Acórdão nº 020/22.4BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA CADILHE RIBEIRO
Data da Resolução29 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1.

A…………, Lda, sociedade identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.º 533/2020-T, invocando oposição com decisão do mesmo CAAD, proferida no processo n.º 182/2017-T.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: A- O presente recurso vem interposto da decisão arbitral proferida no processo nº 533/2020-T, que correu termos no CAAD, que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa (DJAC) da Direção de Finanças do Porto, onde pedia que fosse anulado o ato tributário de liquidação adicional, referente a IRC - ano de 2017, bem como a declaração da ilegalidade do respetivo ato tributário de liquidação adicional.

B- Para fundamentar o seu pedido alegava a Recorrente, em síntese, a ilegalidade do despacho de indeferimento da R Graciosa e do ato de liquidação de IRC e de juros compensatórios subjacente, por entender enfermar de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto entendia, entre o mais, que, existindo saldos de caixa considerados excessivos em todos os anos anteriores ao ano de 2017, e constando do extracto da conta 11, os movimentos que deram origem a esses acréscimos no saldo de caixa teria de concluir-se que as saídas ocorreram nesses anos anteriores, uma vez os saldos de caixa respetivos deram cobertura ao montante das saídas considerado para efeitos de tributação autónoma.

C- Para a liquidação ser referente a 2017 tinham que se identificar os factos tributariamente imputáveis unicamente ao exercício de 2017, por força do citado artº8º, nº 1, do CIRC, e que não poderiam, em nenhuma circunstância, ser imputados a outro exercício.

D- A aferição do critério temporal definidor dessa tributação tinha reflexo directo na caducidade do direito à liquidação que se alegava, como fundamento da anulação do acto tributário.

E- Ao contrário do sustentado pela Recorrente, entendeu-se na Decisão Recorrida, quando os sujeitos passivos, incumprindo os seus deveres declarativos, omitem a contabilização das saídas de caixa, é inviável a determinação da data da saída de caixa, pelo que terá de recorrer-se como indicador supletivo à data da contagem física de Caixa.

F- Assim, concluiu-se não assistir razão à Requerente: (i) quer em relação ao momento temporal a que se reporta o facto gerador, não tendo logrado demonstrar que as saídas de Caixa em causa ocorreram em anos anteriores a 2017; (ii) quer em matéria de caducidade do direito à liquidação, pois, sendo o ano de referência 2017, em 2019 ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos, contado nos termos do disposto nos artigos 45.º, n.º 1 e 46.º,n.º 1, ambos da LGT.

G- Acontece que esta decisão arbitral proferida, (Acórdão Recorrido), julgou improcedente a pretensão da aqui Recorrente, adoptando uma solução jurídica que, no seu entendimento, se encontra em oposição frontal e direta com a solução jurídica adotada na anterior Decisão proferida no Processo 182/2017-T, do CAAD, (Decisão/Fundamento).

H- Encontra-se, pois, justificada a intervenção uniformizadora deste Tribunal para dirimir a questão fundamental de direito: A concluir-se pela existência de despesas não documentadas, não será aplicável o princípio da especialização dos exercícios devendo as mesmas ser imputadas ao exercício em que foi detectada a divergência entre o saldo e a realidade, como atesta a Decisão recorrida, e, por isso, não haveria lugar à caducidade da liquidação relativamente a esses anos, ou …apenas poderão ser imputadas ao período em causa, as despesas que correspondem à diferença entre o saldo da conta do ano em que foi feita a conferência. Por isso, relativamente aos rendimentos anteriores ficariam sujeitos a tributação, nesses anos, sobrevindo a dita caducidade de liquidação, como se entende na Decisão/Fundamento I- A solução adotada pelo Acórdão Recorrido, encontra-se em oposição frontal e direta com a solução jurídica adotada no Acórdão/Fundamento e não deverá manter-se, pois, neste ultimo, está consagrada a interpretação jurídica que se afigura mais consentânea com o entendimento que deve ser admitido.

J- A prova do momento da ocorrência das despesas e o facto tributário são, obviamente, coisas diferentes a existência de despesas e o momento em que ocorrem, e a prova da sua existência e o momento em que a prova é obtida.

O facto tributário, que justifica a tributação, é a existência de despesas, que não se confunde com a prova da sua ocorrência.

K- No entendimento plasmado na Decisão Recorrida, o momento da ocorrência do facto tributário acaba por ser aquele em que se fez a contagem física da caixa, o que se reconduz à possibilidade de multiplicação ilimitada dos factos tributários, pois sempre que fosse efectuada uma contagem e fosse detectada uma falta de valores na caixa física estar-se-ia perante um novo facto tributário: isto é, houve um facto tributário porque foi feita uma contagem, mas, se fosse feita nova contagem no dia seguinte, haveria aí um novo facto tributário, pois ainda não haveria os valores em caixa. E assim sucessivamente, a mesma apropriação de quantias seria suporte de multiplicação de tributações autónomas todas as vezes (duas, três, cinco, dez ou mais) que fosse efectuada uma contagem física e se verificasse que continuava a faltar aquele valor em caixa física.

L- Esta seria uma hipotética solução legislativa tão desacertada e desproporcionada, por razões que suponho serem óbvias, que tem de se presumir não ter sido legislativamente adoptada, por força da presunção que impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

M- E, da mesma forma, as mesmas despesas não documentadas que terão forçosamente ocorrido antes de 2014 poderiam ser repetidamente tributadas, tanto antes da data em foi feita a contagem como posteriormente, ad eternum, sempre que se fizer uma nova contagem que confirme que continua a falta de valores na caixa física. Esta tese, para além de contrariar o texto do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que identifica as despesas e não a contagem física da caixa como o facto tributário sujeito a tributação autónoma, é também incompatível também com o n.º 14 do mesmo artigo que impõe a conexão das despesas com determinado período de tributação.

N- E a tese, ao permitir tributar com tributações autónomas despesas ocorridas em qualquer momento do passado, desde que a contagem se faça dentro do prazo de caducidade, é também incompatível com a proibição da retroactividade das leis fiscais (artigo 103.º, n.º 3, da CRP), pois, em última análise, permite, por essa via, tributar, inclusivamente, despesas realizadas antes da introdução no nosso sistema jurídico das tributações autónomas (há 20,30 ou mais anos) e aplicar as taxas actuais a despesas que foram realizadas quando as taxas eram menores.

O- O que releva quando se está a aplicar a justiça é que, quaisquer que sejam os métodos que se utilizem, com presunções ou sem elas, num juízo objectivo e imparcial inerente a uma decisão jurisdicional, não há qualquer fundamento para crer que uma empresa com a dimensão da Requerente dispusesse daqueles elevados valores em caixa física no início de 2017 e os tivesse utilizado integralmente durante esse ano para pagamentos ou apropriações não documentadas.

P- No caso, a natureza do rendimento foi assumida, desde o primeiro momento, pela Recorrente, reconhecendo tratar-se de rendimentos de capitais resultantes de adiantamentos por conta de lucros a que se refere a al. h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS.

Q- No final dos exercícios dos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, constavam nas demonstrações financeiras da Requerente, os saldos de caixa de € 322 628,63, de € 332 961,46, de € 343 759,25, de € 394 606,55 e de € 406 364,60, respectivamente.

R- A Recorrente, regularizou as Declarações de Retenções na fonte IRS/IRC e Imposto relativas aos anos 2014/15/16/17, não o tendo feito no respeitante aos adiantamentos por conta de lucros ocorridos antes de 31.12.2013, atento o instituto da caducidade...

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