Acórdão nº 080/20.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução29 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: Z………, LDA., sociedade com sede na Avenida ………., n.º ………., 1070-…….. Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ……….., tendo sido notificada da douta decisão arbitral proferida no processo em epígrafe, com a mesma não se conformando, e encontrando-se esta em manifesta contradição com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral em 29.10.2018, no âmbito do processo n.º 200/2018-T, vem, nos termos do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 152.º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor da mesma recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou, tendo concluído: 1.ª O presente recurso vem interposto em virtude da evidente contraposição entre o douto acórdão-recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 200/2018-T em 29.10.2018; 2.ª A identidade factual entre o acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento resulta da circunstância de ambos terem sido confrontados com inexistência de facto tributário, e com isso terem apreciado qual o momento a considerar para efeitos da colocação à disposição dos rendimentos dos sócios e, consequentemente qual o momento em que os rendimentos qualificados como lucros ou adiantamentos por conta de lucros devem ser tributados; 3.ª No que respeita à identidade das situações de facto, tanto no acórdão-fundamento como no acórdão-recorrido se discute se determinados lançamentos contabilísticos, que não encontram correspondência com as contas bancárias das sociedades, nem evidência de fluxos financeiros no sentido da disponibilização de rendimentos aos sócios, configuram ou não uma situação de colocação à disposição dos sócios de rendimento nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, e, por conseguinte, constituem um incremento patrimonial que deveria ter sido tributado, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, mediante retenção na fonte, no momento em que se reconheceu contabilisticamente a colocação à disposição do rendimento aos sócios; 4.ª No que concerne ao fundamento de direito, é evidente que ambos os acórdãos são chamados a pronunciar-se sobre a mesma questão jurídica, qual seja, o momento em que deve considerar-se que os rendimentos são colocados à disposição dos sócios de determinada sociedade, para efeitos de tributação em sede de IRS mediante aplicação da presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, em conjugação com a subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do Código do IRS; 5.ª Não obstante a identidade da situação fáctico-jurídica vertida e apreciada nos acórdãos em causa, viriam os mesmos a decidir em sentido contraditório: - no acórdão-recorrido entendeu-se que a presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS apenas se reporta à qualificação jurídica das quantias disponibilizadas e não à data em que as mesmas ocorreram, pelo que o momento da colocação à disposição dos rendimentos terá de ser o momento em que tal disponibilização efetivamente ocorreu, independentemente da data em que foi efetuado o registo contabilístico; por sua vez, - no acórdão-fundamento, entendeu-se que, não obstante a tributação ser baseada na presunção do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, e de ser a colocação à disposição que determina a sujeição a tributação, atendendo a que os registos contabilísticos evidenciam a disponibilização de rendimentos no ano de 2014, terá de ser com base nesses meros lançamentos contabilísticos que se identifica o momento relevante para efeitos de tributação; 6.ª Pelo exposto, é evidente a contradição entre o acórdão-fundamento e o acórdão-recorrido quanto à mesma questão fundamental de direito, qual seja, a de saber qual o momento a considerar como momento da colocação à disposição dos rendimentos aos sócios, para efeitos de tributação em IRS, nos termos do artigo 6.º, n.º 4, em conjugação com a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, de rendimentos que se subsumam na presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do mesmo Código; 7.ª No entender da Recorrente, pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 200/2018-T, é a que se afigura mais correta, no entender da ora Recorrente, pelo que deverá prevalecer sobre o entendimento do acórdão-recorrido, firmando-se para efeitos de uniformização de jurisprudência; 8.ª Entende a Recorrente que a interpretação constante do acórdão-recorrido não pode colher, por afrontar o disposto nos artigos 6.º, n.º 4, e 7.º do Código do IRS, bem como o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade tributária; 9.ª Nos aludidos preceitos legais não é efetuada qualquer ressalva para o momento da tributação especifica para as situações em que os rendimentos são enquadráveis como lucros ou adiamentos por conta de lucros por via da aplicação da presunção consagrada no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS; 10.ª A aplicação legal das normas em apreço dita que para efeitos de tributação se considere o momento da colocação à disposição dos rendimentos, independentemente da data do lançamento contabilístico; 11.ª O Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo arbitral n.º 200/2018-T (acórdão-fundamento), ao entender que a presunção do n.º 4 do artigo 7.º do Código do IRS apenas se reporta à qualificação jurídica das quantias disponibilizadas e não à data em que elas ocorreram, destacando inclusive que “(…) não se estabelece[ndo] uma presunção de que a disponibilização ocorre na data em que foi efetuado o lançamento contabilístico” (cf. p. 18 do acórdão-fundamento). Aliás, reforça ainda o mesmo Tribunal que “Pelo contrário (…) aqueles rendimentos ficam sujeitos a tributação «desde o momento em que … são colocados à disposição do seu titular», portanto, independentemente de ser ou não efetuado o lançamento contabilístico” (cf. p. 18 do acórdão-fundamento) 12.ª Ao invés, o Tribunal-recorrido, entendeu que o momento a considerar par efeitos de tributação era o momento do lançamento contabilístico; 13.ª Como resulta provado nos presentes autos, em 01-01-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco ……….era de € 16.198,00 e em 31-12-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco ……… era de € 8.974,69 (cf. p. 31 do acórdão-recorrido), pelo que é evidente que, devido ao saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Recorrente, o rendimento no montante de € 840.500,00 não poderia ter sido colocado à disposição dos seus sócios no exercício de 2014, impunha-se, portanto, a conclusão de que a liquidação de retenções na fonte melhor identificada supra era manifestamente ilegal e deveria ter sido anulada com as demais consequências legais; 14.ª Entende a Recorrente que, o acórdão-recorrido procedeu a um incorreto julgamento quando concluiu que o momento da colocação à disposição, para efeitos de tributação, é o momento do lançamento contabilístico; 15.ª Com o devido respeito, a decisão adotada pelo Tribunal recorrido abre a porta a uma margem de discricionariedade e de incerteza que não é admissível no ordenamento jurídico-tributário à luz do princípio da segurança jurídica, pois admite que se possa “optar” por lançar ou não lançar registos contabilísticos em determinado momento, consoante tal seja mais ou menos vantajoso para o sujeito passivo; 16.ª Acresce que, o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido bule também com o princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13.º da CRP, na medida em que para determinados contribuintes o momento relevante a considerar para efeitos de tributação será o momento da colocação à disposição do rendimento e para outros será o momento do lançamento contabilístico; 17.ª Em face de todo o exposto, não poderá o acórdão-recorrido manter-se e, nessa medida, deixar de ser anulado, firmando-se, para efeitos de uniformização de jurisprudência o entendimento ora prescrito e no acórdão-fundamento de que o momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os lucros ou adiantamentos por conta de lucros é o momento da sua colocação à disposição.

Por todo o exposto, encontrando-se demonstrada no caso vertente a contradição entre os acórdãos em confronto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente fixação da jurisprudência firmada no acórdão-fundamento, determinando-se a anulação do acórdão-recorrido nos termos peticionados.

Contra-alegou a Administração Tributária, apresentando umas extensas conclusões, as quais se dão aqui integralmente por reproduzidas, em que, no essencial, entende que não deve ser admitido o recurso porque não se verificam os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito.

Cumpre decidir.

Na decisão arbitral recorrida proferida nos autos n.º 733/2019, foi levada ao probatório a seguinte matéria de facto: A Requerente é uma sociedade por quotas, cujo objeto social definido na certidão permanente refere “Prestação de serviços médicos, incluindo oftalmologia e anestesia, outras atividades de saúde humana”; A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa ao exercício de 2014, em que foi elaborado o RIT que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte: III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS Foram recolhidas diversas informações tendo em vista a fundamentação da decisão a tomar no âmbito desta ação de inspeção.

Através de contactos estabelecidos por email e via telemóvel com B... o, na qualidade de Contabilista Certificado (CC) do sujeito passivo (SP), agendou-se reunião com o S.P. para o dia 15/05/2017, no C..., Rua ..., ..., ...-... Lisboa, morada esta respeitante ao local onde o sócio D... NIF..., de...

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