Acórdão nº 00573/21.4BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução27 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A Ordem dos Enfermeiros veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 21.02.2022, pela qual foi (totalmente) deferida a providência cautelar apresentada por AA...

para suspensão da eficácia da deliberação da 1ª Secção do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, de 23.04.2021, que aplicou ao requerente a sanção disciplinar de suspensão do exercício profissional pelo período de 1 (um) ano, com pena efectiva de 3 (três) meses e os remanescentes suspensos pelo período de 3 (três) anos.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto no artigo 120.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pois, ao contrário do decidido, não se verifica qualquer dos requisitos aqui previstos para o decretamento da providência: quanto ao fumus boni iuris o Tribunal violou o princípio da separação de poderes, ao invadir a esfera do poder discricionário da Requerida; no que respeita ao periculum in mora também não se verifica e, em todo o caso, deve prevalecer, na ponderação de interesses, o interesse público que é fortemente prejudicado com o decretamento da providência.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não deu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A. De acordo com o artigo 144.º, n.º 4, do CPTA, “quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos”.

B. No presente caso, a atribuição de efeito devolutivo ao recurso implicará prejuízos para o interesse público, na medida em que permitirá que o Enfermeiro aqui em causa, cuja actuação foi considerada, por dois júris distintos de pares, não acautelar as condições mínimas de segurança e bem-estar da grávida e recém-nascido em partos realizados no domicílio, continue a adoptar a mesma conduta, colocando em causa não só a vida e a saúde dos utentes a que assiste nessas condições, mas também a dignificação da profissão.

C. Note-se que o Enfermeiro AA... foi condenado na pena de suspensão do exercício profissional por um período de 1 (um) ano, com pena efetiva de 3 (três) meses e os remanescentes suspensos pelo período de 3 (três) anos, por ter praticado, aquando da realização de parto no domicílio e posterior transporte da puérpera e do recém-nascido para o Centro Hospitalar de (...), E.P.E., por ter praticado graves infrações disciplinares (alíneas a), b), g) e i), do n.º 1, do artigo 97.º, as alíneas a) a c), do artigo 100.º, a alínea d), do artigo 104.º, as alíneas a) e b), do artigo 109.º e a alínea a), do artigo 111.º, todos do EOE) que colocam em causa, de forma irremediável, o bem-estar, a saúde e vida das parturientes e recém-nascidos, assim como a imagem da Ordem dos Enfermeiros enquanto associação pública profissional representativa dos que exercem a profissão de enfermeiro (cfr. artigo 1.º, n.º 1, do EOE).

D. Na verdade, estamos perante um Enfermeiro que ainda que detentor da Especialidade em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, realiza partos no domicílio sem cumprimento das recomendações para realização de um parto no domicílio emanadas pela Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, na medida em que realiza os partos sem a devida e recomendada vigilância pré-natal – atuação esta que o ora Recorrido tem mantido de forma reiterada e a qual não pretende alterar.

E. Acresce que a realização de partos no domicílio, em especial da forma como o Enfermeiro AA... os realiza, é particularmente sensível porque feito de forma individualizada sem a possibilidade de ser acompanhado por outros profissionais de saúde.

F. Nesse âmbito, a atribuição de efeito devolutivo ao presente recurso criaria uma sensação de impunidade perante tais factos o que conduziria a uma perda de credibilidade da Ordem dos Enfermeiros; credibilidade essa que, como se sabe, é absolutamente essencial para a Ordem dos Enfermeiros poder prosseguir as suas atribuições e, dessa forma, garantir o interesse público que presidiu à sua constituição.

G. Em face do exposto, deve ser atribuído o efeito suspensivo ao presente recurso.

H. No essencial, a sentença recorrida determinou a procedência da providência cautelar requerida, com os seguintes fundamentos: a. Verificação do requisito de periculum in mora na medida em que se está perante uma situação de facto consumado, desde logo por decorrência da própria aplicação da sanção disciplinar, sendo a apreciação da situação económica do Requerente e a privação do valor da sua remuneração correspondente ao tempo de execução da sanção disciplinar apenas um acréscimo no que toca a verificação do referido requisito; b. Previsível procedência, em sede de acção principal, da anulação do acto por falta de fundamentação sob ponto de vista material, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito; c Inexistência de qualquer prejuízo para o interesse público com a adopção da providência cautelar; I. Ao concluir da forma descrita, a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito.

J. Tendo sido considerado pela sentença recorrida que a decisão sancionatória proferida pela Entidade Requerida se encontra deviamente fundamentada sob um ponto de vista formal, o mesmo não foi considerado quanto à fundamentação sob o ponto de vista material, designadamente no que respeita a três situações em que está a ser imputada ao Requerente responsabilidade disciplinar. Nesse sentido, entende a sentença recorrida ser provável e previsível a procedência da pretensão do Requerente, com consequente anulação do ato impugnado.

K. Ao concluir da forma descrita, a sentença recorrida incorreu em vários e manifestos erros de interpretação e aplicação do direito.

  1. Da violação do princípio da separação de poderes L. Se atentarmos nos fundamentos invocados pela sentença recorrida para fundamentar o preenchimento do requisito de fumus boni iuris, verificamos que a mesma se pronuncia sobre o cerne das competências próprias da Recorrente e, dentro destas, na discricionariedade e na margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados que a lei confere à Recorrente.

    M. A verdade é que determinar se certa conduta consubstancia, ou não, uma infração disciplinar insere-se no âmbito da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 17/09/2015, no âmbito do processo n.º 04839/09).

    N. A decisão sobre se certo facto ocorreu ou não pode ser avaliado pelo Tribunal; a qualificação desse facto como infracção disciplinar integra a margem de livre decisão administrativa que, no caso, é conferida à Recorrente pela al. h), do n.º 1, do artigo 5.º, e pelo artigo 18.º, ambos da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e pelo Estatuto da Ordem dos Enfermeiros.

    O. Ora, a sentença recorrida, ao não colocar em causa os factos subjacentes ao acto suspendendo, mas ao entender que os mesmos não consubstanciam infrações disciplinares, viola os artigos 111.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Ao entender de forma distinta, a sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente os referidos preceitos devendo os mesmos ser interpretados no sentido de que a qualificação de determinados factos como consubstanciando uma infração disciplinar insere-se no âmbito da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa.

  2. Reclamação de RB...: parto da Utente KS….

    P. Considera a sentença recorrida, em contraposição ao considerado pela Entidade Requerida, que em face da recomendação existente sobre os partos no domicílio, não era exigível ao Arguido ter garantido um meio de transporte para o período previsível de parto.

    Q.Com o devido respeito, não se pode concordar com a conclusão da sentença recorrida.

    R. Ainda que se admita que a situação que ocorreu no caso que aqui se analisa não se encontra expressamente prevista na recomendação, certo é que do espírito da letra da recomendação se retira que os profissionais de saúde escolhidos pelo casal asseguram o acompanhamento e assistência no trabalho de parto, parto e pós-parto, independentemente do momento em que tal assistência se verifique necessária.

    S. Note-se que da análise do ponto 3 da Recomendação da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica conclui-se que toda a situação ocorrida com o casal poderia ter sido ultrapassada caso o ora Recorrido se encontrasse acompanhado por outro profissional de saúde.

    T. Note-se que ainda que a avaria do veículo tenha ocorrido em momento anterior ao parto, e se tenha como um evento imponderável, a verdade é que o ora Recorrido, como profissional diligente e zeloso, deveria ter contactado o casal cuja gravidez se encontrava a acompanhar e dar conta da ocorrência de forma a que, em conjunto, chegassem a uma solução para que, caso o trabalho de parto se iniciasse no entretanto, o casal soubesse como actuar – o que não ocorreu (cfr. fls. 98 e 99 do processo administrativo instrutor junto com a oposição à providência cautelar).

    U. Na verdade, não está aqui em causa, como parece resultar da sentença recorrida, que a situação em causa se tratasse de “(…) uma situação de emergência que impusesse o transporte a realizar pelo requerente”, mas antes o facto de um casal que tinha planeado a realização do parto no domicílio, com o acompanhamento e assistência do Recorrido, ter contactado e informado o mesmo quanto ao início do trabalho de parto e...

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