Acórdão nº 00124/03.2BTPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | Paulo Ferreira de Magalh |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO AA---, S.A.
[devidamente identificada nos autos] Autora na acção que foi intentada contra o Município (...) [devidamente identificado nos autos], na qual foi requerida a sua condenação a pagar-lhe indemnização (i) por danos patrimoniais causados pela conduta ilícita dos seus serviços e agentes, por negligência, e pelo montante das rendas, à razão mensal de 4.500,00 euros, anualmente corrigidas pelo factor de actualização que lhe corresponder, desde Julho de 1999 até à data em que o Réu rectificar a cota do piso do arruamento a nascente do prédio, e os danos futuros que vierem a revelar-se e que se relegam para execução de sentença por não serem líquidos nem definitivos nesta data; (ii) a proceder à rectificação da cota do piso do arruamento a nascente do prédio, por forma a permitir o acesso ao interior da fracção “W” por camiões para cargas e descargas, bem como (iii) a pagar-lhe os juros de mora legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido, e em que o Réu foi condenado a proceder à rectificação do piso do arruamento a nascente do prédio do Lote B da Quinta (...), concelho de (...) por forma a permitir o acesso ao interior da respectiva fracção “W”, além do mais, por parte de veículos para cargas e descargas de mercadorias, e que quanto ao demais peticionado sido o Réu absolvido do pedido, inconformada com esse decisão, vem interpor recurso de apelação.
* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] CONCLUSÕES 1ª - A Recorrente aceita integralmente o doutamente decidido em A), quanto à condenação do Réu a proceder à retificação do piso do arruamento a nascente da fração W.
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- O decidido a quo constitui surpresa para a Recorrente porquanto não era expetável a decisão proferida quanto ao pedido de reparação do dano patrimonial sofrido face ao ordenamento jurídico vigente.
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- Deve o tribunal ad quem, para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 636º do CPC, conhecer dos fundamentos em que a parte vencedora (Autora) decaiu, assim se prevenindo a necessidade da sua apreciação.
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- A conduta do Réu lícita, culposa, no mínimo negligente, e danosa, tal como fixada nos factos provados Q até FF, e no facto GG que vai impugnado no sentido de provocar a sua modificação ad quem, e em nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito do Réu e o dano sofrido pela Autora, ofendeu gravemente e de forma continuada desde o início de 1999 até à atualidade o exercício do direito de propriedade da Autora, e impediu por falta de acesso o uso da fração W em condições normais pelo seu proprietário.
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- Da sentença recorrida resulta claramente evidenciado que o Município (...), entidade competente para o efeito, aprovou o licenciamento do loteamento da Quinta da (...), (...), (...), e de todas as operações urbanísticas relacionadas com a sua construção e destino, um total de oito (8) frações destinadas à atividade comercial.
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- Do auto de vistoria de fls. 792-vº consta expressamente que não foram aprovadas quaisquer frações com destino a armazém, nem com destino a indústria.
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- Nas condições particulares emitidas pela Divisão de Urbanismo do Município de (...) quanto ao loteamento da Quinta da (...), que definiram desde o início o destino das frações do Lote B, consta no ponto 04.02 que foram efetuados os seguintes condicionamentos: “04.02 Nos lotes B, D, E e F poderão ser construídos edifícios mistos para habitação e atividade comercial, compostos de cave e rés-do-chão e de 520m2 ao nível dos andares.” 8ª - O que se verifica é que o Município (...) modificou depois o destino da fração W no alvará de licença que emitiu, e destinou a armazém, tendo violado as condições particulares previamente aprovadas pela Assembleia Municipal de (...), conforme consta do referido documento da Divisão de Urbanismo do Município (...).
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- Como se isso não bastasse, o Réu autorizou a construção de mais um piso no Lote B, uma subcave, sem que o único acesso ao seu interior estivesse concluído, ou no mínimo, com projeto aprovado, cuja construção condicionou a utilização em condições normais da fração W, conforme facto provado BB.
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- A construção de mais um piso não foi autorizada ao Réu pela Assembleia Municipal, determinou a alteração dos projetos técnicos aprovados pelo Município sobre o Loteamento da Quinta da (...), e alterou também a execução da obra de construção do lote B.
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- Com essa operação urbanística o Réu eliminou irremediavelmente o acesso da fração W ao arruamento que construiu a nascente, e criou um desfasamento entre as necessidades de acessibilidade resultantes de mais um piso que implicou necessariamente uma alteração ao traçado dos arruamentos do loteamento, e culminou com uma diferença entre 1,97 metros e 1,81 metros das cotas soleira da porta exterior da fração W e da cota do arruamento que construiu.
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– A Autora foi obrigada a entregar o caso à Justiça, em razão da inação e da inércia do Réu desde o início do ano de 1999, que nada fez para solucionar a nuclear falta de acesso da fração ao arruamento a nascente, e o tribunal recorrido teve de intervir para obrigar o Réu a proceder à retificação do arruamento de forma a permitir o acesso e o uso normal da fração, conforme o decidido em A).
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– A sentença recorrida olvidou o relatório dos Peritos da 2ª perícia de fls. 725-759, que responderam no quesito 6º (a páginas 10 de 23), segundo a qual “…., apesar do destino referido na escritura de constituição de propriedade horizontal, nada impede o seu uso para comércio/serviços.” “Com efeito, o pé-direito do local, a sua localização, em termos de cota face ao arruamento, o tipo de tratamento da fachada, toda ela dotada de caixilharia, bem como a existência de instalações sanitárias para ambos os sexos, não fosse a ausência de acesso, permitiria a sua utilização para qualquer atividade inserida no grupo de comércio ou serviços.” 14ª - A fração W apresenta características próprias de construção quer interiores como o pé-direito, e ao nível de infraestruturas, quer da fachada e de localização, que a dotaram de requisitos e apetência para o uso potencial de atividades comerciais ou de serviços, o que se enquadra perfeitamente com o autorizado pela Assembleia Municipal de (...), com o auto de vistoria de fls. 792-vº e com a autorização da Divisão de Urbanismo de 10/01/1995 (que será de fls. 791) quanto ao destino das frações do Lote B onde se integra a fração W.
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- O Réu violou essas autorizações quando emitiu em 13-01-1995 a licença de utilização da fração W e lhe alterou o destino para “armazém”.
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- A condicionante apontada na sentença recorrida quanto à necessidade de se alterar o título constitutivo da propriedade horizontal para destinar a fração W para comércio ou serviços, não constitui uma impossibilidade ou um impedimento, na medida em que o decidido a quo não equacionou e omitiu a apetência da fração e as suas características de construção tal como definidas no relatório da 2ª perícia, que lhe permitem a mudança de destino e a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal para comércio ou para serviços, isto é, que lhe permitem corrigir a alteração que o Réu efetuou quanto ao destino da fração sem autorização da Assembleia Municipal e sem decisão prévia que o legitimasse.
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- A absoluta falta de acesso à fração, tal como demostram as fotografias nos relatórios da 1ª perícia de fls. 516-540 e da 2ª perícia de fls. 725-759, é suficiente para afastar só pela vista do local qualquer interessado em arrendar ou comprar a fração, não sendo possível dar qualquer uso em condições normais à fração.
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- O que o tribunal recorrido considerou como falta de prova convincente quanto aos factos relacionados com o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito do Réu e o dano patrimonial sofrido pela Autora, só lhe permitiria estribar uma decisão com recurso à equidade para a fixação do montante compensatório ou reparatório.
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– A mera privação do uso constitui dano autónomo de natureza patrimonial, em nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, indemnizável nos termos dos artigos 483º e 566º do Código Civil.
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- O tribunal recorrido deveria ter seguido o supletivamente disposto no artigo nº 566º nº 3 do CC segundo o qual, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Ou recorrer à liquidação de sentença.
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– Nesse sentido, o dano patrimonial do proprietário que resulta da perturbação do seu direito de propriedade tem sido defendido na jurisprudência e na doutrina portuguesas, invocando-se aqui o decidido no Acórdão do STJ proferido em 16/12/2013 no proc. 3939/03, que estabeleceu que a ilícita privação do uso e fruição de um prédio pode ser causa de responsabilidade civil, se impede o respetivo proprietário do exercício daqueles poderes, ou pode constituir fonte de obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473º e seguintes do Código Civil, caso não haja lugar a responsabilidade civil por inexistência de dano.
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– Nesse sentido, invoca-se também a jurisprudência do Acórdão do STJ proferido em 26/05/2009 no processo de revista nº 531/09, da 1ª Secção, que estabeleceu que, se, por facto ilícito de terceiro (Nota nossa: como é o caso dos presentes autos), o proprietário do prédio está impedido, durante um determinado período, de o usar, como pretendia, essa perturbação do seu direito de propriedade gera, segundo as regras da experiência comum e do bom senso, prejuízos na sua esfera jurídica, havendo, consequentemente que repor a situação anterior através da indemnização correspondente à perda temporária dos poderes de gozo e fruição 23ª – Nesse...
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