Acórdão nº 02331/21.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução27 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Ministério da Administração Interna interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, em acção administrativa intentada por AA...

, natural da República do Gana, julgada parcialmente procedente.

O recorrente conclui: 1. Resulta evidente que o Tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice não teve em atenção o quadro legal atinente às condições e procedimentos de concessão de proteção subsidiária. Vejamos então, 2. O artigo 20. 2 da CRP consagra a garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, prevendo que: "1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

" 3. A garantia do acesso ao direito e aos tribunais estende-se a todos e a quaisquer direitos e interesses protegidos e engloba o direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário, bem como o direito de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade (cf. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA — Constituição da República Portuguesa Anotada. 4º ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, Volume I, pp. 410 a 412).

  1. No âmbito de um pedido de proteção internacional, antes de ser proferida qualquer decisão, atento o n.º 1 do art.º 16.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07, alterada pela Lei n.º 29/2012 de 09/08, "é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente", situação que se designa comummente por entrevista e que não constitui um ato administrativo mas um ato material de trâmite inserido num procedimento administrativo.

  2. Constitui direito dos requerentes de asilo, entre outros, beneficiar de apoio judiciário, nos termos da lei (cf. artigo 49. 2 , n.º 1, alínea f), da Lei do Asilo).

  3. De acordo com o preceituado no n.º 7 do art.º 49. 2 da Lei de Asilo, "na prestação de declarações a que se refere o artigo 16. 2 , os requerentes de asilo ou de proteção subsidiária podem fazer-se acompanhar de advogado, sem prejuízo de a respetiva ausência não obstar à realização desse ato processual" (sublinhado nosso), não se verificando qualquer obrigatoriedade quanto à presença de advogado no ato em causa, nem a sua ausência prejudica a realização da entrevista.

  4. Assim sendo, e pese embora se reconheça a importância do acompanhamento por advogado, nesta fase do procedimento, inexiste qualquer obrigatoriedade quanto à presença de advogado no ato em causa, pese embora a entidade administrativa tenha feito chegar, sempre, ao conhecimento do requerente o seu direito ao acompanhamento e assistência jurídica gratuita.

  5. Não se vislumbra, assim, qualquer desconformidade entre o disposto no n.º 1 do artigo 16.º e o princípio plasmado no artigo 20.º, n.º 2, da Lei Fundamental nem, bem assim, entre este e a atuação da Entidade Demandada, no caso em apreço.

  6. Com a devida vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que estabelece as condições e procedimentos de concessão de proteção subsidiária.

  7. Com efeito, não se verifica qualquer contradição entre as referidas disposições, não afastando o artigo 16. 2 , n.º 1 da Lei do Asilo, a possibilidade de o requerente de protecção internacional ser acompanhado por advogado aquando da realização da entrevista.

  8. O objetivo da entrevista é apurar quais as reais condições do Requerente de protecção internacional, sendo que a informação que transmitir é de cariz estritamente factual e pessoal, de molde a aferir se preenche ou não os pressupostos para admissão do pedido.

  9. Sendo assim de assinalar que, ao contrário do alegado, não se verifica que o Requerente tenha prejuízos diretamente decorrentes da falta da presença do mandatário na entrevista, que suscite violação legal. Aliás, foi declarado pelo Requerente não ter advogado constituído.

  10. Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).

  11. Acresce que, a Entidade Demandada, quando da apresentação do pedido de protecção internacional do Autor, expressamente lhe transmitiu que o mesmo tinha direito a assistência legal gratuita em todas as fases do procedimento e direito a ser acompanhado por advogado durante a realização da entrevista pessoal a que o mesmo viria a ser sujeito, não se perscrutando, por isso, qualquer derrogação ao princípio de acesso ao direito.

  12. Sempre se dirá que o ora Recorrido, no inicio da diligência entrevista foi questionado se tinha advogado constituído. A tal questão o ora recorrido retorquiu não ter, mais afirmando que a entrevista poderia prosseguir.

  13. Ou seja, foi o ora Recorrido que expressamente declarou, em sede de entrevista, que não tinha advogado, cfr. auto de declarações a fls. (...) do PA.

  14. Na prestação de declarações a que se refere o artigo 16º da Lei de Asilo, o requerente pode fazer-se acompanhar de advogado (se assim o entender), sendo que a sua ausência não obsta à realização daquele ato. Portanto, o ora recorrido poderia, se assim o entendesse, fazer-se acompanhar de mandatário, o que, in casu, não aconteceu.

  15. Pelo que de nenhuma invalidade padece o ato aqui em causa, decorrente da ausência de um advogado na entrevista, pois, como resulta taxativamente do nº 7 do artigo 49º da Lei de Asilo, a presença de advogado quando da prestação de declarações pelo requerente de proteção internacional é meramente facultativa, não sendo a sua ausência obstativa à realização da entrevista.

  16. Assim, resulta incompreensível que a douta sentença proferida considere que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não atuou como lhe competia e que não assegurou, no caso concreto, o direito constitucional ao advogado, de forma efetiva, como impunha o art.º 49º, nº 7 da Lei de Asilo, interpretado à luz do art. 2 20 2 , nº 2 da CRP.

  17. Ademais, e como a presente impugnação mostra à evidência, o Recorrido não foi de modo algum prejudicado no seu direito de defesa, não se verificando qualquer ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa do requerente de asilo.

  18. Importa, assim, evidenciar, que a ora recorrente deu pleno cumprimento às normas legais vigentes atinentes à Lei de Asilo, encontrando-se o ato administrativo legalmente enquadrado face ao disposto na Convenção de Genebra e na Lei de Asilo.

  19. Crê-se destarte inequívoco, que a Sentença a quo carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuto pelo direito vigente sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato da ora Recorrente.

  20. Para melhor corroborar a posição da entidade demandada vejamos a argumentação deduzida pelo TCA Sul no Processo n° 622/21.6BELSB a qual desde já subscrevemos: "Em sede de procedimento de protecção internacional, tal como está legislativamente regulado, não ocorre uma situação de indefesa e uma preterição do princípio de igualdade de armas, violadora do art.° 20. 2 da CRP; Tal como está delineado o indicado procedimento não está obstaculizado o acesso pelo requerente de protecção à assistência e representação por advogado, assim como não fica vedado o apoio e a assistência jurídica. Diversamente, uma vez constituído advogado pelo requerente de protecção, aquela assistência e representação ficam garantidas em todos os momentos do procedimento, não podendo ser afastadas ou preteridas pela Administração".

  21. Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação da douta Sentença, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei. O requerente de protecção, aquela assistência e representação ficam garantidas em todos os momentos do procedimento, não podendo ser afastadas ou preteridas pela Administração; Já o referido apoio e assistência jurídica são expressamente salvaguardados quer pela obrigação de informação da Administração da possibilidade do seu accionamento pelo interessado, quer pela intervenção do Conselho Português para os Refugiados (CPR), quer, ainda, pela possibilidade de acesso do requerente de protecção ao beneficio de apoio judiciário, nomeadamente na modalidade de atribuição de defensor nomeado, o que ocorre em termos céleres e de gratuitidade; A mera circunstância da lei — nacional e comunitária — permitirem a realização da entrevista ao requerente de protecção sem a presença de um advogado, quando este não o tenha constituído ou quando não tenha requerido tal assistência por via do benefício da atribuição de apoio jurídico, por si só, não viola o art. 220. ° da CRP.

    25 Pelo exposto, só ocorrerá uma situação de indefesa e uma preterição do princípio de igualdade de armas, proibida pelo invocado art. 220.° da CRP, quando o legislador crie um quadro legal injustificada ou desnecessariamente complexo ou difícil, de tal forma que obstaculize a possibilidade de acesso pelo requerente de protecção à indicada assistência e representação jurídicas. Igualmente, aquela violação poderá ocorrer quando a indicada assistência e acesso lhe fiquem vedadas por razões económicas.

    Estas conclusões terão aplicação quer em sede procedimental — e designadamente num procedimento de protecção internacional em que o requerente pode ser sujeito a uma expulsão do nosso país — quer em sede judicial — quando aquele requerente pretende reagir contra a negação do seu pedido de protecção ou a expulsão que foi determinada.

  22. Ora, em sede de procedimento de protecção internacional, tal como está legislativamente regulado, não ocorre uma situação de indefesa ou uma preterição do princípio de igualdade de armas...

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