Acórdão nº 00193/17.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO AA---, S.A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, em 17.01.2022, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré AA---, S.A.

“(…) a pagar à Autora a quantia de 2.653,74€ (dois mil, seiscentos e cinquenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento (…)”.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I.

Na opinião da R., a decisão sobre a matéria de facto fica claramente aquém, quer do ponto até onde deveria ter ido, quer da prova que os autos nos revelam, particularmente quanto aos factos provados n°s. 22, 23 e 25 cuja resposta peca por escassa, mas também porque incorreu em clara omissão de pronúncia no que se refere designadamente à matéria de facto constante dos itens 9°, 10°, 11° e 12° da contestação da R./recorrente; II.

Com efeito, e a não ser que isso não assuma qualquer interesse, nomeadamente pela circunstância de se entender (muito erradamente, no entanto, adianta-se desde já) que a responsabilidade aqui em avaliação (da concessionária) é objetiva, sem culpa, pura e simplesmente não é possível perceber p. ex. que ilações podem ser tiradas dos “singelos” factos provados n°s. 22, 23 e 25 se nem sequer se tem, por assim dizer, um “termo de comparação”uma “unidade de medida” que permita avaliar, no caso concreto, se o “desempenho” da concessionária R. foi ou não o adequado; III. Ora, do depoimento de LL..., cujas partes relevantes vão transcritas neste recurso (para além do disposto nas Bases XXIX, XXX, e XXXVII do Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n° 109/2015, de 18 de junho, diplomas legais estes a que a sentença - muito curiosamente - não faz sequer a mínima menção), é possível desde logo concluir, sem qualquer receio de errar, que aquelas vedações a que p. ex. o ponto n° 23 dos factos provados alude são precisamente aquelas que deviam estar colocadas no local do sinistro e suas imediações; IV. De modo que, respeitando a prova produzida (e à lei aplicável, já agora), o acervo de matéria de facto provada e a considerar na decisão final deve ser acrescentado com a seguinte: a) “As vedações daquela auto-estrada A7 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes'” (artigo 9° da contestação); b) “À data do sinistro as vedações que se encontravam colocadas no local do sinistro e suas imediações respeitavam o respectivo projeto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, designadamente no que se refere às suas características, tais como a sua dimensão e altura, por exemplo, pois se assim não fosse a auto-estrada A7 não teria aberto ao tráfego.” (artigos 10°, 11° e 12° da contestação); V.

Por outro lado, o mesmo depoimento de LL... é também importante para que se possa fazer o devido enquadramento do facto provado n° 26 que é/deve ser incontornavelmente relevante, seja para a defesa da R., seja sobretudo para a boa decisão da causa, sendo claro, aliás, que o ponto provado n° 25 não o permite (além de que, e tal como está, pouco interesse “prático” tem a redação deste referido ponto n°. 25); VI.

Assim, e respeitando a prova dos autos e o manifesto interesse que assume, deve ser alterada a redação do actual facto provado n° 25, para a seguinte redação: - A R. obrigou-se com o concedente a efetuar passagens de vigilância no mesmo local, em condições normais de tráfego, com o intervalo máximo de 4 (quatro) horas entre as 7 e as 23 horas (turnos diurnos); VII.

Depois, quer com base naquele depoimento de LL..., mas também naqueloutro de AC... igualmente transcrito acima, os factos provados n°s. 22 e 23 devem ser alterados de acordo com a seguinte sugerida redação: - 22. - provado que “A Ré verifica, anualmente, todas as vedações da concessão e sempre que ocorrem acidentes numa extensão mínima de 500 metros para cada lado do local destes e em ambos os sentidos de trânsito, num total de 4 kms (= 2 kms + 2 kms).”;  - 23. - provado que “Verificada a vedação numa extensão de 1,5 kms para cada lado do Km 27,050 da auto-estrada A7, e em ambos os sentidos de trânsito, num total de 6 kms (= 3 kms + 3 kms), esta encontrava-se íntegra, sem cortes ou falhas.”; Posto isto, VIII.

À data actual (para dizer o menos), e considerando quer a publicação da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, quer o diploma legal relevante aplicável à concessão da R. (e ao qual, como dito, a sentença do tribunal a quo nem uma referência faz), pensava-se que estava definitivamente arredada qualquer possibilidade de aplicação do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil a situações desta natureza, artigo este que, nas certeiras palavras de Carneiro da Frada (“Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, R. O. A., Set. 2005), diz claramente respeito danos causados pela coisa (auto-estrada), não sendo suficiente, portanto (e tal como acontece neste caso), que “(...) o evento danoso se tenha dado “com” a coisa, “na” coisa ou com “ocasião” da coisa.

IX. Ora, face ao que decorre das págs. 11 e 12 da sentença - impõe-se afirmar que a ré, atenta a presunção que sobre si impende, teria que demonstrar que o cão se introduziu na autoestrada por um meio que não podia ser evitado, mormente por lá ter sido propositadamente colocado ou (para lá encaminhado) e tal ter ocorrido em momento muito próximo do acidente, o que inviabilizou a sua remoção a tempo de evitar o sinistro aqui em análise. Ora, a Ré, na verdade, provou o cumprimento genérico dos deveres de manutenção e vigilância, mormente porque demonstrou que tem equipas e equipamentos destinados a garantir a circulação segura da via em causa. Contudo, tal não basta para ilidir a presunção decorrente do artigo 12º, n.° 1 da Lei no 24/2007, acima transcrito.” - que resume (melhor: “concentra”) a linha interpretativa seguida na sentença, não sobra nenhuma dúvida, ainda que isso não seja dito de forma expressa, que é de uma presunção de culpa (a do artigo 493°, n° 1 do Cód. Civil, naturalmente) se trata e esta foi claramente a escolha interpretativa da sentença sob recurso; X.

Na verdade, e ainda que neste parágrafo transcrito conste a referência a uma presunção alegadamente “decorrente do artigo 12°, n.° 1 da Lei n° 24/2007” e com isso parecendo (mas só isso) que a “solução” para este caso advirá afinal desse normativo legal, é claríssimo (para lá de, no mínimo, haver muitas reticências e dúvidas quanto à possibilidade de aquele preceito legal encerrar uma qualquer presunção, qualquer que seja, ainda que apenas de mero incumprimento) que a formulação daquele artigo 12° n° 1 é muito, mas muito diferente do também já referido artigo 493° n° 1 do Cód. Civil; XI. Visto o parágrafo transcrito em que se baseia exclusivamente, como dito, o pensamento da sentença do tribunal a quo, particularmente no que se refere à suposta “obrigação” da concessionária R. de dever demonstrar como ingressou o animal na via ou àqueloutra também putativa (e mais até que subentendida) de dever esta estar em toda a concessão ao mesmo tempo, não há outra forma de olhar para este raciocínio que não seja o de o enquadrar no âmbito da presunção de culpa prevista no artigo 493° n° 1 do Cód. Civil; XII.

Pelo contrário, aquilo que pode resultar da leitura/interpretação do artigo 12° n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18 de julho é que as concessionárias de autoestradas não têm de provar que não tiveram culpa no sinistro (isso só seria assim se “navegássemos nas águas” do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil), mas têm de demonstrar que cumpriram com as chamadas obrigações de segurança (ainda que - refira-se - os sinistros possam ocorrer), ou seja, trata-se claramente de uma prova “positiva” e não, como se defende na sentença, uma prova de claro pendor “negativo”, como é a de uma presunção de culpa; XIII. Sucede, porém (e para lá das críticas corretas de Carneiro de Frada a que antes se aludiu), que se não poderá esquecer de forma que existe legislação especial para este “assunto” (e, como sabido, lex specialis derogat legi generali), desde logo aquela Lei n° 24/2007, de 18 de julho, desde que devidamente interpretada e aplicada (o que não foi o caso), mas também (e sobretudo) o Decreto-Lei n° 248-A/99, de 6 de julho, na redação do Decreto-Lei n° 109/2015, de 18 de junho, sobre o qual a sentença nada diz (ou faz sequer a mais pequena menção); XIV.

Ora, este diploma legal que rege a concessão e também, por assim dizer, a atividade (operacional) desta R./concessionária não deixa margem para qualquer dúvida (cfr. Bases LXXIII e LVIII - A) sobre a forma como devem ser encaradas, balizadas e interpretadas as já ditas obrigações de segurança previstas no n° 1 do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho; XV. Efetivamente, no caso de prejuízos causados a terceiros, “a medida da responsabilidade da Concessionária (...) deve aferir-se pelo grau de cumprimento das obrigações que, para a Concessionária, emergem do Contrato de Concessão, incluindo do Plano de Controlo de Qualidade e do Manual de Operação e Manutenção, constituindo causa de exclusão de responsabilidade o seu comprovado cumprimento'”; XVI. Quer dizer: não se vislumbra onde (d)aqui se possa ir “buscar” o alegado (e defendido pela sentença) “dever” de demonstrar por onde acedeu o animal à via ou então que este tenha sido propositadamente lá colocado por alguém (ou ainda que essa intrusão tenha ocorrido “em momento muito próximo do acidente” e que a R. apenas (a palavra é nossa) “provou o cumprimento genérico dos deveres de manutenção e vigilância”, tudo conclusões que só podem radicar naquele inaplicável artigo 493° n° 1 do Cód. Civil e, naturalmente, no âmbito de uma...

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