributário "ex vi" do artº. 2, al. e), do C.P.P.T., consubstanciando omissão susceptível de influir no exame ou na decisão da causa." 5) No Acórdão recorrido, considerou-se que a Sentença recorrida não viola o artigo 115.º, nº 3 do CPPT, nem incorre na nulidade processual insuprível prevista no artigo 98º, n.º 1, alínea b), ao dar por provados determinados factos com fundamento em excertos do Relatório de uma Inspeção ao emitente, ora tal, salvo o devido respeito, não é legal, nem correto.

6) O Acórdão recorrido ao negar provimento ao Recurso, mantendo a Douta Sentença recorrida com base no ónus da prova, sem que o Relatório da Inspeção Tributária do emitente em causa tenha sido notificado do seu teor integral à recorrente, afronta clamorosamente o Princípio do Inquisitório consagrado no artigo 58° e 98.º da Lei Geral Tributária.

7) Sendo que, tal documento por virtude do princípio do contraditório, tinha de ser integralmente notificado à outra parte, ou seja, a Impugnante, ora recorrente, para que lhe fosse possível exercer adequadamente o respetivo direito do contraditório, o que não ocorreu, na mais completa violação do artigo 98° da Lei Geral Tributária e artigo 115.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

8) A impugnante, ora recorrente, tinha direito de verificar se a Autoridade Tributária e Aduaneira na área dos emitentes, teria ou não considerado como proveitos/vendas no naquele exercício, as faturas que posteriormente imputou de falsas na contabilidade da Impugnante, ora recorrente.

9) Por isso, tal Relatório, por virtude do princípio do contraditório tinha que ser integralmente notificado à outra parte, ou seja, à Recorrente, para que lhe fosse possível exercer adequadamente o respectivo direito do contraditório, aliás, em conformidade com o artigo 98° da Lei Geral Tributária, nos termos do qual as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa, de acordo com o princípio da igualdade processual em sintonia com os artigos 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa.

10) Mais, a dimensão substancial do princípio da igualdade processual consagrado no artigo 98° da Lei Geral Tributária rejeita a possibilidade de atribuição à Autoridade Tributária e Aduaneira de privilégio probatório na instrução do processo, ou seja, a uma posição de superioridade probatória em relação à impugnante, ora recorrente, não podendo os factos serem considerados provados com base em prova inexistente nos próprios autos.

11) É que, tal como resulta do artigo 74°, n° 1 da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos cabe a quem os invoque, e neste caso, cabia à Administração Tributária, o que não fez, pois a transcrição de meros "excertos" dos alegados Relatórios dos emitentes das faturas em causa, não são prova nestes autos.

12) Quanto às questões das nulidades insanáveis (artigo 98° do C.P.P.T., os elementos constantes dos alegados "Relatórios de Inspeção" têm, dentro do processo de Impugnação judicial, a natureza de prova e, por virtude do princípio do contraditório, para serem considerados como prova bastante no caso sub judice, tinham de ser integralmente notificados à impugnante, aqui recorrente, o que nunca aconteceu, na mais completa violação dos artigos 98° da Lei Geral Tributária e 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa, pelo que há que cumprir a Lei do nosso país em matéria tributária, nos termos do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.

13) A lei, artigo 152.º do CPA e na especialidade o artigo 77.º da Lei Geral Tributária, estabelece o dever de fundamentação dos actos tributários que deve ser expressa através de sucinta expressão dos fundamentos de facto e de direito da decisão (artigo 153.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo e artigo 77.º da Lei Geral Tributária.

14) Assim, existindo, assim, identidade da questão de direito e de facto, reafirma-se que têm as decisões proferidas no Acórdão recorrido e no Acórdão Fundamento sentidos opostos, pelo que existe a referida contradição de Acórdãos.

15) Foram violados os artigos 45°, n° 1, 111°, n.º 2, alínea b), 115°, n° 3, 98°, n° 1 do C.P.P.T., os artigos 64º, 74º e 76º, 98º da L.G.T. e artigos 13º, 20º e 103º, 266º, nº 1 e 2 e 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de Direito, existindo, assim, identidade da questão de direito e de facto, reafirma-se que têm as decisões proferidas no Acórdão recorrido e no Acórdão Fundamento sentidos opostos, pelo que existe a referida contradição de Acórdãos e invoca-se ainda as nulidades insanáveis supra identificadas, a bem da JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto, o qual lavrou douto parecer no sentido de não ser tomado conhecimento do mérito do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, dada a evidente simplicidade da causa e atento o estipulado na parte final do n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.

◇◇◇ 2. Dos fundamentos de facto 2.1. No acórdão recorrido foram relevados os seguintes factos, que tinham sido dados como assentes em primeira instância: «(...) 1) A Impugnante é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, cujo objeto social consiste no comércio por grosso de bens de consumo derivados de cortiça, comércio por grosso de produtos de cortiça, fabricação, transformação, acabamento e embalagem de rolhas de cortiça, importação e exportação de produtos de cortiça, estando classificada com o CAE principal 46494 Outro comércio por grosso de bens de consumo [cfr. Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a fls. 4 a 59 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].

2) A impugnante iniciou atividade em 01/02/2010, estando enquadrada em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, no regime normal de tributação, e em sede de Imposto Sobre Valor Acrescentado, no regime normal de periodicidade mensal [cfr. RIT a fls. 4 a 59 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].

3) A coberto da ordem de serviço n.º OI201501407 a Administração Tributária desencadeou um procedimento inspetivo externo à Impugnante, de âmbito geral e com extensão temporal ao exercício de 2013, motivado pelo facto de que «no decurso do cruzamento dos mapas recapitulativos de clientes e fornecedores entregues conjuntamente com a IES apurou-se que a [Impugnante] declarou ter feito aquisições a contribuintes indiciados pela prática de crimes fiscais, razão pela qual se tornou necessário averiguar a respeito dessas supostas compras» [cfr. RIT a fls. 4 a 59 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].

4) No âmbito do procedimento inspetivo referido no ponto anterior foi elaborado projeto de relatório de inspeção tributária (RIT), o qual foi sancionado por despacho de 04/08/2016 do Diretor de Finanças e remetido à Impugnante em 05/08/2016, por via postal registada, através do ofício n.º 8206487, da mesma data [cfr. registo, ofício e projeto a fls...

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